Valton Leitão: “A conduta de Beto Studart, com arma na mão, não condiz com o título de doutor honoris causa; empobrece a Universidade Federal do Ceará”; vídeo

Por Conceição Lemes

Honoris causa, expressão latina, significa literalmente “por causa da honra”.

O título de doutor honoris causa é relevante no mundo acadêmico.

Uma homenagem a personalidades nacionais ou estrangeiras de notório saber, não necessariamente acadêmicas, que tenham contribuído significativamente à cultura, à educação ou à humanidade.

Na Universidade Federal do Ceará (UFC), é uma tradição.

Desde 1959, a UFC já agraciou com o título 79 personalidades, entre as quais:

Gilberto Freyre (1975), sociólogo, autor de Casa Grande & Senzala.

Rachel de Queiroz e Jorge Amado (1981). Ela, primeira escritora a entrar na Academia Brasileira de Letras (ABL). Ele, um dos mais famosos e traduzidos autores brasileiros de todos os tempos.

Euryclides de Jesus Zerbini (1989) e Adib Jatene (1992), médicos (cirurgiões torácicos) e professores reconhecidos internacionalmente.

Florestan Fernandes (1993), um dos nossos mais sociólogos mais importantes. Com mais de 50 livros publicados, é o fundador da Sociologia Crítica no Brasil.

Celso Furtado (1998), um dos economistas mais conhecidos no Brasil e no exterior. Chegou a ser indicado por seus pares para o Prêmio Nobel de economia em 2003.

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré (1999). Poeta e repentista cearense, é um dos principais representantes da arte popular nordestina do século 20.

Chico Buarque de Hollanda (1998). Músico, dramaturgo e escritor. Um dos maiores nomes da música popular brasileira.

Ariano Suassuna (2006), dramaturgo, romancista, ensaísta, poeta. Destacado defensor da cultura do Nordeste, o autor do Auto da Compadecida.

Eugenio Raúl Zaffaroni (2014), jurista, magistrado e professor argentino, uma das maiores autoridades mundiais em Direito Penal. Desde 2015, é juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Outorgar o doutor honoris causa, portanto, é coisa séria, exige muito cuidado.

Em reunião realizada em 23 de fevereiro, o Conselho Universitário (Consuni) da UFC decidiu homenagear o empresário Beto Studart, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), com negócios nas áreas imobiliária, financeira, de tecnologia da informação e de tecnologia médica.

Foram 27 votos a favor e duas abstenções.

Aparentemente, tudo combinado antes. Uma ação entre bolsonaristas.

1.

“A pedido do reitor [Cândido Albuquerque] houve a inclusão de outra pauta na reunião do CONSUNI, referente à concessão do título de Doutor Honoris Causa”, diz notícia publicada no portal da UFC.

[Cândido Albuquerque foi o terceiro colocado na lista tríplice para reitor da Universidade Federal do Ceará,  quadriênio 2019-2023, mas acabou nomeado para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro].

2.

No mesmo dia, o conselheiro-relator-empresário José Sampaio de Souza Filho, como se tivesse bola de cristal, apresentou seu voto a favor de Beto Studart.

O portal da UFC destaca:

Em seu voto, Sampaio Filho disse ser favorável à outorga da honraria devido ao fato de “a personalidade, o trabalho e as relações humanas do homenageado se mostrarem configuradores do perfil requerido pela academia para que ele seja dignatário do título”.

Sampaio Filho é presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico no Estado do Ceará. Integra o Consuni/UFC desde 2019.

3.

O vice-reitor da UFC, professor Glauco Lobo, também votou a favor:

“Conheço [Beto Studart] há mais de 50 anos, e sou testemunha de toda a sua dedicação em prol da nossa sociedade. Na presidência da FIEC, representou um marco no fortalecimento e na aproximação da UFC com o mundo empresarial”.

4.

No mesmo dia, em notícia publicada no blog de Edison Silva, colunista de política do jornal local O Otiminista, reitor e premiado comemoram:

Doze dias depois, ou seja, na segunda-feira retrasada, 07-03, Beto Studart postou na internet um vídeo no qual  faz apologia à violência e ao armamentismo.

Manuseando um punhal no qual estão grafadas a efígie de Bolsonaro e a palavra Mito, Beto Studart diz:

Aqui diretamente da fazenda Chica Doce nós estamos homenageando o nosso presidente Bolsonaro.

Tá aqui, ó, uma peixeira, um punhal…Mito!

isso aqui não é pra gente armar, não. É pra gente proteger o cidadão brasileiro que precisa disso [referindo-se à peixeira].

Nós não podemos ficarmos [sic] entregues aos bandidos

É isso e outros. Cada um leva a sua arma responsavelmente.

É somente para proteção.

Mito 2022

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=9UPxKBIOOdc?feature=oembed&w=500&h=281]

Em janeiro deste ano, de pijamas, Beto Studart já assumia apoio a Bolsonaro:

— Sou Bolsonaro doente…

— A terceira via não se viabilizou

— Vamos ganhar essa porra

Agora, diante do vídeo acima, a pergunta inevitável: o Consuni vai manter o doutor honoris causa de Beto Studart, já que o título foi aprovado mas ainda não entregue?

A depender do médico psiquiatra Valton de Miranda Leitão, diretor-geral e professor da Escola de Psicoterapia Psicanalítica de Fortaleza, o título concedido a Beto Studart deve ser revogado.

“Conheço-o de vista. Não tenho nenhuma hostilidade à sua pessoa. Não se trata também do fato de ele ser empresário”, diz, de saída, ao Viomundo.

“Mas, sou inteiramente contrário à concessão deste título ao senhor Beto Studart”, frisa. “A conduta dele certamente não condiz com a natureza do título”.

O doutor Valton tem autoridade ética, científica e moral para se posicionar de tal forma, inclusive porque, em 2009, foi homenageado pela UFC com essa honraria.

“Me causa incômodo, vergonha, um recebedor desse título se apresentar modo hostil, belicoso, intolerante”, critica

“A condição do senhor Beto Studart, com uma arma na mão, empobrece a UFC em vez engrandecê-la”, lamenta.

De fato, empobrece o próprio título doutor honoris causa, como já acontece com vários títulos honoríficos que o presidente Jair Bolsonaro está distribuindo a granel (inclusive para si próprio e a esposa Michelle), avacalhando-os.

A propósito.

1. Em 2019, o reitor Cândido Albuquerque obteve apenas 4,61% dos votos da comunidade da UFC. Mesmo assim, Bolsonaro nomeou-o para reitor, ferindo a autonomia universitária. Uma forma de intervenção

2. O Consuni tem empresário na sua atual composição – o conselheiro José Sampaio de Souza Filho, relator do voto para concessão do título — mas não tem estudante.

Ao tomar posse como reitor, Cândido Albuquerque, alegando fraude na eleição dos alunos, acabou com a representação estudantil no Consuni.

A Justiça já reconheceu a legalidade e legitimidade de eleições estudantis.

Mas o reitor segue arrumando artifícios para deixar os estudantes de fora das decisões da Universidade Federal do Ceará.

Tentativa evidente de esvaziar a representação estudantil no Consuni e demais conselhos superiores da UFC.

Lamentavelmente, o fascismo segue florescendo lá.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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