Câmara irá avaliar PEC de custeio do piso da enfermagem; “A gente espera correr”, diz autor

Começa a tramitar nos próximos dias, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados (CCJ), uma proposta de emenda constitucional (PEC) que prevê fonte de custeio para o piso da enfermagem no âmbito do setor público e das entidades filantrópicas da área de saúde. É a PEC 27/2022, de autoria do deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que foi apresentada esta semana e reúne quase 190 assinaturas de parlamentares, número acima do quórum de 171 exigido pelo regramento.

O texto propõe a utilização do superávit de fundos públicos federais do Poder Executivo como fonte de verbas para o financiamento dos novos salários mínimos da categoria. “Portanto, se um fundo recebeu R$ 1 bilhão e gastou R$ 900 milhões, ele tem R$ 100 milhões de superávit naquele exercício, e assim se processariam as avaliações de todo os fundos federais. Hoje esse superávit financeiro representa aproximadamente R$ 30 bilhões por ano”, calcula o pedetista.

Ao propor essa forma de financiamento, a PEC 27 supera um problema trazido por outra medida, a PEC 25/2022, que estabelece aumento de 1,5% nos repasses da União dirigidos ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Apresentada recentemente, esta última vinha sendo encabeçada pelo deputado Hildo Rocha (MDB-MA) e conta com apoio político e articulação da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).    

 A alíquota proposta equivaleria a R$ 10 bilhões anuais e ajudaria os gestores locais a garantirem o custeio da nova remuneração nacional da categoria, mas os debates em torno do texto enfrentaram entraves impostos pela equipe econômica do governo Bolsonaro. “A fonte de recursos com a qual estamos trabalhando na PEC 27 não altera a receita tributária da União. Esse é um ponto muito forte para que não se criem resistências a partir do próprio governo federal”, advoga Mauro Filho.

Teto de Gastos

Nas últimas semanas, a equipe da gestão Bolsonaro levantou também outras dificuldades. Uma delas é o fato de os técnicos governistas apontarem que os gastos com os salários da enfermagem teriam que ser considerados como despesa primária, o que os colocaria obrigatoriamente sob os limites do Teto de Gastos.

O teto atualmente está em R$ 1,68 trilhão para os gastos de 2022, mas há despesas que estão fora dessa meta de gastos.  É o que ocorre com o Auxílio Brasil, por exemplo. O governo alega que o ajuste fiscal não teria espaço para acomodar os cerca de R$ 10 bilhões anuais fixados pela PEC 25.

Na PEC 27, Mauro Filho propõe, então, que a União dê ao segmento da enfermagem o mesmo tratamento dispensado ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que atualmente é de um aporte de cerca de R$ 20 bilhões anuais por parte do governo federal. O deputado destaca que o montante está fora do Teto de Gastos desde quando foi instituída a Emenda Constitucional 95, de 2016, que criou o ajuste fiscal.


“Não vejo sentido [no fato de que] a saúde seria uma despesa de menor qualificação do que a educação. Pra mim, não faz sentido”, afirma Mauro Filho (PDT-CE) / Paulo Sérgio/Câmara dos Deputados

“Esse mesmo tratamento que é dado à educação nós também estamos propondo para o Fundo da enfermagem, ‘Fundenf’ – estou usando esse nome pra facilitar o entendimento. Não vejo sentido [no fato de que] a saúde seria uma despesa de menor qualificação do que a educação.  Pra mim, não faz sentido. Então, esse ponto também eu abordo e dou ao ‘Fundenf’ o mesmo tratamento que está no Fundeb”, evoca o pedetista.

SUS

A PEC 27 trata especificamente do financiamento do piso nas esferas pública e filantrópica pelo fato de o Orçamento da União não ter relação com entidades privadas. “Para isso, há outro projeto de lei que trata da desoneração da folha de pagamento, ou seja, da contribuição patronal dos hospitais privados. Mas a PEC contempla pelo menos a maior parte das despesas”, assinala o autor do texto.

Em sintonia com o deputado, profissionais da categoria exaltam a importância de o Congresso Nacional analisar a PEC.  “Nós não vimos um outro caminho mais consolidado do que ela. Estamos muito confiantes porque ela resolve mais de 50% dos problemas relacionados ao piso da enfermagem”, disse ao Brasil de Fato o dirigente Erivânio Herculano, do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde de Goiás (SindSaúde/GO) e da Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE).

O percentual se refere ao fato de a maioria dos trabalhadores da enfermagem atuar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Herculano integrou um grupo de profissionais da área que transitou pelo Congresso Nacional ao longo desta semana em busca de coletar as 171 assinaturas necessárias ao texto da PEC. Esse tipo de articulação é comum quando uma pauta tem o apoio da sociedade civil.

“A gente está muito esperançoso tanto com essa PEC quanto com os PLs que falam sobre a questão da desoneração da folha, porque, com eles, a nossa situação começa a ficar mais tranquila. Estamos esperando a valorização da enfermagem”, diz o dirigente do SindSaúde/GO.

Propostas

As medidas às quais o sindicalista se refere são os Projetos de Lei (PLs) 1272/2022, das deputadas Carmen Zanotto (Cidadania-SC) e Soraya Manato (PTB-ES), e 1378/2022, do senador Izalci (PSDB-DF), que desoneram a folha na iniciativa privada para facilitar o caminho para o custeio do piso nesse segmento, que também tem apresentado resistência à nova medida.

Os dois ainda não foram finalmente avaliados pelo Congresso, mas estão entre as propostas atualmente discutidas por parlamentares como alternativas para financiamento dos novos salários.

O piso

O piso nacional da enfermagem foi criado pelo PL 2564, que estabeleceu um salário mínimo inicial de R$ 4.750 para enfermeiros, R$ 3.325 para técnicos (70% do anterior) e R$ 2.375 (50%) para auxiliares e parteiras. Depois de aprovada por ampla maioria no Congresso Nacional, a medida entrou em vigor em agosto, por meio da Lei nº 14.434, mas foi suspensa cerca de um mês depois por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Na sequência, a liminar foi referendada pelo plenário da Corte, e o piso continua suspenso desde então. Enquanto o STF não toma nova decisão a respeito do caso, o Legislativo tem se movimentado no sentido de aprovar textos que propõem formas de financiamento para a medida. Tantos os PLs 1272/2022, 1378/2022 como a PEC 27 integram essas articulações.

Velocidade

Segundo Mauro Filho, a PEC 27 deve começar a tramitar na CCJ na segunda (14) ou na quarta (16), já que terça (15) é feriado. O texto está agora sob a batuta da mesa diretora da Câmara, responsável pelo encaminhamento de propostas aos colegiados da Casa. “A gente espera correr pra que a CCJ aprove rapidamente. E, em seguida, o presidente Arthur Lira designa a comissão especial para analisar a emenda”, explica o pedetista, ao destacar a avaliação de mérito do texto. Pelas regras, por se tratar de uma mudança na Constituição Federal, a PEC precisará, depois disso, cumprir 10 sessões de análise para ir a plenário.

“Então, se na quarta ou quinta a CCJ puder analisar, nós vamos ter 10 sessões que devem terminar lá pelos dias 3 ou 4 de dezembro, e aí, a partir dessa data, o plenário está pronto pra votar, e eu vejo que a grande maioria da Câmara com certeza está de acordo”, acrescenta. O regimento também permite a quebra desse intervalo entre o primeiro e o segundo turnos de votação.

Na sequência, o texto precisará passar pelo crivo dos senadores. “Em dois dias isso pode ser resolvido lá. Temos, portanto, todas as condições para, ainda em 2022, estarmos com a fonte de recurso devidamente assegurada e até mesmo fazermos cair a liminar que suspende a eficácia de uma lei que é totalmente constitucional. Portanto, quem sabe ela passe a vigorar plenamente a partir de janeiro de 2023”, encerra Mauro Filho.

Publicação de: Brasil de Fato – Blog

Lunes Senes

Colaborador Convidado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *