Dr. Rosinha: O gesto amoroso de Embolo, o comentário torpe de Guedes e a lição de Renato Aff em jornalistas covardes

Por Dr. Rosinha*

Estamos já nas quartas de final desta copa de 2022 e ainda não assistir nenhum jogo. Bom dizer, nas três últimas copas não vi nenhuma partida.

Tenho comigo que ganho mais lendo ou fazendo qualquer outra coisa, que ficar torcendo – mesmo que não esteja explícito – para empresas, empresários e alguns jogadores, por trás dos quais, diga-se de passagem, há também empresários faturando.

A isso somam-se interesses políticos.

Como deputado federal [1999-2015], fiz parte da Comissão Parlamentar de Inquérito da CBF-Nike, 

Desde essa época, deixei de acompanhar o futebol no dia a dia.

A famosa CPI CBF-Nike mostrou-me que, dentro e fora do campo, há forte jogatina financeira (às vezes, invisível), disputas econômicas e políticas.

Pós-CPI decidi que minha paixão por futebol não seria usada por ninguém para obter vantagens econômicas e/ou políticas.

Há também jogadores que compõem a atual seleção – como nas anteriores – que nada me dizem. Nunca ouvi falar deles.

Já outros são muito falados, como é o caso do Neymar.

Confesso: no início de sua careira, o seu futebol me conquistou. Torci para que se desse bem. Hoje, vejo nele um ser arrogante e alheio aos problemas humanos e da humanidade.

Não assistir aos jogos não significa que eu ignore os resultados e os comentários a respeito.

Leio, sim, um ou outro comentário.

Aqui, registro dois textos que me chamaram a atenção.

Um deles é de Renato Aff, no perfil futeBolchevique, no Facebook.

Ele comenta uma coletiva de imprensa da seleção do Equador antes do jogo de abertura da copa. 

Num dado momento um repórter dirigiu, em inglês, uma pergunta ao jogador Caicedo, 21 anos: “O que você acha das violações dos direitos humanos aqui no Catar?”

Indignado o próprio Renato Aff responde:

“Pergunta capciosa e repleta de covardia.

Capciosa pois era uma arapuca. Qualquer resposta colocaria o jogador em péssimos lençóis com o Catar, FIFA, federação equatoriana, ou com patrocinadores e “comunidade internacional”.

Covarde pois, duvido que o repórter tenha coragem de ir perguntar a quem realmente tenha responsabilidade sobre o assunto, o Emir ou um de seus representantes, ou até o presidente da FIFA”.

Muito perspicaz, o técnico equatoriano assumiu a resposta e tirou o foco do rapaz.

O jogador Caicedo, da seleção do Equador, e seu técnico Gustavo Alfara, na coletiva de imprensa   Foto: Reprodução do Facebook

“Caicedo entende mais que qualquer europeu o que significa direitos humanos, não precisa dar palestrinha pra repórter lucrar individualmente”, detona Aff.

“E aí temos uma situação que os jornalistas terão de ponderar”, prossegue. 

Renato Aff observa:

“Ninguém fica perguntando pros jogadores ingleses como é ter toda uma seguridade social e boas condições econômicas devido aos roubos, massacres e escravização da África, Asia e América.

Assim como ninguém pergunta pra um jogador espanhol como é viver num país desenvolvido que chegou a tal condição via exploração sanguinária nas Américas. Também não vejo perguntas ao selecionado dos EUA sobre o país matar tantos civis fora de suas fronteiras”.

O segundo texto que me chamou a atenção é de Vitor Guedes, colunista do UOL, que, ao contrário de Renato Aff, não consegue enxergar a relação entre colonizado e colonizadores e entre amor e obrigação.

No dia 24 de novembro, a seleção da Suíça venceu a de Camarões por um a zero, com gol de Breel Embolo.

Embolo é camaronês e não comemorou o gol e deixou isso claro para o mundo: marcou o gol, parou de braços abertos e cobriu a boca com as duas mãos para mostrar que não comemorava.

Embolo foi obrigado, junto com a mãe, a migrar para a França e, em seguida, ir morar na Suíça.

Guedes ao comentar o jogo e o comportamento de Embolo escreve que, ao não comemorar o gol, sua postura foi de “hipocrisia irritantante”.

No profundo desconhecimento do significado da paixão pelo e por futebol, do amor ao seu povo e a obrigação de jogar onde foi obrigado a viver e da alma humana, principalmente a de Embolo, Guedes escreve:

1. “Essa bobagem de não comemorar gol contra rival, a maior estupidez do futebol de clubes, onde a “lei do ex” impera, não deveria ser imitada em futebol de seleções”.

Aqui não existe “lei do ex”, Embolo nunca jogou futebol no país em que nasceu, pois, criança foi obrigado, junto com a mãe, a migrar.

2. “Se o Embolo respeita tanto Camarões e ficou triste com o tento, que defendesse a pátria africana e não a europeia!”

Não é questão de respeito ou desrespeito à pátria – discurso bolsonarista – é questão de respeito ao povo de seu país de nascimento e de coração.

3. “Marcar gol e não comemorar é muito mais desrespeito à torcida do país que adotou do que “respeito” ao país que, desportivamente, renegou: peroba nele!”

O colunista poderia ter poupado tamanho descalabro.

Como sabe que o migrante preto foi adotado com amor e carinho no país em que vive?

Ou ganhou a cidadania pelo futebol que joga? É muito provável, que por ser um bom jogador, é tolerado e não adotado.

Como pode afirmar que o país o renegou ou ele renegou Camarões?

Após séculos de – exploração e opressão – colonização, grande parte da população é obrigada, para sobreviver, a migrar, mas o viver fora de seu país de origem não significa o desprezo a ele e ao seu povo.

O corpo, por necessidade, vai, o coração fica.

Ao não comemorar o gol, Embolso demonstrou amor ao seu povo, pois naquele momento era o causador de dor aos seus irmãos.

Já Guedes demonstra desprezo à história de como os países africanos e tantos outros foram colonizados. No caso específico, Camarões.

Como não bastasse tudo isso, Guedes, ao final, faz mais um comentário desairoso:

“Embolo, o camaronês-suíço, teve o desprazer de constrangido, empurrar para a rede e não comemorar. Só faltou chorar e divulgar uma nota de repúdio contra o próprio gol!”

Esta é uma ironia que depõe contra o irônico.

Segundo Guedes, Embolo, por sua sorte, “não teve que passar pela tristeza comovente de ter que marcar mais um”.

Vitor Guedes não conhece a cruenta história dos países colonizados pelos europeus, não conhece a dor e a paixão vivida pelo futebol e não conhece a alma humana, por isso seu comentário é desrespeitoso e desumano.

*Dr. Rosinha é médico pediatra, militante do PT. Pelo PT do Paraná, foi deputado estadual (1991-1998) e federal (1999-2017).  De maio de 2017 a dezembro de 2019, presidiu o PT-PR. De 2015 a 2017, ocupou o cargo de Alto Representante Geral do Mercosul.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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