Moradia, saúde e área verde: especialistas avaliam plano para aeroporto Carlos Prates, em BH
A área do antigo aeroporto Carlos Prates, em Belo Horizonte (MG), deve receber, até 2030, a construção de um novo bairro, com 4,5 mil unidades habitacionais, equipamentos públicos de saúde, educação e lazer, além de comércio. O plano detalhado de uso do espaço de 580 mil metros quadrados, apresentado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), foi aprovado pela União na segunda-feira (2).
Duas escolas, um centro de saúde, uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), um restaurante popular, um centro cultural, uma unidade esportiva, um parque com área verde de 250 mil metros quadrados e um museu da aviação estão previstos na área.
Projeto é multifuncional, sustentável e enfrenta o déficit habitacional
Sílvio Motta, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) em Minas Gerais, destaca três pontos positivos no projeto de utilização da área. Os dois primeiros são o caráter multifuncional e a presença de área verde preservada.
“O projeto une o uso habitacional com os usos de lazer, serviços públicos e comércio. A presença de múltiplos usos proporciona um espaço urbano com qualidade de vida, pois permite morar, viver e trabalhar com equilíbrio”, avalia.
“O segundo destaque é a presença de grande parcela de área verde, com um parque público. A área do aeroporto, por ser em topo de morro, é delicada, do ponto de vista ecológico e climático. Então, a medida possibilita incorporar soluções ambientais baseadas na natureza, que são importantes para a resiliência da cidade frente aos desafios de um desenvolvimento sustentável”, continua Sílvio Motta.
O arquiteto ainda destaca que a nova destinação do terreno contribui para o enfrentamento de um dos problemas mais graves da capital mineira: o déficit habitacional. Em 2022, o município havia atingido um déficit de quase 109 mil domicílios.
“O ponto positivo mais importante é incorporar habitações de interesse social no planejamento, contribuindo para o enfrentamento de um dos maiores e históricos problemas sociais do Brasil, a falta de moradia. É fundamental que o poder público promova a igualdade de acesso à habitação, que é um direito constitucional”, destaca.
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“As habitações de interesse social estão descritas na proposta integradas ao parque, aos serviços públicos e ao comércio, sendo essa integração positiva na promoção do direito à cidade e de qualidade de vida justa para todas e todos”, explica Sílvio Motta.
Luzia Barcelos, moradora da região e integrante do coletivo Atingidos pelo Prates também comemora o fechamento do aeroporto e a resolução do impasse que já se estendia há décadas.
“O ponto positivo, na minha opinião, é primeiro, a certeza que o aeroporto realmente está fechado e de que não haverá possibilidade de retorno das atividades, que nos impactaram muito. E também a questão das políticas públicas. Será uma área para o uso de políticas públicas, ambiental, com um grande parque, cultura, educação, saúde e habitação”, comenta.
Entenda
O projeto é o desfecho de mais de 40 anos de mobilização dos moradores da região Noroeste da capital mineira, que reclamavam do histórico de acidentes ocorridos no antigo aeroporto, que foi fechado em 1º de abril do ano passado.
O equipamento, que era dedicado a voos particulares e formação de pilotos e era de responsabilidade do governo federal, até receber a sua nova destinação, foi alvo de debates públicos coletivos, que envolveram os moradores do bairro, figuras políticas, a PBH e a União.
Após a eleição de Lula (PT) em 2022, antes mesmo da posse, moradores enviaram um documento, assinado por dezenas de instituições e mais de 150 pessoas, ao presidente eleito, solicitando a desativação do aeroporto.
Após o fechamento do espaço, ao longo do primeiro semestre deste ano, o governo federal tratou dos trâmites para passar a responsabilidade pela área do antigo aeroporto para a PBH.
O vereador da capital Dr. Bruno Pedralva (PT), que acompanhou o processo de mobilização e articulação, destaca a importância de dar uso adequado e socialmente referenciado para a área.
“O fechamento do ex-aeroporto Carlos Prates e a transformação do terreno, que é muito precioso para a cidade de Belo Horizonte, pela sua localização e dimensão, que equivale a quase cinco parques municipais, é um avanço democrático e popular na cidade”, comenta.
Segundo ele, agora, o mais importante é garantir, junto à prefeitura, a arrecadação do montante financeiro necessário para a realização das obras, que devem contar com recursos federais.
“Precisamos também garantir as contrapartidas por parte do Estado de Minas, que tem que investir, tem que contribuir, considerando que o impacto não vai ser só em Belo Horizonte, mas será regional. Precisamos garantir também as obras viárias, tanto no Anel quanto nas vias de acesso à regional Noroeste, ao Alto Carlos Prates, para facilitar o trânsito, diante da chegada de novas moradias para a região”, chama a atenção.
Questões em aberto
Luzia Barcelos também levanta a dúvida sobre os recursos financeiros e como se dará a mobilidade no entorno do novo bairro. Para ela, ainda falta um maior detalhamento, por parte da prefeitura e da União, do plano que será executado.
“Precisamos saber de qual forma as moradias serão construídas. Ainda faltam muitas informações. Ao meu ver, faltam informações, por exemplo, sobre como a prefeitura está pensando a mobilidade. Falta detalhamento. Como serão financiadas as obras, como a mobilidade será resolvida?”, questiona.
A moradora ainda relembra que, em maio deste ano, aconteceu um seminário promovido pela PBH no qual o órgão prometeu apresentar uma “carta de intenções” sobre o novo bairro. Segundo Luzia, “essa carta não foi publicada ainda”.
Sílvio Motta, do IAB Minas Gerais, também chama a atenção sobre a carência de divulgação ainda mais detalhada da proposta, o que, para ele, deixa espaço para a emergência de três dúvidas.
“O processo envolveu escutas da população e mostrou inclusive que a população pode ter plena participação nesses planejamentos. Algumas questões que foram discutidas no processo de escuta ainda não foram percebidas nas informações apresentadas. É importante que, no detalhamento futuro da proposta, a população seja novamente envolvida”, pontua.
“As imagens aparentam que serão utilizados vegetação, estratégias projetuais, materiais e sistemas construtivos tradicionais. O projeto do novo bairro é uma oportunidade de adotarmos soluções inovadoras, como paisagismo naturalista, estratégias bioclimáticas e de eficiência, e materiais e sistemas construtivos de baixo impacto ambiental e durabilidade. É importante que as próximas etapas do planejamento considerem essas inovações”, continua.
A terceira questão, para o arquiteto, é o fato de o planejamento não indicar como será viabilizada economicamente a manutenção dos condomínios de habitações de interesse social.
“As características dos prédios apresentados são de 17 pavimentos com elevadores. Isso implica em elevados custos de condômino, que pesam no orçamento das famílias, principalmente da faixa 1, que é a prioritária para o projeto”, finaliza Sílvio Motta.
Publicação de: Brasil de Fato – Blog