Rede defende participação social no planejamento e execução do orçamento público federal: Soberania popular; nota
Rede Brasileira de Orçamento Participativo
Em defesa da democratização do Orçamento Público Federal
1. A Rede Brasileira de Orçamento Participativo/REBOP, articulação que reúne centenas de gestores públicos, pesquisadores, educadores e lideranças sociais por todo o país, envolvidos a mais de três décadas com a implantação de instrumentos de participação e controle social sobre o orçamento público, se manifesta sobre a necessidade e a urgência em colocarmos a gestão participativa no centro do debate nacional, neste momento em que estamos construindo os alicerces do novo governo Lula a partir de 2023, um governo que será marcado pela inclusão social e a reconstrução nacional, a partir de novas bases de um desenvolvimento econômico, social, regenerativo e sustentável.
2. As inúmeras experiências de participação social sobre o planejamento e a execução do orçamento público que desenvolvemos de forma pioneira no Brasil desde os anos 80 e inspiraram, a partir de então, os cinco continentes, permitiram que construíssemos após a redemocratização uma das “melhores práticas de gestão pública”, segundo avaliação da ONU no Habitat de 1996.
3. Contando com esta capacidade de mobilização e organização social em torno do debate sobre o orçamento público no Brasil, destacamos a importância decisiva em implantarmos uma nova agenda de participação social no governo que se inicia, agenda esta que deve aprofundar e ampliar os processos já vividos durante os governos Lula/Dilma de 2003 a 2015.
4. O aprofundamento da nossa democracia participativa através da implementação e articulação de instrumentos de gestão pública participativa representa, antes de mais nada, a busca por concretizar as aspirações de nação contidas em nossa Constituição Federal em seu artigo primeiro, parágrafo único, que estabelece que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”.
5. São inúmeros os capítulos constitucionais e outras tantas leis federais que estabelecem a centralidade dos instrumentos de participação social na administração pública brasileira. Resgatar este sentido de nação, de governança e de participação cidadã na vida pública torna-se fundamental.
6. Para tanto, propomos a retomada da construção de uma Política e de um Sistema Nacional de Participação Social, articulando, fomentando e ampliando os diversos canais de participação, tais como os conselhos de políticas públicas, as conferências nacionais, as audiências públicas, as mesas de diálogo, os fóruns interconselhos, os ambientes virtuais de participação social, entre outros.
7. Diante desta rica experiência que já trilhamos no passado, no âmbito nacional, regional e local, a REBOP manifesta também a necessidade de construirmos mecanismos de participação social nas etapas do ciclo de planejamento e orçamento, dando uma nova dimensão à Política e ao Sistema Nacional de Participação Social.
8. O processo de participação social no orçamento público federal está amparado na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), que estabelece, em seu Art.48, parágrafo único, que: “a transparência (da gestão fiscal) será assegurada mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes e orçamentos”.
9. Desta forma, a construção deste processo participativo é uma prerrogativa do Poder Executivo, que deve construir e implementar a arquitetura de participação social no planejamento do ciclo orçamentário, bem como o monitoramento e controle social na sua execução.
10. Considerando as dimensões territoriais, as desigualdades regionais e a questão federativa do país, devemos pensar na construção de uma nova institucionalidade para a implantação de um ciclo de planejamento orçamentário com a participação da sociedade.
11. Reforçando a larga experiência que o Brasil já tem na implementação da participação social nos orçamentos públicos e a legislação nacional vigente que trata desse método, entendemos que estão dadas as condições necessárias para a adoção do Orçamento Participativo Federal, quais sejam:
a) a vontade política expressa pelo presidente Lula, ao abordar a importância da participação da sociedade diante da existência do “orçamento secreto”;
b) a longa experiência na mobilização e organização da população para debater diversos aspectos da administração pública, em especial o orçamento público;
c) a situação financeira favorável do país, que apresentou um superávit primário acumulado em 12 meses de R$ 85 bilhões, em setembro deste ano, mostrando que o problema para 2023 é de ordem orçamentária, resultado de uma proposta orçamentária irreal não debatida com a sociedade.
Exemplo disso é que, no orçamento de 2023, não foram previstos recursos para o pagamento do Bolsa Família de R$ 600, o custeio de diversos programas sociais (Merenda Escolar, Farmácia Popular, Vacinação, Moradia Popular, etc.), o reajuste do servidor público federal, além de apresentar um nível de investimento reduzido.
Esta situação descolada da realidade reforça a necessidade de iniciarmos 2023 com um processo de planejamento orçamentário participativo.
12. Desta forma, a REBOP defende que este processo deve possuir as características gerais do Orçamento Participativo:
i) garantir a participação da sociedade da forma mais ampla possível no planejamento e na gestão do ciclo orçamentário, visando a democratização de direitos;
ii) que a distribuição dos recursos para investimentos e políticas públicas seja baseada também em critérios econômicos, ambientais, sócio-culturais e demográficos.
13. Acreditamos que o processo de participação no ciclo orçamentário deve garantir a deliberação dos participantes, superando modelos que visam somente a transparência ou a consulta da sociedade, retomando e aprofundando nossas experiências anteriores mais duradouras em todos os níveis;
14. É necessário incluir neste processo de participação no orçamento público diversos aspectos ou “recortes de discussões” – territoriais, temáticos e segmentos sociais -, articulando os instrumentos de Planejamento Orçamentário (PPA, LDO e LOA) com as demais instâncias participativas já consagradas, como as Conferências Nacionais, os Conselhos de Políticas Públicas e outras Conferências Territoriais específicas.
Esta questão assume importância porque permitirá estabelecer a participação decisória e o controle social no planejamento e execução do orçamento não apenas em relação à criação e ampliação de políticas públicas, de caráter nacional, mas também em relação às obras de infraestrutura no país.
15. Quanto às formas de participação, é preciso reconhecer que populações locais tem amplo conhecimento sobre sua realidade e, por essa razão, podem contribuir de maneira fundamental na definição e gestão de políticas públicas.
Para garantir a participação da população, é preciso estabelecer ciclos participativos presenciais e virtuais, utilizando ferramentas novas e já existentes de participação, incluindo sistemas e aplicativos de participação à distância, bem como as redes sociais.
Todo o sistema de e-Gov federal, incluindo o Portal E-gov e o Portal da Transparência, assim como sistemas de comunicação da Empresa Brasileira de Comunicacão – EBC e entidades parceiras, sejam elas estaduais, municipais ou da sociedade civil, como pontos de cultura, sindicatos e associações, podem ser potencializados neste processo.
16. O processo do Orçamento Participativo Federal deve apresentar de forma acessível aos cidadãos e às cidadãs as fontes de recursos (Receitas) do governo federal, bem como as despesas obrigatórias (custeio, dívida, etc.) e as despesas discricionárias (investimentos), onde existe margem para a deliberação.
Deve portanto instituir um amplo processo de produção compartilhada de conhecimento, impulsionando o engajamento e aprofundamento da cidadania na construção de respostas materializadas no orçamento público, legitimadas pela voz das comunidades.
17. Um debate aprofundado sobre o orçamento federal permitirá superar a agenda do ajuste fiscal permanente na execução orçamentária e financeira (busca constante pelo superávit fiscal), presente na LRF e na Lei do Teto do Gasto.
18. O Orçamento Participativo Federal deve também possuir articulação intersetorial (Ministérios e Secretarias Especiais), entre os entes federativos (Estados e Municípios) e demais Instrumentos de Participação (Conferências, Conselhos, etc.), bem como articular o processo/ciclo participativo com as normatizações legais do planejamento orçamentário federal.
19. O envolvimento de amplos setores da sociedade no Orçamento Participativo federal deverá contar com uma política de comunicação ampliada e multimeios, que busque promover a divulgação intensiva e atualizada de informações de natureza institucional, metodológica e formativa, bem como, resultados parciais e consolidados acerca do processo de elaboração e execução do orçamento público, em linguagem cidadã, sendo oferecido em tempo hábil, canais de participação cidadã inclusivos e compreensivos para essas finalidades.
20. O Orçamento Participativo Federal deverá também estar articulado a um processo de formação para a participação cidadã, ampliando o conhecimento dos participantes sobre os meios e modos de participação, direitos, deveres e responsabilidades institucionais.
Nesse processo deverão ser ainda oferecidas informações sobre os desafios atuais para o desenvolvimento social, ambiental e econômico do país, e o que são e qual o papel das políticas públicas nesse contexto, sejam elas obras físicas, políticas setoriais, sociais e ambientais estruturantes, oferecidas pelo orçamento em cada região.
21. O Orçamento Participativo Federal, e seu processo de formação, deverá também estar articulado a um processo de criação da memória da participação cidadã no orçamento, por meio da criação e disponibilização de meios físicos e eletrônicos de registro sistemático, aberto e transparente.
22. O Orçamento Participativo Federal deverá ampliar e aprofundar a institucionalização deste processo, consolidando de forma inequívoca o marco legal normativo regulamentador da participação social no ciclo de planejamento orçamentário brasileiro, lançando mão da consolidação e formulação de novos instrumentos legais, aprofundando, aperfeiçoando e integrando a legislação existente nesta área, articulando uma política de participação capaz de atuar na elaboração, no monitoramento e na avaliação do ciclo orçamentário a partir de metas de responsabilidade fiscal, ambiental e social.
23. A REBOP tem a convicção de que o Orçamento Público brasileiro será realmente democrático se for uma expressão da soberania popular, algo somente possível se o espaço deliberativo de participação social for ampliado, combinando processos de formação e conscientização política, abrindo os caminhos para a consolidação de direitos através da garantia dos recursos necessários na execução de bens e serviços públicos de interesse da sociedade.
Rede Brasileira de Orçamento Participativo
Brasília, 25 de novembro de 2022
Publicação de: Viomundo