Antonio de Azevedo: COP30, “O Sal da Terra” e a urgência de ouvir o planeta
Por Antonio Sérgio Neves de Azevedo*, especial para o Viomundo
Em novembro de 2025, o Brasil sediará pela primeira vez a Conferência das Partes da ONU sobre o Clima, a COP30, e não em qualquer cidade, mas em Belém do Pará, no coração pulsante da Amazônia.
Essa escolha é simbólica, histórica e profundamente política. O maior bioma tropical do mundo, responsável por regular o clima global, será o epicentro do debate climático mundial em um momento crítico para o futuro da vida na Terra.
E diante da gravidade do cenário atual, talvez seja hora de não apenas ler relatórios técnicos e ouvir discursos diplomáticos, mas de escutar a arte, que há décadas já alerta, de forma sensível e visionária, para o desequilíbrio ambiental.
É nesse espírito que a canção “O Sal da Terra”, de Beto Guedes e Ronaldo Bastos, composta em 1981, ressurge como um verdadeiro manifesto ecológico e humanista que dialoga com os compromissos que serão debatidos na COP30 e da Agenda 2030 da ONU.
“Anda! Quero te dizer nenhum segredo / falo desse chão, da nossa casa / vem que tá na hora de arrumar.”
A introdução da música não poderia ser mais atual. O “segredo” já foi revelado por todas as evidências científicas: estamos destruindo o planeta em nome do lucro, do consumo desenfreado e da omissão política.
E esse “chão”, essa “casa”, é a Terra que, como nos lembra a canção, é nossa nave, nossa irmã, nossa fonte de vida.
A letra convoca à ação, à reconstrução, ao cuidado com a casa comum, em consonância com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 13 (Ação contra a mudança global do clima), que clama por medidas urgentes para mitigar os impactos da emergência climática.
Ao dizer “quero viver mais duzentos anos / quero não ferir meu semelhante / nem por isso quero me ferir”, a música evoca o direito à continuidade da vida, à convivência pacífica, à equidade intergeracional.
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Essa ideia de justiça climática é essencial. O aquecimento global não atinge a todos igualmente: os mais afetados são os povos originários, as comunidades periféricas, os pequenos agricultores, os mesmos que menos contribuem para o problema.
Garantir um futuro viável para as próximas gerações está diretamente relacionado ao ODS 10 (Redução das desigualdades) e ao ODS 16 (Paz, justiça e instituições eficazes). Não se trata apenas de salvar o meio ambiente, mas de salvar a humanidade de si mesma.
“Vamos precisar de todo mundo”, diz o refrão, e esta é, talvez, a principal lição que a COP30 deveria internalizar.
A transição para uma economia de baixo carbono não será possível com soluções tecnocráticas isoladas. Ela exige uma ação coletiva, coordenada e profunda, que envolva governos, empresas, sociedade civil, juventudes, povos tradicionais e cada cidadão do planeta.
Exige que os países ricos reconheçam suas responsabilidades históricas e apoiem financeiramente as nações em desenvolvimento.
Exige, também, uma reavaliação dos nossos modelos de produção e consumo, em linha com o ODS 12 (Consumo e produção responsáveis).
Nesse contexto, Belém, com sua rica diversidade cultural e ecológica, representa um ponto de inflexão.
Não é mais possível discutir clima em salões refrigerados enquanto a floresta que resfria o mundo arde.
A Amazônia não pode mais ser vista como um reservatório de recursos ou uma fronteira a ser explorada, ela é um centro de conhecimento, de espiritualidade, de resistência.
Reconhecer os saberes indígenas e tradicionais como parte da solução climática é atender ao ODS 15 (Vida terrestre) e ao ODS 17 (Parcerias e meios de implementação), fortalecendo o protagonismo de quem há séculos cuida do que agora o mundo quer salvar.
Ao afirmar que a Terra está sendo “maltratada por dinheiro”, a canção denuncia uma lógica extrativista e destrutiva que ainda impera. Precisamos romper com essa mentalidade.
A solução para a crise climática não está em mecanismos financeiros de fachada, mas na transformação real das estruturas que geram devastação. Isso implica combater o desmatamento ilegal, restaurar ecossistemas degradados, investir em energias renováveis, democratizar o acesso à terra e à água.
Implica também reconhecer que “a felicidade mora ao lado”, nas formas simples, solidárias e sustentáveis de viver que já existem nas margens da sociedade e que precisam ser valorizadas, não destruídas.
Em tempos de mudanças climáticas, colapso ambiental, negação científica e retórica vazia, a arte resiste como farol ético.
“Deixa nascer o amor / deixa crescer o amor / deixa viver o amor.”
O amor aqui não é passividade, mas força revolucionária. Amar a Terra é proteger suas águas, suas florestas, seus povos originários. É mobilizar-se para que o mundo seja digno de quem ainda vai nascer.
É recriar, como diz a canção, “o paraíso agora / para merecer quem vem depois”.
Não temos mais tempo para promessas adiadas. A COP30 será uma oportunidade decisiva para que os líderes mundiais escolham entre o colapso ou a regeneração.
Dito isso, cabe a nós, a opinião pública, exigir coragem política e coerência com a ciência.
Mas também sensibilidade, compaixão e escuta. Escutar a Amazônia. Escutar os povos da floresta. Escutar as futuras gerações. E, quem sabe, escutar com mais atenção aquilo que a música brasileira tem a dizer. Porque, no fim das contas, ser o sal da Terra é ser responsável por temperar a vida com consciência, justiça e esperança.
Antonio Sérgio Neves de Azevedo é doutorando em Direito, Curitiba/PR.
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
Publicação de: Viomundo