Ângela Carrato: A  Lava Jato não acabou; seus tentáculos se espalharam pela América Latina

A  Lava Jato não acabou

Por Ângela Carrato*, especial para o Viomundo

A condenação em primeira instância da ex-presidente e vice da Argentina, Cristina Kirchner, a seis anos de prisão, e a deposição e prisão do presidente do Peru, Pedro Castillo, ocorridas nesta semana, indicam que a perseguição e criminalização a governos e líderes progressistas continuam presentes na América Latina.

O que isso tem a ver com a Operação Lava Jato? Tudo. Mesmo que oficialmente a operação tenha tido fim melancólico no ano passado, suas premissas e seus tentáculos estenderam-se muito além das fronteiras nacionais, sendo o Peru um dos países mais atingidos.

Não falta quem diga que a devastação política provocada pela Lava Jato no país andino foi até maior do que no Brasil.

Se aqui ela mostrou-se fundamental para o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016, para a criminalização e prisão sem provas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e para a vitória de Bolsonaro nas eleições de 2018, no Peru turbinou uma crise política que parece não ter fim.

Em quatro anos, o país teve seis presidentes. Um ex-presidente, Alan Garcia, cometeu suicídio e agora Castillo é deposto e preso sob o argumento que tentou dar um golpe.

Quanto à Argentina, Cristina Kirchner há anos enfrenta uma espécie de cerco patrocinado por seus adversários e chancelado por parte da Justiça, cujo objetivo é retirá-la da vida pública.

Principal líder na atualidade do maior movimento político de todos os tempos em seu país, o peronismo, não falta quem a defina como “o Lula de lá”.

Cristina é também o nome com o qual o peronismo conta para vencer as eleições presidenciais de 2023.

Tal como ocorreu com Lula, a perseguição contra Cristina também pode ser definida como lawfare. Termo conhecido no meio jurídico, só recentemente ele chegou ao Brasil e significa uma forma de perseguição na qual o direito é usado como arma.

O lawfare, por sua vez, integra um processo mais amplo, que atende pelo nome de guerra híbrida.

O objetivo é a promoção de mudanças de governo e de regime patrocinados por potencias imperialistas, sem a necessidade dos clássicos golpes militares que marcaram a história latino-americana.

São gritantes, por exemplo, as semelhanças entre a “Operacíon de Página 12”, em curso na Argentina, e a Lava Jato brasileira.

Diferentemente do caso de Lula, as armações dos adversários de Cristina estão sendo desmascaradas quase imediatamente.

“Retiro” e vazamentos

No domingo (4/12), o jornal Tiempo Argentino publicou uma série de conversas, fruto de um vazamento ao qual teve acesso, a partir de um grupo no Telegram intitulado “Operación de Página 12”.

O nome faz referência ao conceituado diário progressista editado em Buenos Aires, Página 12, que em 17 de outubro tornou público um estranhíssimo encontro ocorrido na mansão do magnata britânico Joe Lewis.

Amigo pessoal do ex-presidente Maurício Macri e um dos principais adversários políticos de Cristina, Lewis é dono da sexta maior fortuna do Reino Unido e vive entre os dois países.

Convidados pelos diretores do Clarín, principal conglomerado de mídia argentina, um seleto grupo de políticos, juízes, procuradores (lá são denominados fiscales), empresários e ex-integrantes da Agência Federal de Inteligência (AFI) chegou à mansão de Lewis, localizada próximo a Bariloche, na Patagônia, em avião particular, para um “retiro”.

Integravam o grupo o juiz Julian Ercolini, o Sergio Moro de lá, que tem liderado a ofensiva judicial contra a ex-presidente no processo sobre supostos desvios de recursos em obras públicas. Como aconteceu com Lula, são vários os processos que Cristina enfrenta na Justiça.

Também estiveram presentes no “retiro” o chefe dos procuradores da cidade de Buenos Aires (a cidade é governada pelo macrismo), Juan Bautista Mahiques, o empresário especialista em campanhas digitais, Romás Reinke, e o ex-membro da AFI, Leo Bergroth, todos anti-kircheristas de carteirinha.

No mesmo dia da chegada, os convidados criaram no Telegran um grupo de discussão cujo tema passou a girar sobre como falsificar provas sobre a viagem e como forjar notas fiscais.

O objetivo seria demonstrar que cada um tinha viajado por conta própria a fim de despistar a imprensa, caso o assunto chegasse ao conhecimento dos meios de comunicação.

Afinal, o que estaria fazendo junto aquele grupo de notórios adversários de Cristina, entre eles até o juiz responsável por julgar processos contra ela?

As mensagens trocadas pelos integrantes deste grupo no Telegram em muito se assemelham aquelas vazadas pelo hacker Walter Delgatti e que deram origem à série de reportagem #VazaJato.

Publicada pelo site de notícias The InterceptBR, a série levou ao conhecimento dos brasileiros o submundo da Operação Lava Jato, com sua sanha de prender, a qualquer custo, o ex-presidente Lula.

Esses vazamentos tornaram públicas, por exemplo, as ilegais vinculações entre a Lava Jato e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Já na similar argentina, o juiz Mahiques defendeu “criar a ideia de uma espionagem com intervenção de um órgão estatal de segurança na mídia”.

Conchavos

O objetivo não poderia ser mais evidente: desgastar Cristina e o próprio governo de Alberto Fernández, tentando jogar a opinião pública contra eles por bancarem censura à imprensa. Buscava-se assim inibir reações populares que certamente surgiriam diante da condenação da vice-presidente.

Esta possível armação levou o presidente Fernández a fazer na tarde da segunda-feira (5/12), um duro pronunciamento em cadeia de rádio e televisão.

Entre outras medidas, ele anunciou que abrirá investigação sobre esse encontro que reuniu juízes e diretores do conglomerado midiático oposicionista El Clarín, na mansão do bilionário Lewis, e o financiamento desta viagem.

Fernández denunciou os “conchavos” que afetam o bom funcionamento do Estado, em particular a administração da Justiça e cobrou do Parlamento celeridade na tramitação do projeto de lei que reforma o Poder Judiciário.

De acordo com ele, “a Argentina necessita, de uma vez por todas e para sempre, de funcionários honestos, juízes probos e empresários que obtenham seus lucros sem corromper a outros”.

A frase de Fernandez serve como uma luva também para o Brasil, onde um ex-presidente foi preso devido a um juiz desonesto, a empresários corruptos e a uma mídia corporativa, que, desde sempre, atua como porta-voz dos interesses da classe dominante e de grupos internacionais.

Inconformados

Não é de agora que tanto na Argentina quanto no Brasil, grupos inconformados com os avanços democráticos e com a chegada ao poder de governos progressistas passaram a se valer de manobras jurídico-legais como substituto da força armada, visando alcançar determinados objetivos contra os que consideram seus adversários.

Na Argentina, o grande problema para os setores conservadores, lá representados pelo Proposta Republicana (PRO), partido de Maurício Macri, é a dificuldade para voltarem à Casa Rosada.

Macri, que governou o país de 2015 a 2019, deixou a Argentina quebrada, depois de uma gestão caracterizada por um neoliberalismo fundamentalista que quase leva o país à convulsão social.

Alberto Fernández e Cristina herdaram de Macri a pior crise vivida pela Argentina desde o derretimento da economia em 2001, quando o país teve cinco presidentes em pouco mais de uma semana. A dívida externa, que era alta, tornou-se impagável, e a pobreza e a miséria atingiram níveis recordes.

Quando assumiu, Macri anunciou um futuro róseo, semelhante ao prometido no Brasil pelo ministro da economia de Bolsonaro, Paulo Guedes: combate ao déficit fiscal, retomada rápida do crescimento, queda da inflação e fim da pobreza.

Quatro anos depois, o saldo era exatamente o oposto: a inflação rondava a casa dos 57% anuais, o PIB havia regredido 2,5% ao ano e o PIB per capita, outro importante indicador, havia encolhido em mais de 14%.

A história da Argentina, como em grande medida também a brasileira, é marcada por uma sucessão de governos conservadores, ditaduras e alguns poucos períodos em que políticos progressistas chegaram ao poder pelo voto.

A principal referência de político progressista argentino no passado é Juan Domingo Perón (1895-1974), o Getúlio Vargas de lá, pelo seu compromisso com os mais pobres, o desenvolvimento econômico e a soberania nacional.

Ao contrário do que se imagina, o fim da sangrenta ditadura militar na Argentina (1976-1983), responsável pela morte de 30 mil pessoas, não significou o retorno imediato da democracia.

Até os dias atuais, o país luta contra a herança maldita deixada pelos militares e pelos civis que os apoiaram, escudados pelos interesses dos Estados Unidos e da Inglaterra.

É importante lembrar que se os Estados Unidos sempre exerceram pressão muito intensa sobre toda a América Latina, na Argentina a essa pressão se soma a dos ingleses que historicamente funcionaram para eles como uma espécie de segunda metrópole.

Basta lembrar o contencioso envolvendo as ilhas Malvinas (Falklands para os ingleses) e a derrota dos argentinos para os ingleses em 1983, numa guerra tão descabida quanto sangrenta.

Caso Nisman

Não é a primeira vez e possivelmente não será a última que Cristina Kirchner enfrentará interesses poderosos.

Nos meses de janeiro e fevereiro de 2015, os principais veículos de comunicação da Argentina, tendo à frente os diários El Clarín e La Nación, não mediram esforços para sustentar manchetes contra o seu governo envolvendo a morte do procurador federal, Alberto Nisman.

Encontrado com uma bala na têmpora direita em seu apartamento, na véspera da data em que iria apresentar relatório final sobre o atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), acontecido 20 anos antes, o caso passou a ser apresentado como “o cadáver” que iria por fim ao governo.

No relatório, Nisman, mesmo sem qualquer prova, denunciava Cristina, seu chanceler, Héctor Timerman, e outras pessoas do primeiro escalão, por terem feito um acordo que previa a venda de grãos aos iranianos e o fornecimento de petróleo iraniano à Argentina, em troca de que o governo argentino “acobertasse” acusados pelo atentado no qual 85 pessoas morreram e centenas ficaram feridas.

A rocambolesca acusação serviu para que setores oposicionistas, capitaneados pela mídia, passassem a utilizar pesada artilharia contra a Casa Rosada.

Na primeira semana de fevereiro de 2015, El Clarín subiu tanto o tom que, a partir de um sofisma, acusou a presidente de “assassina”. O jornal considerou que se era responsabilidade do governo garantir a segurança do procurador e se isso não aconteceu, a presidente era responsável, portanto assassina.

O fato mereceu do chefe de gabinete da presidente, Aníbal Fernández, a foto que ganhou manchetes em todo mundo: ele rasgando algumas páginas daquele diário que, como qualquer argentino sabe, é visceralmente de oposição ao kircherismo.

Mesmo subtraindo informações aos argentinos, Clarín e La Nación não conseguiram evitar que fatos novos, dando conta da estreita relação e subserviência de Nisman aos interesses estadunidenses, passassem a ser conhecidos.

Veiculado por Página 12, e também disponível no livro do jornalista argentino Santiago O’Donnell, “Politileaks” (Editora Sudamericana, 2014), outro perfil de Nisman, diferente do herói que morre (ou é morto?) em prol de uma boa causa, veio a público.

À venda em qualquer livraria de Buenos Aires, o livro de O’Donnell, a partir dos segredos revelados pelo WikiLeaks, dedica um de seus 22 verbetes a Nisman. Nele, o procurador aparece como uma pessoa fraca, medrosa e que antes de tomar decisões importantes a respeito de seu trabalho, ia pedir benção à Embaixada dos Estados Unidos.

Qualquer semelhança com Sergio Moro não é mera coincidência.

Mais coincidências

No Brasil, apenas prosperou a versão dos adversários de Cristina.

Nem a revista Veja, na época com uma tiragem que beirava um milhão de exemplares, nem jornais como O Globo e Folha de S. Paulo publicaram uma linha sequer sobre o fato de que as apurações sobre a morte de Nisman incluíram informações que os próprios adversários de Cristina preferiam que jamais fossem divulgadas.

Imagens recolhidas no celular do promotor o mostram em discoteca cercado por namoradas. Mais ainda: ele pagava contas em motéis e viagens em primeira classe para si e suas namoradas com verba pública.

Verba que custeava igualmente a vida que mantinha, viajando com frequência para locais paradisíacos do Caribe e morando em um luxuoso apartamento em um dos pontos mais nobres de Buenos Aires, o bairro de Puerto Madero.

Detalhe: a maioria das viagens se deu em períodos de trabalho, quando deveria estar cuidando das investigações do atentado à AMIA.

Moro também parece ter tido padrão de vida bem acima do que o seu salário como juiz possibilitaria. Mais uma coincidência?

Não se deve deixar de lado outra coincidência, desta vez envolvendo filmes produzidos pela Netflix, a Hollywood dos tempos atuais.

A Lava Jato e o Caso Nisman foram transformados em documentários-ficção. Se em O Mecanismo, dirigido por José Padilha, há nítidas distorções para incriminar o ex-presidente Lula, em Nisman: o Promotor, a Presidente e o Espião, a trama mostrada é tão ou mais desfavorável à ex-presidente argentina.

Interessante observar que não tenha ocorrido à Netflix, fazer um filme ou série sobre o playboy Macri ou as proezas do ex-juiz Moro.

Mídia e ódio

Se são muitas as semelhanças entre estas situações na Argentina e no Brasil, a favor dos argentinos é possível lembrar que um largo passo em direção à justiça e à verdade foi dado por Cristina Kirchner e talvez esse seja um dos pontos que atraíram e continua atraindo tanto ódio contra ela.

Foi seu marido, Néstor, quando presidente, quem deu inicio à campanha pela criminalização de todos os torturadores e violadores de direitos humanos durante a ditadura.

A Argentina, como se sabe, é dos poucos países que conseguiram colocar no banco dos réus e condenar grande parte dos responsáveis por mortes, torturas e crimes hediondos praticados por civis e militares durante aquele período sombrio.

Os governos Kirchner foram fundamentais também para que viessem a público documentos da ditadura que mostram como a Junta Militar nos anos 1970 ajudou as empresas jornalísticas Clarín e La Nación a comprar, na bacia das almas e depois de pressionar seus proprietários, a maior empresa de papel-jornal do país.

Esses documentos vieram a público em meio à guerra que a direção de El Clarín passou a travar contra Cristina Kirchner.

Ela, no entanto, lutou e conseguiu que fosse aprovada, em 2009, uma lei democratizando a comunicação.

A lei em quase nada difere do que existe na Europa e nos Estados Unidos desde a década de 1950, mas os conglomerados de mídia, El Clarín à frente, direcionaram suas artilharias contra ela, acusando-a de cercear a liberdade de imprensa.

Mais uma coincidência, uma vez que os integrantes do grupo no tal “retiro” na propriedade do bilionário Lewis também pretendiam acusar Cristina de censura à imprensa.

Em linhas gerais, são esses os motivos para o ódio da mídia, em especial o grupo El Clarín, contra Cristina.

Já no Brasil, mesmo Lula não tendo minimamente avançado no rumo de uma legislação que garanta uma mídia democratizada e plural, os fatos de criar a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), estabelecer critérios para a distribuição das verbas publicitárias do governo federal e de convocar a Conferência Nacional de Comunicação foram suficientes para desencadear o ódio dos “barões” da mídia.

Ódio que se já não é tão evidente quanto no auge da Operação Lava Jato, está longe de ter chegado ao fim.

“Basta de lawfare y persecucíon”

A sorte da Argentina é que, além da Ley de Médios, que está sendo retomada, o país possui um dos melhores diários do mundo, o já citado Página 12 (versão impressa e digital) capaz de enfrentar qualquer cerco conservador, como aconteceu em várias oportunidades e volta a se repetir agora em se tratando desta nova armação dos adversários de Cristina.

Criado em 1987 por jornalistas e escritores decididos a apostarem em grandes reportagens, no jornalismo investigativo, em textos de análises e opinião, o Página 12 rapidamente se tornou a publicação de maior prestígio no país.

Não é por acaso que manifestações de seus leitores e internautas, nas últimas horas, indicam que possuem total clareza do que acontece com a vice-presidente: “si tocan a Cristina… paramos el estado. Los trabajadores no vamos a permitir um Lula em nuestro país. Basta de lawfare y persecucíon política”.

Já o azar do Brasil e também do Peru é que ainda não se conseguiu estabelecer uma legislação minimamente democrática para a mídia e menos ainda a população pode contar com um diário nos moldes do Página 12 ou uma rede de emissoras públicas de televisão, como o Canal 7, de Buenos Aires.

Mas se na Argentina o desafio agora é desmascarar e colocar no banco dos réus mais esse conluio dos inimigos de Cristina, no Peru a situação é totalmente confusa.

A vice-presidente, Dina Boluarte, assumiu, seguindo o que determina a Constituição. Estranho, no entanto, foi todo o processo que levou a este desfecho, a começar pelo fato das forças de direita e de extrema-direta nunca terem permitiram que Castillo pudesse governar.

Em um ano e meio no poder, ele foi alvo de três pedidos de impeachment, todos marcados por denúncias envolvendo supostas corrupções e sua “incapacidade moral e intelectual” para governar.

É importante destacar que Castillo é um homem do povo, que chegou ao poder depois de ter liderado uma vitoriosa greve nacional de professores em 2017.

Oriundo de Puña, cidade do interior conhecida pela pobreza e pela falta de serviços básicos, foi alvo de preconceito por parte da elite rica e supostamente sofisticada de Lima.

Após ter derrotado a candidata de extrema-direita, Keiko Fujimori, no segundo turno das eleições, teve que aguardar 50 dias para que sua vitória fosse reconhecida pela Justiça Eleitoral e, sobretudo, pelos Estados Unidos.

Pelo fato de não conseguir governar, a popularidade de Castillo estava em baixa.

Ele era rejeitado por 70% da população, mas a situação do Congresso não era melhor: 85% dos peruanos também rejeitavam os parlamentares.

Daí a pergunta: por que não aproveitar a situação e realizar eleições gerais como pretendia o próprio Castillo?

Curiosamente, tanto as instituições peruanas quanto o governo dos Estados Unidos reconheceram imediatamente a vice Boluarte como nova presidente. Detalhe: Boluarte estava rompida com Castillo e sem vínculos partidários.

SinaI amarelo

No momento, a nova presidente do Peru está mantendo contatos para formar seu ministério e submetê-lo à aprovação do Congresso, como é o rito no país, cujo regime presidencialista guarda muitos aspectos do parlamentarismo.

Daí toda a polêmica envolvendo o pedido de dissolução do Congresso por parte de Castillo, que deu origem à sua destituição do cargo e prisão.

A partir do ministério apresentado por Boluarte será possível avaliar a orientação do novo governo e também suas possibilidades de sobreviver no cargo.

Ao contrário de Castillo, que sempre se colocou como um político de esquerda e viveu sob o assédio do Congresso dominado pela direita e extrema-direita, de uma Justiça a serviço dos poderosos, e do fogo cerrado da mídia, Boluarte pediu uma trégua e parece que conseguiu.

O Fuerza Popular, partido de Keiko Fujimori, por exemplo, já anunciou que apoia a nova presidente.

Esses episódios obviamente trazem muitos ensinamentos e reflexões para a América Latina, num momento em que a região passa a contar, outra vez, com uma ampla maioria de governos progressistas, e num contexto em que os Estados Unidos buscam retomar a influência que perderam.

No entanto, esses episódios podem ser lidos de várias maneiras, inclusive como um alerta para o futuro presidente Lula.

Alguns podem argumentar que exatamente nesta semana o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sulllivan, se encontrou com Lula e que o encontro, que durou quase duas horas, foi considerado muito produtivo por ambas as partes.

Lula aceitou o convite para ir aos Estados Unidos em janeiro e uma comitiva estadunidense, que pode contar com a presença da vice-presidente Kamala Harris, deve desembarcar em Brasília para a posse. Como se sabe, o protocolo da Casa Branca não permite a presença do presidente em posses.

Se tudo parece estar às mil maravilhas, vale lembrar que o Tio Sam sempre foi mestre em emitir sinais contraditórios. Por via das dúvidas, não custa acender o sinal amarelo.

Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação da UFMG.

Publicação de: Viomundo

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