Tony Garcia detalha esquema na 13ª Vara e diz que Toffoli pode virar o jogo; assista ao vídeo

A entrevista de Tony Garcia ao Blog do Esmael sobre a megaoperação da Polícia Federal na 13ª Vara Federal de Curitiba, nesta quarta 3 de dezembro de 2025, é um terremoto político e jurídico que ameaça não só a biografia de Sergio Moro (União Brasil-PR), hoje senador e pré-candidato ao governo do Paraná, mas toda a narrativa construída pela Lava Jato ao longo da década. Nas palavras do próprio Garcia, o que está em jogo é “vinte anos de corrupção do Judiciário” abrigados no cofre da antiga “República de Curitiba”. Abaixo, assista à íntegra do vídeo.

Logo no início, Tony faz uma distinção que não é mero detalhe técnico, mas eixo da denúncia. Ele afirma que nunca fez “delação”, e sim “acordo de colaboração”, e que esse acordo é “totalmente ilegal”, porque não se baseia em culpa confessada nem em fatos ligados ao Consórcio Garibaldi, origem formal do processo. O acordo, segundo ele, foi construído em cima de “fumaça”, usado como instrumento de coerção e chantagem, e mantido sob sigilo absoluto por cerca de vinte anos na 13ª Vara, sob o comando de Moro e, depois, da juíza Gabriela Hardt.

O ponto de virada, segundo Garcia, foi a chegada do juiz Eduardo Appio à 13ª Vara. Ao se deparar com elementos envolvendo autoridades com foro, como o então deputado federal José Janene e outros nomes protegidos pela Constituição, Appio remeteu o caso ao ministro Dias Toffoli, no Supremo Tribunal Federal. A partir daí, a Procuradoria-Geral da República pediu a abertura de inquérito, um delegado da PF foi designado e começou a ouvir Tony em longos depoimentos, que ele estima em pelo menos quarenta horas, para destrinchar um processo com 7.900 páginas.

Garcia relata que, durante mais de dois anos, a PF esbarrou em resistência ativa da própria estrutura judicial de Curitiba. Sempre que o delegado, por ordem de Toffoli, pedia documentos à 13ª Vara, esta atribuía a responsabilidade ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), e o TRF-4 devolvia a bola, num jogo de empurra que impedia o acesso às provas. Só quando o ministro se cansou da obstrução reiterada é que determinou a operação desta quarta-feira, com helicópteros, peritos, escrivães e policiais federais dentro da antiga casa da Lava Jato.

O atual titular da 13ª Vara, juiz Danilo Pereira Júnior, aparece no relato de Tony não como figura neutra, mas como personagem central da origem do próprio processo. Garcia afirma que Danilo foi funcionário do Consórcio Garibaldi, teria feito uma “maracutaia” para beneficiar a esposa e acabou sendo salvo por Moro, que o tirou do polo passivo e colocou Tony no lugar, atribuindo a ele a condição de dono do Consórcio para viabilizar a “colaboração”. O resultado foi uma inversão de papéis: o suspeito original virou juiz, o denunciante virou réu.

A parte mais explosiva da entrevista, porém, diz respeito ao arsenal de provas que Tony afirma estar guardado em uma “caixa amarela” vinculada ao processo. Segundo ele, há mais de quatrocentas horas de gravações e degravações feitas clandestinamente, por ordem de Moro, com apoio de um agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e uso de equipamentos da Polícia Federal. O “agente infiltrado” relata que pagou hotel, carro e estrutura para o araponga da Abin ficar à disposição, 24 horas por dia, grampeando quem ele mandasse, com posterior “esquentamento” das provas pelo juiz, que lhes daria aparência de legalidade com data retroativa.

Garcia afirma que, a mando de Moro e da força-tarefa, foram alvo dessa máquina de espionagem informal governadores, presidentes de tribunais de contas, desembargadores, políticos e ministros de cortes superiores. Ele cita, entre outros, o ex-governador Beto Richa (PSDB), o ex-governador Jaime Lerner [falecido em maio de 2021], o então presidente do Tribunal de Contas, Hans Herweg, magistrados do Tribunal de Justiça do Paraná e, em tentativas de prospecção, familiares de ministros do Supremo Tribunal Federal, como Gilmar Mendes e Dias Toffoli. A lógica, segundo ele, era clara: produzir material para pressionar, chantagear e neutralizar desafetos.

No centro dessa engrenagem aparece um episódio que Tony chama de “festa da cueca”, ocorrido no início dos anos 2000, em Curitiba, após um jogo da seleção brasileira contra o Uruguai. De acordo com o relato, Moro teria mandado buscar desembargadores do TRF-4 em jatinhos para assistir ao jogo e, depois, participado de uma festa em hotel da capital, com a presença de prostitutas. O sócio do advogado Roberto Bertholdo, Sérgio Costa, teria gravado a festa com uma microcâmera escondida em um prendedor de gravata. Esse vídeo, afirma Tony, foi obtido por Moro, nunca foi formalmente usado em investigação, mas teria servido como instrumento de chantagem sobre membros do TRF-4, inclusive o ministro Félix Fischer, o que explicaria a ausência de reformas às sentenças do juiz na época da Lava Jato.

Ainda segundo Tony, a delação de Sérgio Costa incluiria imagens de desembargadores recebendo malas de dinheiro em um escritório de advocacia, com notas em dólares guardadas em malas de marca. Essas gravações, somadas ao vídeo da “festa da cueca”, fariam parte do conjunto de documentos que Toffoli determinou que a PF buscasse na 13ª Vara. O ex-deputado diz que um juiz substituto, Guilherme Roman Borges, admitiu em despacho que a delação de Sérgio Costa e o material audiovisual estavam sob guarda da vara, no cofre e em uma caixa amarela, e que só seriam entregues ao STF.

A dimensão financeira do caso também é devastadora. Tony relata que, em 21 de junho de 2005, depositou R$ 10,8 milhões em juízo como garantia do acordo, com a condição de que o valor seria devolvido se, ao fim de um ano, não houvesse comprovação de culpa. O prazo expirou, ele pediu a devolução, foi empurrado por mais seis meses, depois por mais seis, até que, após três anos, procurou os procuradores Januário Paludo, Carlos Fernando dos Santos Lima e Deltan Dallagnol. A resposta que diz ter ouvido de Januário é sintomática: caso insistisse oficialmente na devolução, Moro poderia mandá-lo de volta para a prisão, e o Ministério Público “não brigaria com Sergio Moro” por causa dele.

Somente décadas depois, já com o processo nas mãos de Toffoli, Tony afirma ter tido acesso às movimentações da conta judicial e descoberto que o dinheiro saiu em favor de escritórios de advocacia, contrariando o que previa o acordo. Ele diz ter ouvido, de terceiros, que tais escritórios seriam ligados a Moro e à esposa dele, e estima que, atualizado, o valor hoje beiraria R$ 70 milhões. Embora declare não poder afirmar essa ligação de forma categórica, insiste que os documentos de saída dos recursos constam dos autos e foram exibidos ao delegado da PF.

A entrevista também revela o alcance político da operação, para além das disputas judiciais. Tony afirma que foi obrigado, no auge do esquema, a produzir “reportagens mentirosas” para a revista Veja contra o ex-ministro José Dirceu e o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), além de fornecer elementos que teriam sido usados na escalada de fatos que culminaram no impeachment de Dilma Rousseff (PT). Ele cita conversas com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e menciona a subprocuradora Lindôra Araújo como figura que atuou para instrumentalizar o caso politicamente.

Em outro trecho, Garcia afirma que um delator apelidado de “Funil”, identificado como Campagnoli, foi levado por ele para prestar depoimento falso contra o desembargador Edgard Antônio Lippmann Júnior, acusado de receber dinheiro em casa. Com base nessa delação, Lippmann teria sido condenado e aposentado, num movimento que Tony descreve como uso do sistema de justiça para destruir desafetos e consolidar o poder de Moro, Deltan, Januário e Carlos Fernando dentro da estrutura da Lava Jato e do TRF-4.

A autodefinição de Tony como “laboratório da Lava Jato” é a síntese do quadro: ele diz que os métodos aplicados contra sua pessoa, desde os anos 1990, foram o ensaio geral do modelo que depois seria replicado nacionalmente na operação que derrubou governos, prendeu lideranças políticas e interferiu diretamente em eleições. As tarefas atribuídas a ele, as gravações clandestinas, a colaboração com arapongas da Abin, o “esquentamento” de provas e o uso de sigilo judicial extremo seriam, segundo o agente infiltrado, o protótipo de um sistema de lawfare consolidado em Curitiba.

Ao final, Tony faz uma defesa enfática de que toda essa engrenagem está documentada nos autos, assinada por Moro e pelos integrantes da força-tarefa, e que ele não está “denunciando para ver se encontram algo”, mas indicando ao STF e à PF onde as evidências estariam guardadas fisicamente. Por isso, insiste que a busca e apreensão na 13ª Vara é “importantíssima”: ali estariam condensados vinte anos de prática de perseguição política, corrupção judicial e uso do aparato de Estado como ferramenta de poder.

As consequências políticas são inevitáveis. Se o relatório da Polícia Federal confirmar o quadro descrito por Tony Garcia e se Dias Toffoli decidir levantar o sigilo do processo, a Lava Jato poderá ser reescrita como uma história de abuso de poder sistêmico, com efeitos sobre a legitimidade de condenações, sobre o equilíbrio entre poderes e sobre o próprio resultado das eleições presidenciais de 2018. Para Sergio Moro, que disputa a dianteira nas pesquisas para o governo do Paraná, a revelação integral desses bastidores pode significar, no limite, a transformação de candidato favorito em réu exposto.

No plano simbólico, a fala de Tony aponta ainda para um acerto de contas com o período de criminalização massiva da política. Ele afirma que a queda do sigilo “lavaria a alma” de Lula, de José Dirceu, de Dilma Rousseff e de centenas de pessoas atingidas pela Lava Jato. E, em gesto raro, credita à imprensa independente, entre eles o Blog do Esmael, o Brasil 247, o ICL, a Revista Fórum e outros, o mérito de ter furado o bloqueio da censura e pressão que, segundo ele, tentou impedir que o caso chegasse ao STF.

O Brasil, diante dessa entrevista, fica à espera de dois movimentos centrais: o resultado da perícia da Polícia Federal sobre a caixa amarela e o posicionamento de Dias Toffoli a respeito do sigilo. Entre o que já foi dito e o que ainda pode ser revelado, está em jogo não apenas o futuro eleitoral de um senador paranaense, mas a reconstrução da confiança nas instituições que deveriam proteger, e não sequestrar, a democracia.

Continue acompanhando os bastidores da política e do poder pelo Blog do Esmael.

Publicação de: Blog do Esmael

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