Especialistas divergem sobre atuação do Incra em regularização fundiária na Amazônia

Em audiência pública promovida pela Comissão Agricultura de Reforma Agrária (CRA) do Senado nesta terça-feira (9), debatedores manifestaram preocupação com o projeto que prevê que a regularização fundiária na Amazônia Legal será responsabilidade da Justiça, e não mais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

O projeto de lei (PL 4.718/2020) é de autoria do senador Marcos Rogério (PL-RO). O texto permite que a regularização de ocupações rurais em áreas da União na Amazônia Legal seja feita por meio de processo judicial promovido pelo ocupante.

A audiência aconteceu a pedido do senador Beto Faro (PT-PA), que a solicitou por meio do requerimento REQ 49/2025 – CRA. Faro defende a atuação do Incra nesses casos.

Um dos debatedores que defenderam o Incra foi Carlos Gondim, consultor jurídico do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar. Ao manifestar preocupação com a previsão de que a Justiça seria a responsável pela regularização fundiária, e não mais o Incra, Gondim afirmou que a proposta está “jogando no colo do Judiciário” o combate à grilagem de terras — medida que, segundo ele, poderia causar atrasos no processo de regularização.

— O projeto fere a separação de Poderes ao atribuir atividades tipicamente administrativas, próprias do Executivo, ao poder Judiciário. A solução para agilizar a regularização fundiária é fortalecer o Incra, com mais servidores e recursos de tecnologia — argumentou o consultor.

No entanto, Érico Melo Goulart, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), disse que o projeto não tira competências do Incra, e, em vez disso, permite “uma válvula de escape” para quem busca emitir seu título. Para ele, a proposta tem o mérito de combater a morosidade do Estado.

— Se a gente não pensar em um plano B, a regularização vai ficar para trás. Há muitos pedidos de regularização no Incra há muitos anos e isso não avança — ressaltou Goulart.

Judicialização

Adjunto do Advogado-Geral da União (AGU), Júnior Divino Fideles pediu uma reflexão dos senadores sobre a possibilidade de a regularização fundiária ser responsabilidade direta da Justiça. Para Fideles, é preciso pensar se a transferência dessa responsabilidade do Incra para a Justiça vai trazer a agilidade pretendida.

Ele reconheceu que o Estado precisa de celeridade no processo de regularização das terras da região amazônica. Mas observou que o projeto parece buscar a judicialização, quando a tendência mundial é procurar meios de evitar isso.

— Há quase dois séculos que não conseguimos ordenar adequadamente o nosso território e nem dar uma destinação segura às terras públicas — ponderou Fideles, que disse preferir não se posicionar se é a favor da proposta ou contra ela.

Representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Daniela Ferreira dos Reis avalia que a regularização fundiária sob responsabilidade direta da Justiça, conforme prevê o projeto, pode enfrentar problemas pela dificuldade de acesso da população ao Judiciário na região amazônica.

— A judicialização vai gerar um abarrotamento dos processos. A região amazônica é complexa e o Incra tem hoje o melhor adensamento técnico, base de dados e a governança da região — enfatizou ela.

Daniela é coordenadora-geral de Justiça Socioambiental e Direitos Territoriais da Diretoria de Promoção de Acesso à Justiça do ministério. 

Sugestões

Representante do Ministério Público Federal (MPF), Michel François Drizul Havrenne declarou que a regularização fundiária é uma das mais importantes políticas públicas do país. Ele enfatizou que a regularização fundiária é uma política de Estado de arrecadação de terras que descumprem sua função social, a serem posteriormente destinadas a pessoas com vocação agrícola. Também lembrou que a medida pode ocorrer em terras originariamente públicas.

— Há um elo com a reforma agrária, pois [a regularização] pretende modificar a estrutura fundiária do Brasil. Daí a dimensão dessa política para o país — afirmou Havrenne, que é procurador da República e coordenador da Comissão de Terras Públicas da 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.

Havrenne salientou a importância do projeto, mas sugeriu mudanças no texto. Para ele, o pedido de regularização pela via judicial deveria ser feito depois de um prazo para a ação administrativa por parte do Incra. O procurador também defendeu uma alteração no texto para deixar claro que o MPF será sempre ouvido em processos de regularização de terras.

Além disso, ele manifestou preocupação com a previsão de que a Justiça Estadual possa tratar de questões fundiárias. O projeto prevê essa possibilidade em áreas onde não houver uma unidade da Justiça Federal. Para Havrenne, isso é um caso de vício de constitucionalidade.

O secretário nacional de Direitos Territoriais Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Marcos Kaingang, pediu atenção especial dos senadores com a forma como a regularização fundiária atinge as terras indígenas.

O diretor do Departamento de Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marcelo Mateus Trevisan, também participou da audiência.

Discussão nas comissões

Beto Faro reiterou que a regularização fundiária é um assunto urgente para toda a região amazônica e defendeu uma discussão aprofundada nas comissões do Senado antes que a matéria seja votada.

— Trata-se de um projeto muito importante, pois é uma região muito grande [a região amazônica]. São milhões de hectares de terra e muitas vidas na região — disse ele ao recomendar que a proposta seja votada logo após a volta dos trabalhos parlamentares em 2026.

Beto Faro lembrou que, depois da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), onde o projeto está em tramitação atualmente, a matéria será analisada em outro colegiado do Senado: a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde receberá decisão terminativa.

Assim, a não ser que haja recurso, o texto não irá a votação no Plenário do Senado: se for aprovado na CCJ, a matéria será enviada diretamente à Câmara dos Deputados. Por isso, argumentou Faro, o debate nas comissões do Senado precisar ser aprofundado.

Para o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), a situação da regularização fundiária é complexa, pois, apesar de o Brasil ter um amplo território, há sempre dificuldade para se apontar qual terra é pública ou privada. Ele admitiu que há problemas nos processos de regularização, mas reconheceu que os governos vêm trabalhando no assunto ao longo dos anos.

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Publicação de: Blog do Esmael

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