Novo vídeo mostra sofrimento de Moïse nos minutos finais
Foto: Reprodução
Na terça-feira (1º), a Polícia Civil divulgou 10 minutos de imagens que flagraram o espancamento até a morte do congolês Moïse Kabagambe. O vídeo gravado pela câmera de segurança do quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, e analisado pelos investigadores soma contudo três horas ininterruptas, das 22h25 de 24 de janeiro até as 1h26 do dia 25.
O conteúdo inédito ao qual o UOL teve acesso mostra Moïse sozinho, amarrado e desacordado por 21 minutos após a sessão de agressões ao lado do quiosque (veja o vídeo). As imagens também revelam que o Samu tentou reanimar o congolês por 25 minutos e que há outros homens ainda não identificados pela Polícia Civil envolvidos nas agressões —um deles amarra os pés de Moïse.
As imagens começam às 22h25 e mostram Moïse e o funcionário do quiosque, de camisa listrada, discutindo. O homem está com um pedaço de madeira na mão e Moïse pega uma cadeira.
Eles se perseguem em torno do freezer de Tropicália até o momento em que Moïse abandona a cadeira e uma vassoura e faz movimento de “calma” com as mãos.
Fábio Pirineus da Silva, o Belo, surge nas imagens atravessando a rua em direção ao quiosque. Belo disse à polícia que, neste momento, falou para Moïse “você está doidão e arrumando confusão”. Segundo o agressor, o congolês teria respondido: “Então me bate”.
Antes que Belo batesse no congolês, Brendon Alexander Luz da Silva, o Tota, aparece e empurra a vítima no chão. Toda essa ação dura menos de dois minutos.
Um homem não identificado de camiseta amarela, que viu o início da confusão, acompanha os dois agressores até a escada lateral do quiosque e segura as pernas de Moïse.
Fontes afirmaram à reportagem que a Polícia Civil não imputou crimes a esse homem porque não fica claro se ele tentou imobilizar Moïse ou tirá-lo da briga.
Às 22h26, Moïse cai no chão e entra em luta corporal com Brendon. Belo surge com um taco de beisebol e bate em Moïse por 11 vezes. A vítima tenta se desvencilhar dos agressores a todo o tempo. Todos assistem de longe, sem agir, enquanto o congolês agoniza.
Brendon afirmou à Polícia Civil que é praticante de jiu-jitsu. Por várias vezes, Moïse tenta contragolpear o agressor, mesmo após tomar uma chave de perna do rapaz.
Em depoimento, Brendon disse que estava com a “consciência tranquila”, porque sua única participação no crime tinha sido esse golpe.
Mas as imagens completas mostram que Brendon foi o único dos agressores que esteve com Moïse durante os 6 minutos ininterruptos de agressão e foi o último a sair do quiosque após constatar que o congolês estava sem condições de reagir.
Às 22h28, enquanto Moïse ainda apanha dos agressores, o funcionário pega a bolsa que o congolês deixou no chão. Ele a coloca ao lado do quiosque, onde o vídeo não alcança.
A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, que presta assistência jurídica à família de Moïse, afirma que esse objeto sumiu —o que levou o rapaz a ser levado ao IML (Instituto Médico-Legal) como indigente.
Às 22h29, uma testemunha surge no vídeo com duas crianças. Ela disse à polícia que, neste momento, Brendon teria dito para ela “não olhar, porque ele estava roubando”. Não há qualquer informação ou denúncia de que Moïse praticava roubos na região.
Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove, declarou em depoimento que bateu em Moïse para “extravasar a raiva”. Ele aparece nas imagens inéditas desferindo socos e pisando em Moïse, fato que não relatou à Polícia Civil.
Depois da última tentativa de sair debaixo de Brendon, Moïse bateu três vezes no chão. Nos esportes de luta, o movimento indica desistência de um dos lutadores e que o oponente deve abandonar o ringue.
Brendon ignorou o sinal. Aleson pegou um taco de beisebol e continuou agredindo o congolês.
Às 22h32, Moïse se mexe pela última vez, um movimento leve da mão esquerda. Brendon bate no rosto do congolês, que não reage.
O rapaz apanhou ininterruptamente por 6 minutos, com socos, pisões, golpes com taco de beisebol e tapas.
Um segundo homem não identificado, sem camisa e de boné, surge com uma corda. Ele amarra as pernas e os pés de Moïse e entrega os membros para que Brendon una as mãos com os pés.
À reportagem, o advogado Rodrigo Mondego, procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, que representa a família de Moïse, diz que a descrição indica que esse homem pode ser também responsabilizado.
“Mas reitero que nós não tivemos acesso às imagens, para analisar todo o contexto e pedir maiores explicações à Polícia Civil sobre outros indiciados”, diz o advogado.
Brendon levanta e deixa Moïse amarrado e desacordado às 22h38. Depois, às 22h47, ele volta somente para checar os nós da corda. A essa altura, os outros dois agressores já tinham saído da imagem e não retornam mais.
Pouco depois, a testemunha volta às imagens. Ela declarou em depoimento que, naquele momento, disse aos agressores que a pulsação de Moïse estava fraca e pediu para desamarrarem o congolês.
Brendon vira Moïse, que estava de bruços, e tenta reanimá-lo. O namorado da testemunha também. Às 22h57, as testemunhas saem de perto do congolês. Desacordado e agredido, Moïse permanece sozinho por 21 minutos até a chegada do Samu, às 23h18.
Por 25 minutos, os profissionais de saúde tentam reanimar o rapaz. Às 23h43, o corpo de Moïse é coberto por um plástico branco —isso não impediu que o quiosque continuasse funcionando.
As imagens mostram que um homem reabastece o freezer, depois de constatada a morte. Antes, durante as agressões, crianças, jovens e adultos passaram pelo local, compraram bebida e não acionaram socorro.
À 1h08, uma equipe da Delegacia de Homicídios da Capital chega ao local. A gravação se encerra à 1h26.
O IML declarou que Moïse morreu por traumatismo do tórax, com contusão pulmonar. Seu pulmão foi perfurado e ele aspirou seu próprio sangue.
Brendon, Belo e Aleson foram presos temporariamente pela Justiça, pelo crime de homicídio duplamente qualificado. Agora, a Polícia Civil busca a motivação do assassinato.
As investigações descartaram a participação de Carlos Fábio da Silva Muzi, dono do quiosque Tropicália. Ele cedeu as imagens da câmera de segurança e colaborou com as investigações, de acordo com a Polícia Civil.
Alauir de Mattos Faria, cabo da Polícia Militar, foi ouvido na última quinta-feira (3). Ele é dono do quiosque Biruta, onde trabalhavam Brendon, Aleson e Moïse. Não há qualquer indício da participação dele no crime.
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