Entidade indígena denuncia destruição de aldeia evacuada por conta de enchente em Eldorado do Sul

Em meio ao desastre climático no Rio Grande do Sul, a tekoa Pekuruty, aldeia guarani Arroio da Divisa, foi destruída pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit) enquanto a comunidade estava ausente. A aldeia fica em Eldorado do Sul (RS), município fortemente atingido pelas enchentes. A denúncia é das lideranças da aldeia, Estevão Garai e dona Laura.

A informação foi divulgada nesta quarta-feira (8) pela Comissão Guarani Yvyrupa e confirmada à redação do Brasil de Fato RS por Roberto Liegbott, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul.

A tekoa Pekuruty fica à margens de BR 290. As famílias reivindicam a demarcação do território há décadas. O local é visado para a duplicação da BR 290, obra de responsabilidade do Dnit que está em fase de renovação da licença de instalação pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Há processo de negociação mediado pelo Ministério Público Federal para assentar as famílias em outra área, que deve ser providenciada pela Prefeitura de Eldorado do Sul até que se resolvam as questões fundiárias.

Liegbott afirma que conversou com Estevan e com a Laura e eles estão revoltados com a ação do Dnit. “Querem regressar para o local. Lá na tekoa estão os bichinhos deles. Querem saber porque destruíram tudo o que eles tinham. Quem deu autorização? E não foram eles.”

Ele afirma que Laura tinha recebido um projeto para comprar ferramentas com as quais iria produzir artesanatos e, segundo ela, todas as ferramentas estavam na casa deles. Eles também estavam criando mais de 20 pintinhos.

“Me disseram que vão voltar e só sairão quando o Dnit comprar as terras para eles viverem. É muito triste perceber a dor deles e não termos mais condições para ajudá-los. Precisamos da resposta das autoridades competentes. Que Ñanderu nos proteja e dê força e coragem”, completa o indigenista.

A Comissão Guarani Yvyrupa diz que as lideranças foram informadas da ocorrência por terceiros, sem nenhuma consulta ou oportunidade de participação nas decisões.

“Tal intervenção ocorreu na ausência dos indígenas, que haviam sido deslocados para um abrigo na região, devido à emergência climática que assola o estado do Rio Grande do Sul/RS. Apesar de o Dnit ter informado a parceiros da comunidade que a ação estava autorizada, as lideranças garantem que ninguém consentiu com a destruição da comunidade, da escola indígena, e reclamam do desprezo com que os pertences, criações, animais domésticos e instrumentos de trabalho da comunidade foram tratados. Quando puderem deixar o abrigo, os indígenas da tekoa Pekuruty não terão casas para onde voltar”, diz a entidade.

Exige que órgãos e autoridades competentes deem andamento à denúncia e à responsabilização dos envolvidos pelos danos materiais e morais causados à comunidade. “Que a calamidade que se abateu sobre o Rio Grande do Sul não sirva de pretexto para a destruição de nossas aldeias. Nesse momento em que estamos todos mobilizados pela garantia da vida, esperamos que o Dnit não dê um passo a mais nas obras que colocam em risco a existência de comunidades tradicionais.”

O Brasil de Fato RS contatou o Dnit e pediu informações sobre a medida na aldeia. Até o fechamento desta matéria, o órgão não havia respondido. À Folha de S.Paulo, o Dnit afirmou que “trabalha para recuperar a trafegabilidade da rodovia” e que tem “compromisso com a preservação da vida e recuperação imediata da infraestrutura”.

“Vale destacar que esta é uma ação emergencial de implantação do um novo sistema de drenagem com quatro galerias pluviais em concreto e recomposição da pista. O trabalho de urgência visa ao restabelecimento de um corredor logístico para garantir o abastecimento, operações do sistema de saúde e demais necessidades”, diz a nota do Dnit ao jornal paulista.

Enchentes afetaram mais de 80 comunidades indígenas

Os impactos das chuvas e das cheias no estado Sul foram avassaladores em comunidades indígenas da região. Um levantamento colaborativo indica que mais de 80 comunidades e territórios indígenas foram diretamente afetados, alguns com extrema gravidade.

Comunidades dos povos Guarani Mbya, Kaingang, Xokleng e Charrua, espalhadas em 49 municípios gaúchos, são as mais impactadas. As comunidades que se encontram em estado de emergência mais grave são todas do povo Guarani Mbya: no Lami e da Ponta do Arado, em Porto Alegre, com 18 famílias atingidas; Yva’ã Porã, em Canela, com 16 famílias afetadas; Flor do Campo e Passo Grande Ponte, em Barra do Ribeiro, com 25 famílias impactadas, e as 19 famílias da aldeia Araçaty localizadas no município de Capivari do Sul.

O mapeamento, que segue em atualização, é realizado de forma conjunta pelo Conselho Indigenista Missionário – Cimi Regional Sul, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Fundação Luterana de Diaconia, Conselho de Missão entre Povos Indígenas e Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD/Comin/Capa), além do Conselho Estadual dos Povos Indígenas do Rio Grande do Sul (Cepi/RS).


Mapa: Tiago Miotto/Cimi / Fonte: Levantamento conjunto feito por Cimi Regional Sul, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), FLD/Comin/Capa, Cepi/RSCriado com Datawrapper

Organizações de apoio às comunidades pedem apoio e doação de alimentos, material de higiene e limpeza, lonas, telhas, colchões e cobertores para as comunidades. As doações podem ser feitas na Paróquia Menino Jesus de Praga, na cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O Cimi Regional Sul, a ArpinSul e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também disponibilizaram uma conta bancária para receber doações financeiras.

Ponto de coleta

Doações para as comunidades indígenas: Paróquia Menino Jesus de Praga, Rua Dr. Pitrez, 61, bairro Aberta dos Morros, Porto Alegre/RS.

Horário: das 08h às 12h e das 14h às 18h.

Doações

As doações podem ser feitas para:

Banco do Brasil
Agência: 0321-2
Conta Corrente: 128891-1
Cimi Regional Sul

Chave Pix: 566601e8-72b1-4258-a354-aa9a510445d1

Publicação de: Brasil de Fato – Blog

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