PF: fraude com livros usou dinheiro vivo na Gucci e em sacolas
O empresário alvo da operação Coffee Break, da Polícia Federal, que desmantelou um esquema de fraudes em licitações ligadas à educação em prefeituras do interior de São Paulo, teria recebido de um doleiro, em dois anos, cerca de R$ 10 milhões em dinheiro vivo carregado em sacolas plásticas.
De acordo com a PF, o líder do esquema seria o empresário André Gonçalves Mariano, dono da Life Tecnologia e um dos presos na operação realizada na quarta-feira (12/11). Segundo a investigação, a empresa arrecadou R$ 111 milhões para fornecer material escolar a quatro prefeituras paulistas por meio de contratos suspeitos de corrupção.
A investigação afirma que, após receber os pagamentos públicos, a Life utilizava um complexo sistema de lavagem de capitais para ocultar a origem e o destino do dinheiro. Para isso, os recursos eram remetidos para empresas de fachada controladas por doleiros.
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Esses operadores eram responsáveis por converter as transferências bancárias em dinheiro em espécie. Para ocultar as movimentações, o grupo se utilizava de estratégias como o pagamento fracionado de boletos em vez de uma única transação grande.
“André remetia os recursos públicos recebidos através da Life a operadores financeiros clandestinos e, posteriormente, buscava o valor correspondente em dinheiro vivo, descontadas as taxas cobradas pelos doleiros. A quantia retirada em espécie seria direcionada ao pagamento de propina a lobistas e servidores”, diz a investigação.
Vice-prefeito
Além dos doleiros, o esquema de propina, diz a PF, envolvia autoridades municipais, empresários e lobistas. Ao todo, cinco pessoas foram presas, entre elas, o vice-prefeito de Hortolândia, Cafu César (foto em destaque), e o secretário de Educação da cidade, Fernando Gomes de Moraes. Mandados também foram cumpridos em Morungaba, Sumaré e Limeira, todas na região de Campinas.
A Polícia Federal aponta que os servidores atuavam para direcionar a vitória da Life, assinar atas de registro de preços e agilizar a liberação e o empenho dos pagamentos dos contratos superfaturados.
Nos autos, os investigadores identificaram cerca de 30 registros de compras de bens de luxo em valores em espécie feitas por Cafu César, de valor igual ou superior a R$ 30 mil. Uns deles chegariam ao montante de quase R$ 3 milhões. “Apenas nas lojas Gucci e Burberry somou-se o montante expressivo de R$ 2.933.113,00”, diz a PF.
Segundo os autos, Mariano obtinha acesso privilegiado a secretários de Educação dos municípios e “criava a demanda” pelos seus produtos, notadamente livros, kits de robótica e materiais pedagógicos. Com isso, o processo licitatório era fraudado para que a Life vencesse os certames, em troca do pagamento de propina aos agentes públicos responsáveis.
Como funcionava o esquema
- A investigação aponta que o esquema funcionava pelo menos desde 2021. O ciclo criminoso envolvia três núcleos principais: a Life Tecnologia, na figura de Mariano, agentes públicos e doleiros.
- Segundo os autos, Mariano obtinha acesso privilegiado a secretários de Educação dos municípios e “criava a demanda” pelos seus produtos, notadamente livros, kits de robótica e materiais pedagógicos. Com isso, o processo licitatório era fraudado para que a Life vencesse os certames, em troca do pagamento de propina aos agentes públicos responsáveis.
- Agentes públicos como Cafu César e Fernando Gomes de Moraes atuavam para direcionar a vitória da Life, assinar atas de registro de preços e agilizar a liberação e o empenho dos pagamentos dos contratos superfaturados.
- Em Hortolândia, por exemplo, Mariano participava da estruturação do processo licitatório em “parceria” com servidores públicos e acertava até mesmo o produto a ser vendido. Em Sumaré, ele recebia o Termo de Referência, documento essencial do edital, para aprovação antes mesmo da publicação oficial.
- Os servidores recebiam a propina em espécie, chamada de “café”, obtido por meio de doleiros ou por meio de transferências bancárias diretas ou para contas de terceiros e familiares.
- “Afirma que referido investigado utiliza o termo ‘café’ para se referir ao pagamento de vantagem indevida a servidores públicos e que é possível concluir que, no período de 2021 a 2024, tenha pago vantagens indevidas, em dezenas de ocasiões, a servidores públicos e lobistas vinculados aos mais variados entes públicos”, diz a juíza em sua decisão.
Lobistas
A investigação da Polícia Federal (PF) aponta o envolvimento de uma ex-nora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do ex-sócio de um dos filhos do petista no suposto esquema de propina.
Carla Ariane Trindade, ex-nora de Lula, é alvo da investigação. Ela foi casada com Marcos Cláudio Lula da Silva, um dos filhos do presidente. Segundo a investigação, Carla prometia acessos privilegiados em Brasília e “defendia os interesses privados de Mariano junto a órgãos públicos, principalmente na busca por recursos e contratos”.
O empresário, inclusive, pagou passagens para que a ex-nora de Lula viajasse com ele à capital federal.
“Ao menos duas vezes, Carla teria ido a Brasília com passagens custeadas por André Mariano e que a dinâmica dos agendamentos, muitas vezes corroborados por outros arquivos, demonstra que Carla defende os interesses privados de Mariano junto a órgãos públicos, principalmente na busca por recursos e contratos”, afirma a juíza Raquel Coelho Dal Rio Silveira, da 1ª Vara Federal de Campinas, na decisão que autorizou a Operação Coffe Break.
A magistrada acrescenta que a investigada se passava por alguém com trânsito no governo federal.
“Carla parece ter, ou alega ter, influência em decisões do Governo Federal, notadamente no FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação], bem como nos municípios de Mauá/SP, Diadema/SP, Campinas/SP, entre outros”, acrescenta a magistrada, com base na representação da PF.
As conversas indicam que o contato de Carla estava salvo no celular de Mariano como “Amiga de Paulínia” e “Nora”.
Além dela, a investigação cita Kalil Bitar, ex-sócio do filho mais velho de Lula, Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, como figura ligada ao empresário André Mariano.
A Polícia Federal afirma que Kalil teve “grande importância e participação no sucesso empresarial” da Life Educacional, “atuando em prol dos interesses de André Mariano na ‘prospecção de negócios’”. Ele teria ajudado o empresário a “fortalecer seu lobby em Brasília”, “sendo provável que essa atuação junto ao governo central tenha viabilizado os diversos pagamentos feitos à LIFE pelo município de Hortolândia”.
O que dizem os envolvidos
Em nota, a Prefeitura de Hortolândia afirmou que foi surpreendida com a ação da Polícia Federal, mas que se coloca à disposição das autoridades para possíveis esclarecimentos.
“O município ressalta que todas as licitações seguem processos rigorosos, de acordo com a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/21), especialmente em relação ao cumprimento de normas legais e regulamentares para a contratação das empresas, entre elas: publicidade do processo licitatório, transparência nas etapas de contratação, conferência da entrega dos itens e serviços contratados. No caso de pregões eletrônicos, os interessados inclusive podem participar independente de sua localidade, o que amplia o acesso à todas as etapas”, disse o município.
O advogado de Cafu César afirmou que ainda está analisando os autos. “Trata-se de autos volumosos e, tão logo finalizada a análise, ingressaremos com as ações necessárias para a reversão da prisão preventiva de Cafu”, afirmou o advogado Ralph Tórtima Filho.
O Metrópoles não conseguiu contato com as defesas dos demais citados. O espaço segue aberto para manifestação.
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Publicação de: Blog do Esmael
