Evo Morales e Bolsonaro cultivaram amizade improvável desde Battisti
A história da inusitada amizade entre Evo Morales, então presidente da Bolívia pelo MAS-IPSP, e Jair Bolsonaro, recém-empossado presidente do Brasil pelo PL, começou em janeiro de 2019 com a extradição relâmpago do italiano Cesare Battisti. Preso em Santa Cruz de la Sierra, o ex-ativista foi entregue pelo governo boliviano à Itália, em uma decisão que surpreendeu a esquerda regional e agradou o Palácio do Planalto.
Naquele momento, Morales sinalizou pragmatismo. Embora fosse aliado de Lula e de Nicolás Maduro, preferiu evitar conflito com Bolsonaro, principal parceiro econômico e fronteiriço da Bolívia.
Outra curiosidade: o então advogado Luís Roberto Barroso, atual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), foi quem conseguiu colocar Cesare Battisti em liberdade em 2011.
Quem era Battisti
Cesare Battisti foi militante de grupos de extrema esquerda na Itália dos anos 1970, período conhecido como Anos de Chumbo. Condenado em seu país à prisão perpétua por quatro homicídios, viveu décadas como foragido na França, no México e no Brasil. Em território brasileiro, chegou a ser preso em 2007 e ficou quatro anos encarcerado por conta de um pedido de extradição apresentado pelo governo italiano, mas obteve refúgio político no fim do governo Lula. O caso se tornou símbolo das tensões entre política, justiça e diplomacia internacional.
Hermano inesperado
Segundo apuração do Blog do Esmael, Morales foi o chefe de Estado com quem Bolsonaro mais manteve contato no período em que ambos dividiram a cena presidencial. A sintonia destoava da polarização ideológica: um líder indígena socialista de La Paz chamando de hermano o capitão reformado que emergia no Brasil sob a bandeira da direita conservadora.
O caso Battisti foi apenas a primeira ponte. A partir dali, conversas frequentes, consultas discretas e até conselhos cruzados consolidaram uma relação incomum na política latino-americana.
Confidência após a queda
Mesmo depois de sua deposição em novembro de 2019, Morales continuou próximo de Bolsonaro. O boliviano, então asilado no México e depois na Argentina, manteve a comunicação aberta, ora confidenciando dilemas pessoais, ora opinando sobre estratégias políticas. Fontes ouvidas pelo Blog afirmam que o canal era de mão dupla: Bolsonaro também recorria a Morales como conselheiro informal, sobretudo em temas regionais.
Esse bastidor ajuda a explicar a ambivalência da postura bolsonarista em relação ao vizinho andino: críticas públicas ao socialismo, mas reconhecimento privado do peso político de Evo.
Esquerda dividida
O reencontro dessa história ganha atualidade com as eleições de 2025 na Bolívia, nas quais a esquerda, fragmentada, ficou fora do segundo turno. Morales, proibido de concorrer, apostou no voto nulo e atacou ex-aliados, enquanto a direita avançou com Rodrigo Paz e Jorge Quiroga.
A sombra do ex-presidente continua presente. Sua amizade com Bolsonaro, inusitada no mapa ideológico, revela como a política latino-americana é marcada por paradoxos e pragmatismos inesperados.
Ocaso e solidão
A improvável amizade entre Evo Morales e Jair Bolsonaro nasceu no ocaso político do líder indígena boliviano e na solidão do então presidente brasileiro. Um anti-imperialista de esquerda e um conservador de direita encontraram confiança mútua justamente quando mais careciam de aliados. Essa história serve de alerta: na América Latina, alianças improváveis não apenas existem, como podem definir os rumos do poder. Vide o caso Morales-Bolsonaro.

Jornalista e Advogado. Especialista em política nacional e bastidores do poder. Desde 2009 é autor do Blog do Esmael.
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Publicação de: Blog do Esmael