Apoio do governo Putin a Lula, Brics, EUA e fuga de Bolsonaro na entrevista de Tânia Mandarino a jornal russo

Da Redação

A reação internacional à tentativa de golpe no Brasil em 8 de janeiro mostrou “uma sincronia e uma coesão de princípios democráticos como raramente se viu”, avalia, aqui, o advogado e especialista em direitos humanos Paulo Abrão.

Todas as potências mundiais, entre as quais a Rússia, foram unânimes em condenar o ataque à democracia brasileira ocorrido, em Brasília.

“Condenamos de forma veemente as ações daqueles que instigaram os distúrbios e apoiamos plenamente o presidente brasileiro Lula da Silva’, afirmou Dmitry Peskov, porta-voz do governo Vladimir Putin, na manhã de segundapassada, 09/01.

Em entrevista ao canal de televisão Rússia 24, o embaixador no Brasil Alexey Labetskiy disse que ”ninguém pode aceitar as ações dos radicais que ameaçam destruir os pilares democráticos do Estado brasileiro”

Outros canais russos também se manifestaram.

A começar por Valentina Matvienko (foto abaixo), presidente do Conselho da Federação da Assembleia Federal da Federação da Rússia. Ela liderou a delegação russa que participou da cerimônia de posse do presidente Lula, em 1º de janeiro.

Valentina divulgou esta longa declaração:

“Acompanhamos com preocupação as tentativas de desestabilizar a situação no Brasil. Em 8 de janeiro, extremistas locais, cujos mandantes ainda não foram identificados e punidos legalmente, organizaram tumultos na capital do país. Vários prédios do governo foram ocupados.

Os desordeiros e seus patronos tentaram em vão minar a ordem constitucional do Brasil, colocar em dúvida a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais realizadas em outubro do ano passado.

Deixe-me lembrar de que seus resultados são reconhecidos por toda a comunidade internacional.

Tenho certeza de que, graças à alta autoridade política de Luiz Inácio Lula da Silva, as consequências desse tumulto serão rapidamente superadas, mantendo a estabilidade política interna e a unidade nacional do país.

Durante seu mandato como presidente em 2003-2010, Luiz Inácio Lula da Silva deu uma grande contribuição para o desenvolvimento das relações bilaterais com a Rússia. Ele é considerado um dos fundadores do BRICS.

A delegação do Conselho da Federação foi convencida de sua alta autoridade política ao participar da posse do Presidente do Brasil em 1º de janeiro de 2023.

Pretendemos aprofundar o diálogo bilateral e ampliar a interação com nossos amigos brasileiros, inclusive por meio da linha parlamentar”.

Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Federação da Rússia, comentou:

 

“Condenamos fortemente as ações dos representantes radicais da oposição brasileira, que em 8 de janeiro deste ano, que praticaram vandalismo nos prédios do Governo Federal localizados na capital deste país.

Partimos da inadmissibilidade das tentativas de violação da ordem constitucional. Expressamos nosso apoio ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que tomou posse em 1º de janeiro deste ano.

Estamos confiantes de que graças à sua autoridade, confirmada pelos resultados da vontade do povo, e pela experiência da administração pública, será possível, contando com os fundamentos democráticos do Estado, superar as consequências do ocorrido.

Estamos convictos da importância de manter a estabilidade política interna do Brasil, que é nosso parceiro estratégico, membro ativo do BRICS, o G20, atualmente é membro do Conselho de Segurança da ONU”.

Posição do Kremlin sobre os atos terroristas em Brasília, fuga de Bolsonaro para os EUA, BRICS e o diálogo Rússia-Brasil foram temas da entrevista exclusiva concedida por Tânia Mandarino (foto ao lado) ao jornal eletrônico russo PolitExpert.

Tânia é ativista de direitos humanos, cofundadora do Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia, no qual coordenou a organização do Tribunal Popular sobre a Lava Jato.

Segue a íntegra da entrevista.

O protagonista Lula: por que Rússia e Estados Unidos disputarão o Brasil

Por Tatyana Alekhina/Anastasia Alekseeva, no PolitExpert

A Rússia declarou seu total apoio ao presidente legitimamente eleito do Brasil, Lula da Silva, e condenou o terrorismo bolsonarista. Como, na sua opinião, esse apoio deve ser expresso na prática? Qual o cenário mais provável?

Neste momento as declarações internacionais de apoio são muito importantes para o Brasil, pois confirmam o reconhecimento do governo eleito pelo voto popular, o que nem poderia ser diferente em se tratando de nações democráticas.

Na prática, é preciso fortalecer os laços com o Brasil, que deve ocupar seu papel nos BRICS [agrupamento econômico atualmente composto Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] e também impulsionar a expansão deles.

Sobretudo porque agora o Brasil tem Lula novamente como governante. E Lula foi o estadista que, ao lado da Rússia e da China, contribuiu muito para a formulação dos conceitos comerciais e econômicos mais avançados para o BRICS. Lula domina esses conceitos.

Nosso desejo é que o Brasil, com Lula, ocupe seu lugar como protagonista no atual cenário do BRICS e contribua fortemente, não apenas como mediador, mas como membro com amplas condições de atuar de forma decisiva para o fortalecimento real do mundo multipolar.

Podemos esperar um ajuste nas relações com o Brasil? Que vetor assumirá a cooperação entre os dois países no âmbito dos BRICS? Como o crescente rumo político de esquerda no continente afetará o diálogo com a Rússia?

As relações entre Brasil e Rússia sempre foram excelentes nos governos populares do Partido dos Trabalhadores.

Não tenho dúvidas de que Lula é, hoje, a grande liderança capaz de apontar um caminho de maior desenvolvimento econômico, sustentabilidade e segurança para toda a América Latina, sobretudo no que diz à expansão do BRICS.

Nesse sentido, acredito que o vetor da cooperação entre Rússia e Brasil é o que conduz ao fortalecimento do bloco oriental com participação ativa do Brasil e inclusão de outros países da América Latina que hoje já tenham identidade real com o BRICS.

Espero sinceramente que o rumo político de esquerda esteja ganhando força real no continente hoje.

Na América Latina, a Revolução Bolivariana é a grande força que tem condições efetivas de apontar para a libertação do continente e, muito por isso, a Venezuela vive sob ataque, sanções e bloqueios imperialistas.

Esse quadro, somado ao Brasil hoje sob intenso ataque estadunidense, assim como Argentina, Peru, Equador e Bolívia, pode fortalecer o que os EUA querem evitar, que é a construção de um diálogo amplo entre os blocos orientais e os países latinos. O Brasil tem papel preponderante nesse diálogo.

Os eventos recentes no Brasil lembraram a alguns de nós o Capitólio, a outros, Maidan. A atuação dos apoiadores de Bolsonaro levará a uma cisão da sociedade e, em última instância, ao cenário ucraniano?

A cartilha das guerras híbridas, que inclui as chamadas “revoluções coloridas” empreendidas pelos EUA para desestabilizar governos populares e fazer passar as políticas neoliberais de retirada completa de direitos dos trabalhadores, vem com o intuito de entregar riquezas ao hemisfério Norte e países, à completa e absoluta dominação.

Bolsonaro foi colocado como pessoa escolhida para facilitar tudo isso. O projeto que o financiou, investiu milhões de dólares na Cambridge Analítica, sob a direção de Steve Bannon, assim como Trump nos EUA, para interferir no processo eleitoral brasileiro em 2018.

Isso incluiu outras autoridades como policiais federais, juízes e procuradores formados pela CIA, que empesteiam o Brasil, para tirar Lula do pleito e Bolsonaro foi eleito.

Com Lula novamente no páreo, e  Bolsonaro não conseguindo se reeleger em 2022, esperava-se a tentativa de reedição de um Capitólio Tupiniquim, “à brasileira”, e isso não foi surpresa.

Ainda que a intenção imperialista possa ser a de um cenário como o ucraniano, na minha modesta avaliação, nossas características como Estado dificilmente permitiriam chegar à situação de bombardeios e guerra constante, ainda que isso não seja impossível.

Mas considero improvável.

Nós vencemos as eleições e Lula tem plenas condições e capacidade de construir diálogos e consensos, ainda que seja necessário reconhecer que o cenário atual é extremamente delicado e perigoso.

A primeira grande investida dos últimos tempos contra o Brasil começou em 2013, com as chamadas “jornadas de julho”, que tiveram nitidamente os contornos de uma “revolução colorida” por aqui.

Naquela ocasião, também invadiram o Congresso, ainda que não tenha havido quebradeiras e Dilma foi deposta em 2016.

A tentativa de agora tem uma resistência, com a eleição de Lula. Até a grande mídia comercial, que fez parte dos golpes imperialistas, hoje se volta contra o bolsonarismo e deixa bem evidente para a opinião pública que o que está acontecendo no Brasil são atos de terrorismo. Essas interrupções nos colocam bem distante de um cenário ucraniano

Por que Bolsonaro fugiu para os EUA? Washington aposta nisso, escolhendo para si “entre dois males”? Afinal, Biden não simpatizava anteriormente com o agora presidente brasileiro. Por que Lula é perigoso para a Casa Branca? Por que as opiniões da Rússia, ONU, EUA e Europa sobre os acontecimentos no Brasil coincidiram completamente?

Me parece que a situação de Bolsonaro vem refletida na disputa entre democratas e republicanos nos EUA. Bolsonaro é aliado de Trump e certamente está recebendo apoio dos trumpistas em Orlando, para onde fugiu.

Simpatizar com quem está nos governos de outros países, com todo o respeito, parece não ser apenas uma posição de Biden. Em fevereiro de 2022, Bolsonaro esteve com Putin em Moscou e as relações entre ambos pareciam boas.

Quando estive na Rússia, em setembro de 2022, deixei uma carta sobre quem é, de fato, Bolsonaro. Inclusive alertei que ele – ainda que não tenha declarado publicamente, é apoiador das ideias de Zelensky e tão nazifascista quanto. Basta ver a destruição que ele está comandando à distância no Brasil.

Porém, assim como Zelensky, Bolsonaro é somente um outsider, mais um fantoche manejado pelos interesses imperialistas numa guerra muito maior.

E os que manejam os fios desses fantoches seguirão financiando o bolsonarismo com ajuda das cruéis elites brasileiras em troca de seus privilégios e, o que é mais assustador e perigoso: infiltrados nas Forças Armadas do Brasil.

Lula, se tiver amplo apoio popular de um Brasil que organiza suas massas, não tem que se preocupar em saber se é ou não perigoso para a Casa Branca, de quem nós esperamos que ele se distancie mais, com maior aproximação, através dos BRICS, com a Eurásia e levando junto outros países com governos populares da América Latina.

As opiniões da Rússia, ONU, EUA e Europa sobre os acontecimentos no Brasil coincidiram completamente no cenário atual.

Não estou bem certa de que continuarão coincidindo depois de passsada a fase mais aguda dessa crise e superado o golpismo. A minha expectativa é de o Brasil não tivesse os EUA como aliado. Se as massas se organizarem, poderemos sustentar essa posição em direção à construção de um novo mundo.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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