Ângela Carrato: Lula e a verdade histórica sobre Dilma; é hora de sepultar de vez a mentira
LULA E A VERDADE HISTÓRICA
Por Ângela Carrato*
A família Marinho mantém-se firme na oposição a Lula nas pautas que lhe interessa. E os demais veículos da mídia corporativa brasileira farão o mesmo.
Não é simples, para o cidadão comum, em se tratando da mídia corporativa, perceber isto e os interesses aí estabelecidos. Até porque esta mídia sempre foi mestre em apresentar como sendo de todos os interesses que são exclusivamente dela e da classe dominante da qual é parte.
Entender o jogo desta mídia no momento atual exige muita atenção, conhecimento do seu passado e de como ela opera, para não cair na cilada fácil das aparências.
É isso o que pretendo fazer aqui.
Nos países democráticos, é convenção a mídia aguardar os 100 dias de um novo governo para fazer as primeiras críticas e cobranças.
É o tempo considerado minimamente razoável para uma nova gestão se instalar e começar a funcionar.
No Brasil da mídia corporativa golpista, que sempre esteve do lado de ditadores, que passou pano para corruptos e entreguistas e também para o genocida, é no mínimo curioso observar como isso não se aplica.
A complacência com o governo genocida, antipopular e antinacional de Bolsonaro, para não dizer apoio mesmo, foi substituída por pancadaria um tanto velada e outro tanto descarada contra o nascente terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Engana-se quem assiste à TV Globo e acha que ela agora é Lula.
Para mudar de ideia, é só ler os editoriais e colunas do jornal O Globo, porta-voz da família Marinho, da Folha de S. Paulo e do Estado de S. Paulo, quando se trata de democracia e da pauta econômica.
Sem dar desconto sequer para o fato de Lula ter conseguido, na segunda semana no poder, derrotar aquilo que parecia impossível – um golpe de estado bancado por terroristas bolsonaristas e por parcela do próprio Exército -, a mídia corporativa parte para o ataque, valendo-se das penas de aluguel de sempre, das carimbadas fontes econômicas e de todo um jogo de cena para enganar bobos.
Depois de Juscelino Kubitschek, em meados dos anos 1950, é a primeira vez que um presidente civil consegue enquadrar o “partido militar”.
Desde a proclamação da República, os militares se consideram uma espécie de “poder moderador”, acima dos demais.
Esse feito, por si só, deveria ser suficiente para Lula ter seu início de terceiro mandato digno dos maiores aplausos.
Mas, para esta mídia, ele está indo longe demais ao propor uma pauta econômica desenvolvimentista, priorizar a integração da América Latina como fator de desenvolvimento para os 33 países da região e, sobretudo, dar nome aos bois, quando chama de golpe o que Dilma Rousseff sofreu em 2016.
Lula está colocando os militares no seu devido lugar, está reposicionando o Brasil no mundo e, sem risco de cometer exageros, acredito que refundando a própria República nos parâmetros do que uma república deve ser.
Os 21 anos de ditadura militar foram seguidos pelo retorno de um frágil e débil poder civil.
Sarney foi tutelado pelos militares. Collor foi uma invenção da classe dominante e da mídia, que não deu certo.
Já FHC, com seu governo neoliberal e entreguista, tornou-se o queridinho da classe dominante, dos “barões da mídia” e dos interesses internacionais.
Os governos que fizeram a diferença foram os dois de Lula e o primeiro de Dilma, porque o segundo dela simplesmente não existiu. Foi inviabilizado pelos golpistas.
Tão fundamental quanto colocar o Brasil de novo no mundo e de retomar o processo de integração da América Latina é reposicionar questões para a compreensão do nosso passado recente, do momento atual e também de aspectos essenciais para o nosso futuro.
Pela narrativa da classe dominante, Dilma foi alvo de impeachment. Seria verdade, se ela tivesse cometido algum crime de responsabilidade. Não cometeu e isso já está mais do que provado. Mesmo assim, a versão do impeachment prevalece na mídia corporativa.
Suas contas foram aprovadas e não se verificou qualquer corrupção ou crime que tenha cometido. As tais “pedaladas”, inventadas pela mídia, nem a própria mídia consegue explicar o que seriam.
Por outro lado, as mentiras, criadas e repetidas incessantemente pela mídia, foram essenciais para aprofundar a ideia de corrupção por parte do PT e retirar Dilma do poder.
É importante lembrar que a classe dominante brasileira já havia perdido quatro eleições seguidas e não tinha qualquer perspectiva de vitória.
O que Dilma enfrentou foi uma campanha pesada dos interesses da classe dominante associada aos interesses internacionais, que consideravam que a presidenta era nociva por ter criado a Comissão da Verdade, sobre os crimes da ditadura, e por defender uma Petrobras forte e o pré-sal como passaporte para o futuro dos brasileiros.
Ninguém pode se esquecer que transformar a Petrobras em vaca leiteira para os interesses internacionais, como fizeram Temer e Bolsonaro, sempre esteve no centro do golpe e contou e conta com os aplausos da Globo, da Folha de S. Paulo e assemelhados.
Recolocar a história no seu devido lugar é essencial para termos a real percepção do que aconteceu. E há uma linha direta entre o golpe contra Dilma e tudo de ruim que se abateu sobre o Brasil desde então.
Mais ainda: Bolsonaro só ficou no poder quatro anos, porque a mídia fez vista grossa para os seus crimes e convenceu parte da população de que “o PT roubou”.
Desmontar a mentira de que Dilma foi alvo de impeachment é o ponto de partida para desconstruir a narrativa sobre corrupção que os golpistas tentaram colar no PT.
Narrativa necessária para que fizessem o resto do serviço: criminalizar e prender Lula, sem provas, por 580 dias, tirá-lo da disputa presidencial em 2018 e apoiar um candidato de sua conveniência, como foi Bolsonaro.
Quando Lula afirma, com todas as letras, que Dilma sofreu um golpe, a mídia cai de pau nele. Ela faz isso por ter enorme culpa no cartório, por não ter e nem pretender fazer qualquer autocrítica.
Lula não disse nenhuma inverdade e, menos ainda, foi precipitado como acreditam pessoas do próprio campo progressista.
A hora para se recolocar a verdade nos trilhos é agora. Uma mentira de tamanha envergadura e tamanho efeito letal, a ponto de quase destruir um país, não pode continuar norteando a vida brasileira.
Mostrar que Dilma foi alvo de um golpe sepulta a narrativa de corrupção por parte do PT e mostra como a classe dominante, por sua ganância e falta de qualquer compromisso social, jogou o Brasil numa crise sem precedentes, além de colocar a nu o modus operandi dos ricos e endinheirados.
Conviver com corrupção e com desumanidade, os ricos sempre conviveram, sem quaisquer problemas. Que o digam as torturas durante a ditadura militar, a corrupção fardada, no passado e no governo Bolsonaro, os genocídios durante a pandemia e o envolvendo a etnia Yanomami.
Onde estavam antes os agora indignados com a fala de Lula em que ele dá nome aos bois?
Os jornalistas Merval Pereira e Dora Kramer, por exemplo, que amavam os tucanos, não aceitam que os golpistas sejam chamados de golpistas. Já os tucanos querem proibir que o golpe seja chamado de golpe.
Qual a credibilidade destes profissionais se observarmos o que fizeram antes e o que falam agora?
Lula sabe o que faz quando força essa turma a sair da toca e revelar sua verdadeira identidade. Claro que estas figurinhas vão continuar atacando-o. Disso não há qualquer dúvida.
Passar a limpo a recente história do Brasil é essencial para seguirmos no caminho da democracia.
É essencial para desmascarar falsos democratas e oportunistas de plantão.
Talvez aí seja possível entender o desespero do golpista Temer. E da própria mídia golpista, que não viu nada de errado quando ele e Bolsonaro retiram direitos trabalhistas e previdenciários da população, privatizaram empresas estratégicas, não perceberam o cano das Lojas Americanas S.A. e menos ainda os “erros” do Banco Central independente do governo, mas de rabo preso com o mercado.
Lula está separando o joio do trigo, uma tarefa gigantesca que apenas dá os seus primeiros passos.
Vai gerar muitos solavancos, mas precisa ser feita e não cabem mais adiamentos.
Será sobretudo pedagógica para os desavisados e os eternos “isentões”, que, no fundo, compactuaram com o horror dos tempos golpistas.
Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG
Publicação de: Viomundo