Nelice Pompeu: Carta da professora de hoje para a de ontem
Por Nelice Pompeu*
“Carta da professora Nelice de hoje para a professora Nelice de ontem
Querida Professora Nelice de antes,
Hoje, olhando para trás, sinto vontade de abraçar você e dizer: respire fundo, pois a jornada será longa, desafiadora, mas incrivelmente significativa.
Lembra-se do Colégio São José, mantido pela Santa Casa de Misericórdia e pelas Irmãs de São José? Do tempo em que você era auxiliar de sala enquanto cursava magistério por escolha, cheia de sonhos e entusiasmo?
Pois saiba que aqueles rostinhos de crianças, que você carrega em sua memória com tanto carinho, agora têm cerca de 38 anos. Muitos são pais e mães, mas, para mim, eles ainda são aqueles pequenos que ensinei, com olhos curiosos e sorrisos tímidos.
Hoje, depois de mais de 35 anos de profissão de chão de escola, posso dizer que vivi momentos de alegria intensa, desafios enormes e transformações constantes.
Quando você começou, não havia internet, e as pesquisas se faziam em enciclopédias. Não havia tantos recursos tecnológicos como hoje: mimeógrafo, discos de vinil com vitrola para escutarmos histórinhas infantis, slides na parede eram parte do cotidiano. A inclusão existia apenas em escolas especializadas, a legislação mudaria muito com o tempo, e, honestamente, não adoecíamos tanto como hoje. As famílias respeitavam mais, e a profissão parecia mais simples. Mas não se engane: a simplicidade nunca duraria.
Você vai descobrir que o brilho nos seus olhos será testado. A doce professora que você era, cheia de sonhos, se transformará em sindicalista, não por escolha, mas porque a realidade do chão da escola pública exigirá luta constante. Não haverá outra opção: ou luta, ou luta. A minha luta me rendeu o apelido de Neliça Rebelde, talvez porque educar hoje em dia seja, por si só, um ato de rebeldia.
Ser professora é descobrir o mundo e a si mesma a cada dia. Somos como borboletas em constante transformação, aprendendo, nos reinventando e ganhando cores que jamais imaginamos. Só quando assumir sua própria sala, depois de passar no concurso, você entenderá verdadeiramente o peso, a beleza e a responsabilidade de educar. E mesmo nos momentos mais difíceis, haverá anjos que te guiarão e não permitirão que você desista.
Apoie o VIOMUNDO
Nelice do passado, não tenha medo de se transformar. Aprenda a acolher os desafios como oportunidades. Guarde no coração o amor pelos seus alunos, mesmo quando o cansaço apertar, mesmo quando sentir que o mundo não reconhece seu valor.
Lembre-se das palavras de Paulo Freire: ensinar exige coragem, amor e diálogo. Cada esforço, cada batalha, cada lágrima e cada sorriso farão sentido.
Agradeça sempre a quem veio antes de você e prepare-se para abrir caminhos para os que virão. A educação é a ponte que conecta gerações, e você estará ali, firme, deixando sua marca.
Com carinho, sabedoria e gratidão,
Professora Nelice de hoje”
*Nelice Pompeu é professora da rede pública de São Paulo e do Movimento Escolas em Luta.
Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
Leia também
Nelice Pompeu: Não adianta desejar Feliz Dia dos Professores e votar em inimigos da Educação
Carmen Teixeira: ‘Educação médica, tensões e pluralidade’
Lincoln Secco: Combater ideologização em sala de aula é censura, sim!
Publicação de: Viomundo
