‘Não se pode confiar no recuo de Lira, seguiremos na rua, mostrando nossa rejeição ao PL 1904’, afirma a médica Ana Costa

Sob pressão das ruas, Arthur Lira recua na urgência do PL do Estuprador

Ato na Câmara dos Deputados reforçou mobilização contra o PL 1904, que pune a vítima de estupro por aborto após 22 semanas gestacionais

Por Clara Fagundes, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes

Na tarde de quarta-feira, 19/06, mulheres de Brasília ocuparam o anexo 2 da Câmara dos Deputados  contra o Projeto de Lei 1904/2024.

Conhecido como PL do Estuprador, ele equipara o aborto a partir da 22ª semana gestacional a homicídio, inclusive em casos de estupro, com penas de até 20 anos para vítimas que abortarem e profissionais de saúde que o realizarem.

A pena é superior à do estuprador, de 6 a 10 anos.

Com tambores, bandeiras e lenços verdes, a manifestação permaneceu por toda a tarde na entrada do anexo 2.

“Criança não é mãe, estuprador não é pai” ecoava na entrada do prédio.

Seis em cada dez casos de estupro no Brasil têm vítimas crianças até 13 anos.

Representantes da campanha Criança não é Mãe foram recebidas pela Comissão de Legislação Participativa. O presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) não recebeu as manifestantes.

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Impedidas de realizar a leitura da carta manifesto no Salão Verde da Câmara, as mulheres deram continuidade ao ato nos corredores e chapelaria da Casa, com a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

Sob pressão das ruas, Lira recuou no caráter de urgência concedido ao PL 1904.

A deputada Renilce Nicodemos (MDB-PA) pediu a retirada do seu nome dentre os autores, alegando que desconhecia a penalidade imposta às mulheres estupradas.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) concluiu, em parecer técnico aprovado por aclamação, que o PL 1904 é inconstitucional.

“Brasília assistiu uma manifestação potente, poderosa, tanto dentro quanto do lado de fora da Câmara dos Deputados, onde diversos parlamentares compareceram em apoio ao ato. A cada dia aumenta a indignação da população, de vários setores, inclusive das religiosas”, afirma a diretora executiva do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), Ana Costa.

“Não podemos confiar no recuo de Lira e seguiremos na rua, mostrando a força e o poder das mulheres na rejeição dessa proposta, que conduz à barbárie e nega direito assegurado desde 1940”, avalia.

Mulheres de Fé

No ato na Câmara, cristãs lançaram o manifesto da Frente de Mulheres de Fé contra o PL 1904.

Erga a voz em favor das que não podem defender-se, seja a defensora de todas as desamparadas. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos das pobres e das necessitadas (Provérbios 31.8,9).

Assim começa o manifesto (na íntegra, ao final) que firma o compromisso de evangélicas, católicas batistas, episcopais anglicanas, presbiterianas, luteranas, metodistas e pentecostais com a defesa das mulheres estupradas e das 252.786 meninas que, entre 2010 e 2019, foram forçadas a dar à luz no Brasil.

Cebes Debate 

Na segunda-feira, 24/6, às 17h, o Cebes Debate vai discutir a realidade e desafios do aborto legal no Brasil, com a presença dos ginecologistas Helena Paro, integrante da Rede Médica pelo Direito de Decidir e da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), e Olímpio Moraes, diretor do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (CISAM-UPE), referência em aborto legal. 

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MANIFESTO DA FRENTE DE MULHERES DE FÉ CONTRA O PL 1904-2024 DO ESTUPRO E ESTUPRADOR

Brasil, Junho de 2024

”Erga a voz em favor das que não podem defender-se, seja a defensora de todas as desamparadas. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos das pobres e das necessitadas. (Provérbios 31.8,9)

Somos mulheres de fé de variadas igrejas cristãs: evangélicas, católicas romanas, batistas, episcopais anglicanas, presbiterianas, luteranas, metodistas, pentecostais.

Somos mulheres líderes: bispas, pastoras, diáconas, missionárias, catequistas, religiosas consagradas, lideranças comunitárias.

Somos as herdeiras das mulheres discípulas que sustentaram com alegria e fé o movimento de Jesus nazareno.

Somos as herdeiras das primeiras testemunhas da ressurreição.

Somos igualmente as herdeiras das que foram queimadas pelas fogueiras das inquisições em nome de um “Deus Senhor” e da institucionalidade clérigo-eclesiástica.

Exercemos cotidianamente o nosso discipulado de iguais acolhendo pessoas discriminadas e perseguidas por aqueles que acreditam num deus da guerra.

Somos mulheres batizadas que assumem o sacerdócio geral de todas as pessoas que creem.

Por isso, invocamos a autoridade que nos é conferida pelo Batismo e dizemos NÃO ao PL 1904/2024 – PL do Estupro e de todos os abusadores dos corpos sagrados das mulheres.

Exigimos o arquivamento do PL do Estupro e do Estuprador em nome das 252.786 meninas-criança, que foram forçadas a dar à luz entre 2010 e 2019[1] por terem sido abusadas por seus pais, padrastos, tios, sacerdotes, pastores, padres, missionários, primos, vizinhos, avôs, irmãos.

Exigimos o arquivamento do PL do Estupro e do Estuprador em nome das 179.676 meninas negras e das 8.099 meninas indígenas obrigadas a gerar outras crianças, entre 2010 e 2019[2], porque temos um Estado que nega a elas o direito à infância e à proteção.

Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque não aceitamos que mulher nenhuma seja encarcerada por interromper uma gravidez.

Não consentimos que o patriarcalismo cristão sexista católico e evangélico obrigue o Estado a castigar mulheres e meninas porque projeta em seus corpos sentimentos reprimidos, insatisfações, incoerências, frustrações e perversões.

Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque temos como referência o Evangelho da liberdade e da justiça para mulheres e homens, crianças e vulneráveis na sociedade.

Foi para a liberdade que Cristo nos libertou (Gálatas 5:1); não permaneceremos sob o jugo da escravidão de um discurso religioso funesto.

Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque quem estupra despeja a violência no corpo das meninas e das mulheres e não aceitamos que essa violência seja institucionalizada.

Dizemos não ao PL do Estupro e do Estuprador porque ele é um disfarce que esconde, não a luta em defesa da vida do não nascido, mas a legalização do ódio contra mulheres que denunciam as desigualdades, o racismo, a LGTBfobia, o desprezo contra as pessoas pobres.

O PL do Estupro e do Estuprador é um PL de morte porque crucifica inocentes.

Denunciamos as alianças patriarcais entre religião e partidos políticos que negociam nossos direitos em troca de votos.

Denunciamos sacerdotes, pastores e bispos que abusam de meninas, meninos e mulheres cotidianamente nas igrejas e depois as/os coagem a silenciar.

Exigimos que o Estado, ao invés de permutar e se aliar com grupos religiosos, investigue de maneira isenta e sem exceção os religiosos abusadores.

Repudiamos qualquer Projeto de Lei que retire direitos das mulheres em qualquer âmbito.

Não aceitamos que as Convenções e os Tratados Internacionais ratificados pelo Estado Brasileiro sejam descumpridos e banalizados.

Não aceitamos o retrocesso dos direitos humanos assegurados na Constituição Federal de 1988. Estamos vigilantes e organizadas para combater qualquer iniciativa que ameace os direitos adquiridos das mulheres.

Reivindicamos que a laicidade do Estado se torne princípio inegociável. Não aceitamos mais que profissionais da saúde sejam coagidos e criminalizados por homens que se valem de sua autoridade religiosa para normalizar o ódio às mulheres.

Reivindicamos que o Estado reavalie seus convênios e acordos com hospitais conveniados com o Sistema Único de Saúde – SUS e que se negam a realizar procedimentos contraceptivos como a colocação do DIU e a pílula do dia seguinte, valendo-se de dogmas e doutrinas religiosas.

Basta de nos estuprar, criminalizar e silenciar! Basta de dogma e doutrina religiosa no Estado”.

Para apoiar também este manifesto, clique aqui.

[1] https://redesaude.org.br/wp-content/uploads/2021/10/Estudo-meninas-maes.pdf
[2] https://redesaude.org.br/wp-content/uploads/2021/10/Estudo-meninas-maes.pdf

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Publicação de: Viomundo

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