Ângela Carrato: A mídia e o mercado juntam-se em prol dos ricos, contra os pobres, e a sorte

Por Ângela Carrato*

Quase nove milhões de pessoas deixaram a pobreza no Brasil no ano passado.

Pela primeira vez, desde 2012, a parcela dos extremamente pobres ficou abaixo dos 5% da população.

O PIB no terceiro semestre de 2024 cresceu 0,9%, apontando para uma alta que deve superar os 3% pelo segundo ano consecutivo.

O acordo de livre comércio entre os países do Mercosul com a União Europeia, emperrado há mais de duas décadas, finalmente foi assinado.

O Brasil deve ser o principal beneficiado com esse acordo, com um avanço de 0,46% no PIB até 2040.

Todas essas excelentes notícias para a população brasileira se devem à política econômica adotada pelo governo Lula, que, nesses quase dois anos, tem sido incansável na luta para recolocar o país na rota do desenvolvimento, depois da terra arrasada deixada pelos golpistas Michel Temer e Jair Bolsonaro.

Era de se esperar que tamanho sucesso merecesse manchetes, editoriais e comentários dos especialistas em política e economia. Mas o que se vê é exatamente o contrário.

Além de esconder as boas notícias, a mídia corporativa tem feito de tudo para passar para a opinião pública a impressão de que Lula e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, erram e, mais grave ainda, suas propostas para ajuste fiscal estariam na contramão dos interesses dos mais pobres.

O exemplo mais gritante foi a divulgação, por jornais e emissoras de TV, de pesquisa do instituto Quaest, na quarta-feita (4), indicando que a reprovação do governo entre os agentes do mercado financeiro cresceu e chegou a 90%. No último levantamento, feito em março, a reprovação era de 26%.

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A mídia destacou este resultado sem mostrar que a tal pesquisa foi uma espécie de ação entre amigos.

Um restrito grupo de 105 gestores, economistas, analistas e tomadores de decisão do mercado financeiro em fundos de investimento com sede em São Paulo e no Rio de Janeiro foi convidado a dar opinião sobre um governo que está fazendo de tudo para colocar os bilionários no imposto de renda.

A opinião do “mercado”, codinome dado pela mídia ao 1% da população brasileira que detém 49,5% da renda nacional, só seria diferente se os seus privilégios não estivessem sendo retirados.

Vale observar que o tal mercado também não havia gostado da proposta de isenção do pagamento de imposto de renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais.

O que os muito ricos e bilionários querem é que tudo continuasse como está, com os pobres e a classe média-baixa pagando imposto de renda e eles, com suas aplicações e dividendos milionários, isentos.

Como as seis famílias que controlam a comunicação no Brasil integram esse grupelho de privilegiados que não paga ou paga impostos irrisórios, os seus veículos de comunicação acabam sendo utilizados como porta-vozes para seus interesses.

Mesmo o governo tendo divulgado um amplo pacote envolvendo ajustes e cortes de gastos, fica evidente que a mídia não gostou da proposta.

Sabe-se que ela, como os demais privilegiados, esperava que as medidas atingissem somente os mais pobres, através da redução de verbas para programas sociais ou cortes nos recursos destinados à educação e saúde.

O mercado aguardava, inclusive, a proposta de redução dos próprios pisos constitucionais para estes dois setores.

A pressão para que Lula agisse assim foi tremenda.

Nos últimos meses a mídia não falou em outra coisa a não ser na “necessidade” de o governo cortar gastos para “ajustar” as contas públicas. Em torno desta necessidade foi feito terrorismo tamanho que alguém menos versado na área pode ter chegado a pensar que o Brasil estava à beira do precipício, com o déficit fiscal em torno de 80% do PIB.

Não foi por desconhecimento, mas por mau-caratismo mesmo, que esta média deixou de informar que, dentre as principais economias do mundo, o Brasil está longe de figurar entre as que apresentam déficits preocupantes.

A título de exemplo, a dívida pública do Japão é de 224,8% do seu PIB. A dos Estados Unidos é de 128,5%, a da Espanha é de 120,0 %, a da França é de 115,7%, a do Reino Unido, 104,5%, com o Brasil aparecendo em 29º lugar.

A dívida brasileira é em reais e a respaldá-la existem as reservas internacionais, o antigo fundo soberano, uma espécie de “poupança” nacional que o governo faz em moedas estrangeiras e que funciona como um seguro contra crises.

Atualmente estas reservas estão em US$ 370 bilhões, a maior em toda a nossa história, acumulada principalmente nos governos Lula e Dilma Rousseff.

Para uma mídia que gosta tanto de referenciar-se no que acontece nos Estados Unidos ou em países europeus, chama atenção fazer tanto alarde sobre os “riscos” do déficit brasileiro e não registrar que déficits muito maiores em outros países não merecem sequer registo na mídia. Vale dizer: não preocupam.

Também não mereceu destaque na mídia brasileira o protesto dos “marajás”, a turma dos altos salários, basicamente concentrada no Poder Judiciário tanto em âmbito federal quanto nos estados.

A Constituição de 1988 fixa como teto de salários para o funcionalismo federal o valor recebido pelo presidente da República e pelos ministros do STF, que é de R$ 44.008,52 mensais.

No entanto, entidades representativas do Judiciário e do Ministério Público manifestaram, na última quarta-feira (4), oposição à proposta de emenda constitucional que integra o pacote de cortes de gastos do governo.

Assinada pelos órgãos representativos desses setores, a manifestação sob o argumento de “alertar o governo para pedidos de aposentadoria em massa se a medida for aprovada”, quer, na prática, evitar que a maioria dos integrantes destes setores deixe de receber quantias duas, três, quatro ou mais vezes superiores ao que determina a Constituição.

Ao contrário de serem os primeiros a defender a lei, o que querem é manter privilégios a custa da falta de recursos para reajustes no salário mínimo, atualmente fixado em R$ 1.412,00.

Se o Brasil tivesse uma mídia minimamente preocupada com as condições de vida da população não seria o caso de noticiar, dia sim e outro também, que, de acordo com cálculos de entidades como o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) o salário mínimo atual deveria ser de R$ 6.606,13? E que esse valor, para 2025, deveria ser reajustado para R$ 6.802,88?

Notícias assim você não vai encontrar na mídia corporativa. No lugar delas, jornais, emissoras de TV e de rádio, além de portais de notícias dos grandes grupos de mídia não se cansam de divulgar os picos de cotação do dólar, sem mencionar que não passam de pura especulação daquele 1% contra os interesses da maioria.

Não há, do ponto de vista dos fundamentos de uma economia sólida, nada que justifique os valores que o dólar tem atingido no Brasil. Ou seja: o problema não é econômico, pois a economia está bem. A questão é política.

São razões políticas que têm mantido a taxa de juros (Selic) em patamares estratosféricos no Brasil.

Enquanto nos Estados Unidos ela é de 5% e no Japão é negativa, aqui está em 11,25% ao ano, com o presidente bolsonarista do Banco Central, Roberto Campos Neto, sonhando em elevá-la ainda mais e não movendo uma palha para conter a disparada da moeda estadunidense.

O nome disso, em bom português, é sabotagem, ou terrorismo econômico a serviço do andar de cima.

O andar de cima não gosta do governo Lula. O andar de cima e a mídia, sua porta-voz, gostavam de governos como Temer e Bolsonaro, que destruíram direitos trabalhistas, detonaram a Previdência Social e levaram milhões de brasileiros de volta à pobreza.

A propósito, não me lembro de o mercado ter protestado quando os brasileiros passaram a disputar ossos em filas na porta de açougues.

Não me lembro de protestos do mercado quando Bolsonaro deixou milhares de pessoas sem vacina contra o covid-19 ou quando autorizou que a boiada passasse sobre as leis ambientais.

No entanto, quando o governo aponta para a correção de distorções e injustiças históricas, eis que a turma do andar de cima entra em campo para atrapalhar, para minar o governo, para que tudo continue como dantes.

O absurdo assume proporções tamanhas que o jornal O Globo, da família Marinho, teve o desplante de noticiar o “sucesso” da gestão do extremista de direita na Argentina, Javier Milei, quando se sabe que em quase um ano de governo, a ser completado nesta segunda-feira (10), ele já jogou metade de sua população na pobreza.

É esse o modelo de desenvolvimento e de governo que o Globo sonha para o Brasil!

Quanto à Folha de S. Paulo, como se não bastasse trabalhar, achando que ninguém está percebendo, pela anistia aos golpistas, começando por Bolsonaro, e passar pano para as chacinas cometidas pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas e por sua polícia, a publicação superou-se ao criar o neologismo “despiorar” para referir-se os avanços de Lula na área econômica.

“Despiorar” deve ser da mesma lavra de “ditabranda”, outro neologismo criado pela Folha de S. Paulo ao tentar argumentar que a ditadura no Brasil (1964-1985) não teria sido das mais truculentas.

Será que a Folha está com saudades daqueles tempos “brandos”!?

As propostas do governo Lula para mudanças e cortes na área fiscal ainda precisam ser discutidas e votadas pelo Congresso. Mas a julgar pelo que a mídia tem dito, é de se esperar que faça de tudo para que não saiam do papel.

Seja como for, para um governo que enfrenta, simultaneamente, uma maioria parlamentar de extrema-direita avessa a qualquer medida de interesse popular, golpistas militares e civis que ainda não foram condenados e presos, um mercado que só pensa em seus privilégios e uma mídia que é porta-voz de tudo isso junto, o governo Lula tem feito milagres ao obter sucesso na economia.

Como tem ironizado o próprio Lula, talvez tudo não passe de sorte.

Se for assim, que ele tenha cada vez mais sorte.

*Ângela Carrato é jornalista. Professora da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

Publicação de: Viomundo

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