Cimi: Suspeito de matar Kaiowá e Guarani em MS não é indígena e estava entre os pistoleiros
Suspeito de matar Vicente Kaiowá e Guarani não é indígena e estava entre pistoleiros, afirma comunidade de Pyelito Kue
Conforme os Kaiowá e Guarani, nota da Sejusp alimentou “fake news” de que não teria havido o ataque de pistoleiros, mas briga interna
Assessoria de Comunicação — Cimi
Enquanto a Polícia Federal segue com as investigações a respeito do assassinato de Vicente Fernandes Vilhalva Kaiowá e Guarani, morto no último domingo (17) na Terra Indígena (TI) Iguatemipeguá I, em Iguatemi (MS), a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) se antecipou e apontou como suspeito pelo crime um outro indígena.
Conforme a nota divulgada pela Sejusp, o “indígena” Valdecir Alonso Brites, encaminhado à carceragem da Polícia Federal, é o principal suspeito pelo disparo que atingiu a cabeça de Vicente Kaiowá e Guarani na retomada de área da Fazenda Cachoeira, sobreposta à TI.
Em carta encaminhada à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) nesta terça-feira (18), e assinada pelos integrantes da comunidade do tekoha Pyelito Kue, os Kaiowá e Guarani afirmam que o suspeito não é indígena, é natural do Paraguai e que morou em Pyelito há dois anos atrás, após se casar com uma Kaiowá.
Por conta de um conflito interno, diz a carta, Brites saiu de Pyelito e foi morar em Iguatemi. Na cidade, ele teria se aliado aos fazendeiros com propriedades sobrepostas à TI – fato de conhecimento prévio dos Kaiowá e Guarani.
“O Valdecir estava junto com os pistoleiros”, diz trecho da carta. Os indígenas pedem que a Polícia Federal investigue se Brites foi arregimentado por fazendeiros para atacar a retomada ao lado de cerca de 20 homens fortemente armados.
Conforme os Kaiowá e Guarani, a nota da Sejusp alimentou uma série de “fake news” de que não teria havido o ataque de pistoleiros à retomada senão uma briga interna entre os indígenas – uma estratégia de criminalização comumente utilizada contra o povo.
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Segurança privado morto
A nota da Sejusp comunica ainda a morte de Lucas Fernando da Silva, de 23 anos, um não indígena natural de Cascavel (PR) que trabalhava, conforme noticiou o Campo Grande News, como segurança privado na empresa Tavares Segurança e estava no Mato Grosso do Sul desde o úlimo dia 8 de novembro.
Quando o confronto começou, apurou o Campo Grande News, o rapaz estava na sede da Fazenda Cachoeira. A Sejusp informou na nota que o segurança privado morreu por ruptura hepática e choque hemorrágico, que podem ocorrer por trauma abdominal, como acidentes de carro ou quedas.
Segurança privado, em fotos nas redes sociais Silva aparece fortemente armado. Em uma das imagens, ele mostra uma espingarda calibre 12, municiada. Ainda conforme o jornal, duas armas do tipo foram apreendidas no local do ataque aos indígenas.
Imagens mostram os feridos e o corpo de Vicente após ataque de pistoleiros ocorrido na madrugada deste domingo, 16/11, à retomada de Pyelio Kue. Fotos: Montagem com imagens da comunidade de Pyelito Kue
O ataque à retomada
Em mais um episódio de violência contra o povo Guarani e Kaiowá, há décadas em busca de pequenas porções dos territórios de onde foram expulsos, cerca de 20 homens fortemente armados atacaram na madrugada deste domingo (16) a retomada de Pyelito Kue.
No ataque, os pistoleiros assassinaram com um tiro na cabeça Vicente Kaiowá e Guarani, de 36 anos. De acordo com mais de um relato, os atiradores tentaram recolher o corpo para levá-lo, mas foram impedidos pelos próprios indígenas.
Outros quatro Kaiowá e Guarani, entre eles dois adolescentes e uma mulher, também foram atingidos por disparos nos braços e no abdômen. Um adolescente levou um tiro de arma de fogo, além do disparo fatal que atingiu Vicente, e os demais foram alvejados pela agromilícia com balas de borracha.
Uma montanha de cápsulas, balas de borracha e invólucros de bombas de gás foi reunida pelos Kaiowá e Guarani, que também registraram o ataque com vídeos tanto na retomada quanto na aldeia de Pyelito Kue, instalada em uma retomada mais antiga na Fazenda Cambará (leia mais abaixo).
Casa da aldeia Pyelito Kue, TI Iguatemipegua I. Foto: Ruy Sposati/Cimi
TI Iguatemipegua I: situação administrativa
O tekoha Pyelito Kue/Mbaraka’y foi um dos incluídos no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre o MPF e a Funai, em 2007. O acordo estabelecia um prazo de três anos para a publicação dos estudos de um conjunto de TIs Guarani e Kaiowá no estado.
O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) de Pyelito Kue/Mbaraka’y só foi publicado pela Funai em 2013. A TI foi denominada Iguatemipeguá I e delimitada com 41,5 mil hectares.
O território foi a origem de uma situação que alçou os Guarani e Kaiowá ao centro do debate público, em 2012. À época, a Justiça Federal de Naviraí (MS) havia determinado o despejo dos indígenas, que ocupavam uma pequena área da Fazenda Cambará, sobreposta à TI.
A comunidade escreveu uma carta coletiva denunciando a decisão judicial e afirmando sua disposição de morrer lutando por seu território. “Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos não sairmos daqui com vida e nem mortos”, afirmava a carta.
Interpretado – equivocadamente – como uma declaração de suicídio coletivo, o manifesto gerou enorme comoção. Milhares de pessoas passaram a incluir a alcunha “Guarani-Kaiowá” em seus nomes nas redes sociais.
Dias depois, após a grande repercussão do caso, o Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF-3) suspendeu o despejo. A decisão garantiu a permanência da comunidade, formada então por cerca de 200 pessoas, em apenas um dos 761 hectares da fazenda, numa das poucas áreas do território em que a mata não foi totalmente suprimida para dar lugar ao gado e às pastagens.
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Publicação de: Viomundo
