‘O STF deve reduzir a idade para esterilização cirúrgica; questão de autonomia e justiça reprodutiva’, diz a médica Ana Costa
Reduzir a Idade para Esterilização Cirúrgica: Autonomia e Justiça Reprodutiva
Por Ana Maria Costa*, na Folha de S. Paulo
O direito ao planejamento familiar tal como garantido pela Constituição está fundado na autonomia, na dignidade e no livre exercício das decisões reprodutivas.
A Lei 9.263/96 que regulamenta o assunto permite a esterilização cirúrgica a partir dos 21 anos ou para pessoas com ao menos dois filhos vivos, impondo barreiras que desconsideram a realidade de muitos jovens.
Depois de três décadas é hora de repensar restrições, garantindo a quem deseja e está preparado, o direito de decidir sobre o próprio corpo. Jovens adultos, especialmente mulheres em situação de vulnerabilidade, já enfrentam a maternidade precoce e têm pleno conhecimento dos desafios de sua realidade social. Muitas vezes elas desejam e precisam ter acesso à esterilização para garantir o controle sobre suas vidas e a própria trajetória reprodutiva.
Longe de proteger a situação atual penaliza especialmente as mulheres jovens, para as quais a esterilização pode ser um meio de garantir segurança, saúde e estabilidade.
Hoje, as mulheres mais pobres, negras e periféricas enfrentam obstáculos de acesso à esterilização que aviltam sua autonomia reprodutiva, reforçando um ciclo de exclusão, opressão e ausência da proteção do Estado.
As mulheres das classes sociais mais altas são privilegiadas no acesso ao procedimento por vias privadas ou judiciais, acirrando a desigualdade de direitos reprodutivos.
Quando o Estado impõe restrições que dificultam ou atrasam o acesso à esterilização voluntária deixa de reconhecer a diversidade das experiências de vida, os direitos reprodutivos dos indivíduos e a autonomia enquanto capacidade de cada um ou uma tomar decisões informadas e responsáveis sobre seu próprio corpo.
Prover acesso aos jovens à esterilização cirúrgica é reconhecer o direito e a maturidade e a autodeterminação destas pessoas.
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A esterilização é apenas um dos diversos métodos de controle reprodutivo, e deve ser oferecida como alternativa entre outras opções.
Em nenhuma circunstancia direcionar, impor ou estimular a esterilização cirúrgica mas sim permitir que ela seja possível para quem já refletiu a partir de sua experiência e, com informação suficiente, pôde decidir com clareza.
Ao negar esse acesso com base exclusiva na idade, o Estado não dá crédito à capacidade de decisão de jovens que, muitas vezes, já são mães ou pais, chefes de família e plenamente conscientes de sua condição.
A experiência acumulada e comprovada por diversos estudos mostra que decisões sobre reprodução não seguem regras rígidas de idade ou maturidade. Muitos jovens com menos de 21 anos já são mães ou pais, responsáveis por lares, que trabalham, estudam e sustentam suas famílias.
Negar a elas o acesso à esterilização, mesmo após expressarem de forma clara e reiterada esse desejo, é perpetuar uma lógica que desconsidera suas vivências, desejos e capacidade de escolha.
A defesa da redução da idade mínima para esterilização não pode ser um incentivo à sua banalização mas um chamado à responsabilidade do Estado em garantir que o SUS ofereça bons serviços de planejamento reprodutivo e respeite a autonomia individual. Significa prover informação segura e todas as opções disponíveis de contracepção compreendendo todos os métodos reversíveis.
A falta de acesso às alternativas contraceptivas induz a decisão pela esterilização corroendo o exercício da autonomia.
Desde os anos oitenta o Brasil assumiu compromissos com os direitos reprodutivos e sua efetivação passa por reconhecer a autoridade sobre o corpo na legitima decisão de não ter ou não ter mais filhos.
Sob esta perspectiva, mais do que uma mudança legal a redução da idade é um passo necessário para avançarmos rumo à justiça reprodutiva, ao respeito pela autonomia individual e ao fim das desigualdades históricas que cercam o direito de decidir se, quando e quantos filhos ter.
Avançar nessa pauta é reafirmar o compromisso com a justiça reprodutiva, a equidade e o respeito às diferentes trajetórias de vida e permitir que o jovens construam seus futuros com mais autonomia.
*Ana Maria Costa é médica sanitarista, doutora em Ciências da Saúde e diretora do presidente do Cebes — Centro Brasileiro de Estudos em Saúde.
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