“Um homem na minha posição não pode se dar ao luxo de parecer ridículo”

“Um homem na minha posição não pode se dar ao luxo de parecer ridículo”

Em vez de serem suspensos, amotinados da Câmara participaram nesta terça de reunião com Hugo Motta no colégio de líderes. É como a máfia se protege: cumplicidades, acordos secretos e violência.

Por Hugo Souza, no Come Ananás

Na última sexta-feira, 8, quando o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), encaminhou à Corregedoria Parlamentar denúncias contra 14 deputados e deputadas que tomaram o plenário da Casa de assalto, a expectativa era de suspensão cautelar dos amotinados.

Ninguém, no entanto, no calor da hora, reparou num pequeno detalhe dos despachos de Motta publicados na edição extra do Diário da Câmara que saiu no fim daquele dia.

O detalhe é este: todas as representações contra os 14 deputados e deputadas foram encaminhadas pelo presidente da Câmara ao corregedor “nos termos do caput do art. 1º do Ato da Mesa n. 37/2009”.

O Ato da Mesa número 37/2009 prevê cinco dias úteis para os representados apresentarem defesa e até 45 dias úteis para conclusão das apurações, prorrogáveis por igual período “por deliberação do presidente, após exposição das razões pelo corregedor”.

Significa que pode levar até 95 dias úteis, cerca de quatro meses e meio, só para as representações contra os 14 golpistas chegarem ao Conselho de Ética, só para chegarem lá, se é que vão chegar.

Caso Hugo Motta tivesse escrito em seus despachos “nos termos do caput do art. 1º do Ato da Mesa n. 180/2025”, que trata da suspensão cautelar do exercício do mandato de parlamentares, em vez de “nos termos do caput do art. 1º do Ato da Mesa n. 37/2009”, que trata de procedimentos ordinários, a essa altura, terça-feira, 12, os 14 golpistas já poderiam ter sido suspensos, em vez de terem participado na tarde desta terça, vários deles – Sóstenes Cavalcante, Zucco, Marcel van Hattem -, da reunião do colégio de líderes com Motta.

A imprensa corporativa afirma que Motta não conseguiu respaldo da Mesa Diretora para pedir a suspensão cautelar dos 14 deputados e deputadas que se amotinaram a pretexto de exigir a votação da anistia a Jair Bolsonaro, mas cujo objetivo primeiro – como nem se disfarçou – era impor na pauta da Câmara a mudança do foro para julgar parlamentares, do STF para as comarcas regionais, a fim de se livrarem dos inquéritos do orçamento secreto conduzidos pelo ministro Flavio Dino.

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De modo que Hugo Motta não poderia mesmo conseguir o apoio do 1º vice-presidente da Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ), para punir sumariamente os 14 da mudança à força do foro competente.

Altineu é o deputado federal mais influente na prefeitura bolsonarista da cidade fluminense de São Gonçalo, cujo servidor Carlos Guilherme Pereira Junior era até poucos anos atrás o “usuário externo” que mais indicava emendas no Congresso Nacional. A aberração “usuário externo” foi criada pela máfia do orçamento secreto para driblar exigências de transparência feitas pelo STF e seguir escondendo os reais padrini das emendas.

Há que se entender também que tampouco o 2º vice-presidente da Câmara, Elmar Nascimento (União-BA), poderia ajudar.

Há menos de um mês, em julho, a família de Elmar foi alvo da Polícia Federal em uma nova fase da Operação Overclean, que investiga o desvio de recursos de emendas parlamentares em municípios baianos, em esquema que envolve emendas de Elmar e a Codevasf. Com um primo de Elmar foi encontrado um par de sapatos com chulé e cédulas de real.

O próprio presidente, pobre jovem… Mesmo se tivesse apoio, como poderia Hugo Motta despachar punições sumárias para os fugitivos de Flavio Dino se, conforme este Come Ananás mostrou em julho, é ele, Motta, quem está por trás de uma superemenda parlamentar bloqueada por Dino no final do ano passado no âmbito do combate à máfia do orçamento secreto?

Com valor exato de R$ 13.292.983,00 e objeto “infraestrutura turística”, a superemenda de Hugo Motta tem superpoderes porque foi destinada a um município paraibano de pouco mais de 100 mil habitantes cujo prefeito é Nabor Wanderley, pai de Motta, e porque foi a segunda maior destinada a um município brasileiro entre as 5.449 emendas parlamentares bloqueadas por Dino em dezembro.

É como a máfia se protege: cumplicidades, acordos secretos e violência. Longa manus do capo Arthur Lira, Hugo Motta até afeta brios, mas só porque, como disse Jack Woltz em O Poderoso Chefão, “um homem na minha posição não pode se dar ao luxo de parecer ridículo”.

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Publicação de: Viomundo

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