Doria erra ao querer trocar vacinas por votos
Foto: Fábio Vieira/Metrópoles/Sergio Dutti
Além de mortos e infectados, o combate à pandemia continua a produzir vítimas de outra natureza. O governador João Doria (PSDB), de São Paulo, não se cansa de ser uma delas, não só porque seus adversários não o perdoam por ter sido o pioneiro da vacinação no país, mas também por culpa dele mesmo.
Doria pode ser um bom administrador, mas é um mau político. Só faltava São Paulo, o mais rico estado do país, dispor também dos mais hábeis políticos. Diz-se o mesmo dos Estados Unidos, a maior potência econômica do mundo, ameaçado de perder o título para a China. Só faltava que dispusesse dos melhores diplomatas.
Pesquisas em série conferiram: se você pergunta em São Paulo o que por lá acham de Doria ter trazido a vacina contra a Covid para o Brasil, o elogio é quase unânime. Se perguntar se votará nele por isso ou por qualquer outra razão, o percentual de respostas “sim” é baixo. Vale para a vacina e qualquer outro tema.
A segurança pública em São Paulo melhorou nos últimos dois anos? A resposta majoritária é que “sim”. Para a mesma pergunta, formulada assim: “A segurança pública em São Paulo melhorou no governo Doria?”, o “sim” deixa de ser a resposta majoritária. É grande a má vontade paulista com ele. Culpa de quem?
De Doria. No caso da pandemia, colou em Doria a acusação de que tentou aproveitar-se da desgraça alheia para faturar votos. Diga lá: qual o político que dá um só passo sem pensar em faturar votos? Todos agem da mesma maneira, mas nem sempre são mal avaliados por isso. Doria é mal avaliado por pensar assim.
O político que introduziu a vacinação no país no início do ano passado é o mesmo que deu início no país, ontem, à vacinação de crianças, um menino da etnia xavante. Dá-se, porém, que incorreu outra vez no erro de querer dividir com o menino o protagonismo que dividiu com a enfermeira vacinada há um ano.
O menino não tem idade para ser candidato a nada. A enfermeira tem, e está sendo sondada pelo MDB para ser candidata a deputada federal. A enfermeira e o menino viraram celebridades graças a Doria. E ele, saco de pancadas. O Jornal Nacional ignorou sua presença no ato de vacinação do pequeno xavante.
Contra todas as evidências até aqui, e embora rasteje nas pesquisas de intenção de voto, Doria acredita que tem chances de suceder Bolsonaro. Não dá a menor indicação de que poderá desistir de concorrer. Fica com a conversa de que só lá para agosto, setembro, o quadro eleitoral ganhará clareza, mas que irá até o fim.
Irá porque não tem outro jeito. Não tem como recuar. Se Lula, o líder das pesquisas, concluísse que não deveria ser candidato, não seria difícil compreender. De mulher nova, livre das condenações que mancharam sua biografia, por que se expor novamente? Por que não desfrutar em paz dos seus últimos anos de vida?
Se Bolsonaro concluir que a derrota é certa, alegar problemas de saúde e renunciar à disputa, pelo menos seus seguidores lhe darão razão. A Doria, não. Ele não tem para onde correr. Não poderá continuar no governo porque o PSDB já lançou um nome para sua vaga. A vaga de senador na chapa será de outro partido.
Candidato a presidente, apesar de derrotado, continuará em cena. Quem diria que depois de governar São Paulo quatro vezes e de perder duas eleições presidenciais, Alckmin estaria de volta na condição de vice na chapa de Lula, que o derrotou em 2006? A morte na política é mais demorada do que a morte na vida real.
Doria sabe disso. Talvez aprenda que a pressa e a traição são os maiores inimigos do político.
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