Juliana Cardoso: Forte reação faz prefeito de SP suspender contratação de sistema de vigilância com base em ‘cor’ e ‘vadiagem’

Contratação de sistema de vigilância racista  é suspenso

Por Juliana Cardoso*

Após mobilização nas redes sociais com abaixo-assinados digitais, recurso contra indeferimento de ação judicial, representação das entidades no Ministério Público (MP) e representação dos vereadores do PT no Tribunal de Contas do Município (TCM), a Prefeitura suspendeu na sexta-feira (2) a licitação para contratar serviço de vídeo monitoramento na cidade.

O pregão era para ser incorporado ao projeto Smart Sampa e seria realizado na segunda-feira (5), mas foi cancelado devido às fortes reações. A pressão em múltiplas frentes surtiu efeito.

No edital inicial lançado pela gestão Ricardo Nunes (MDB) em 17 de novembro, as 20 mil câmeras instaladas para capturar imagens nos espaços públicos fariam o reconhecimento facial das pessoas, discriminando-as pela “cor” e por “vadiagem”.

A contratação desse serviço resultaria num amplo sistema de vigilância social na cidade. Com investimento de cerca de R$ 70 milhões por ano, as 20 mil câmeras seriam implantadas até 2024.

Integrados a outras plataformas sob controle da gestão municipal, as imagens seriam analisadas por inteligência artificial para detecção de reconhecimento facial e concentração de pessoas, dentre outras funções.

Um trecho do edital dizia que as câmeras devem embarcar analíticos que permitam o rastreio de “uma pessoa suspeita, monitorando todos os movimentos e atividades”.

Outro ponto polêmico é o monitoramento de situações de “vadiagem” com “tempo de permanência”, que pode ser considerado um comportamento suspeito.

O edital ainda utiliza referências explicitamente discriminatórias, com enquadramento de situações como “mendicantes em cruzamentos”.

Diante dessas evidências de tratamento discriminatório, que afrontam os direitos básicos de diversos grupos sociais e criminalizam a pobreza, nosso mandato impetrou na quinta-feira (30), ação judicial na Vara da Fazenda Pública.

A ação para barrar o processo licitatório por medida liminar, porém, foi indeferida, o que nos motivou a entrar com recurso, ainda à espera de decisão.

A nossa ação judicial, impetrada em parceria do mandato com a Ricomini Piccelli Advocacia, também apontou que a contratação do sistema é ilegal, pois é incompatível com a adoção de simples pregão, previsto para bens e serviços comuns.

Por isso, havíamos solicitado a suspensão imediata do edital para evitar maiores prejuízos à sociedade e ao erário paulistano.

VADIAGEM EM LEI

Presente no Código Penal de 1890, foi só no governo Getúlio Vargas, em 1941, que nasceu a Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41) que pune a vadiagem.

Essa lei prevê prisão de 15 dias a três meses a quem se entregar “habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover a própria subsistência mediante ocupação ilícita”.

Tramita, porém, na Câmara dos Deputados um projeto de lei, o PL 3158/21,  que pretende revogar o trecho que pune a vadiagem.

O projeto é de quatro deputados federais do PSOL: Glauber Braga (RJ), Talíria Petrone (RJ), Fernanda Melchionna (RS) e Áurea Carolina (MG)

Para eles, a tipificação da lei reflete perseguição histórica e institucional às camadas mais pobres e marginalizadas.

“A pretensão punitiva da vadiagem configura, senão um deboche, uma dupla punição a milhares de brasileiras e brasileiros vitimados pelo desemprego, pela fome e pelo descaso do Estado”, afirma texto do projeto.

*Juliana Cardoso é vereadora (PT), vice-presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal de São Paulo e integra a Comissão de Defesa dos Direitos da Criança. Foi eleita deputada federal

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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