Mirko Casale: Reflexões sobre o Fórum China-Celac, em Pequim. VÍDEO
Reflexões sobre o Fórum CELAC-China
Transcrição e tradução ao português e legendas: Jair de Souza
Por Mirko Casale, Aí les Vá*
A América Latina e o Caribe estão fortalecendo laços com a China.
Mas, como uma região diversa, complexa e, às vezes, contraditória, o fazem de maneiras diferentes: alguns de modo determinado, outros de forma hesitante. Aqueles, eventualmente, e os outros, dissimuladamente.
Diversidade e complexidade que ficaram evidentes no recente fórum China-CELAC, realizado em Pequim, com a presença de chanceleres e presidentes de quase uma vintena de países latino-americanos e caribenhos.
E nos minutos seguintes, analisaremos não apenas o que aconteceu na reunião, mas sobretudo o futuro que aguarda a região.
Aí vai!
Fórum CELAC-China (Desafios do Futuro)
Recentemente, ocorreu uma reunião entre autoridades chinesas e altos representantes de membros da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos, ou CELAC, para os amigos.
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Estiveram em Pequim dezessete chanceleres da região e três presidentes: o colombiano Gustavo Petro, o brasileiro Lula da Silva e o chileno Gabriel Boric.
Os participantes realizaram reuniões bilaterais de diversos graus e emitiram uma declaração de 28 pontos, que a Argentina não assinou, enquanto a Costa Rica se desvinculou de um dos parágrafos do acordo, na qual se comprometem a promover uma ordem internacional mais democrática, incluindo uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, bem como a salvaguardar a paz mundial, promovendo a resolução pacífica de diferenças e rejeitando a interferência nos assuntos internos de outros Estados.
O desenvolvimento sustentável e uma globalização econômica inclusiva e mutuamente benéfica também foram mencionados no texto final, assim como a proposta de reforma do sistema financeiro internacional, para torná-lo mais equitativo e adaptado aos desafios que o Sul Global enfrenta.
A iniciativa do Cinturão e Rota, lançada por Xi Jinping em 2013, ocupou um lugar central no fórum.
O projeto impulsionou diversos projetos ou megaconstruções na região, como a reconstrução do Aeroporto Internacional Eloy Alfaro, no Equador, e a transformação de porto em megaporto em Chancay, no Peru.
Nesse aspecto, o presidente Petro anunciou que a Colômbia se uniria à iniciativa, destacando como a chamada Rota da Seda original, a conexão comercial que operou por um milênio e meio entre a China e a Europa, foi o que impulsionou o desenvolvimento das nações europeias.
O fórum gerou tantas expectativas na América Latina e no Caribe que compareceram a Pequim até mesmo os chanceleres de dois membros da CELAC que não reconhecem o princípio de uma só e única China, e que, num exercício de anacronismo, ainda mantêm relações diplomáticas com Taiwan, como é o caso do Haiti e de Santa Lúcia.
As relações entre a região e a China não cessaram de crescer ao longo do século. O gigante asiático é o segundo maior parceiro comercial da CELAC em conjunto e o primeiro em países como Brasil, Chile, Peru e Uruguai.
Além disso, a China assinou acordos de livre comércio com Chile, Peru, Costa Rica, Equador e Nicarágua.
O volume de comércio bilateral entre a China e a América Latina e o Caribe agora ultrapassa US$ 500 bilhões anualmente.
No entanto, não são poucos os desafios que os vínculos entre ambos enfrentam. Em grande medida porque há uma terceira parte em discórdia, e esse elemento discordante ainda condiciona e molda amplamente esses laços. E o faz muito além do óbvio.
Observem que, quando a China lançou a iniciativa do Cinturão e Rota há 12 anos, a América Latina inicialmente não fazia parte dela. Isso mudou em 2017, no momento em que o Panamá alcançou um memorando de entendimento sobre este assunto com Pequim, abrindo caminho para outras nações da região.
Mas acontece que, 8 anos depois, bastaram uma pressão e umas quantas ameaças da Casa Branca contra uma nação centro-americana, especificamente em relação ao Canal do Panamá, para que as autoridades panamenhas finalmente recuassem e se retirassem da iniciativa, dando desculpas esfarrapadas, nas quais as palavras presumem soberania e independência, enquanto que as ações renunciam a ambas.
Isso, em maior ou menor medida, com maior ou menor grau de justificativa, de forma tosca ou sutil, conforme o caso, ainda se manifesta com muita frequência na realidade política latino-americana e caribenha, representando o principal desafio regional na hora de se relacionar com a China e a Rússia, entre outros, sem a tutela de ninguém.
Vejamos. Em termos gerais, os governos latino-americanos se dividem em três categorias quando se trata de suas relações com o resto do mundo:
1- os que evitam a toda custa irritar a Casa Branca em suas relações com países que Washington considera hostis aos seus interesses;
2- aqueles que pouco ou nada se importam com o que o governo dos EUA pensa sobre este ou outros assuntos;
3- e os que se inclinam para uma ou outra dessas posições, dependendo de quem esteja no cargo: um democrata ou um republicano, mas sem nunca se definirem completamente.
Essa característica faz com que as relações da América Latina e do Caribe com o resto do mundo sejam pouco estáveis no médio ou longo prazo.
Um governo muito distante de Washington pode chegar a acordos importantes com Pequim ou Moscou hoje. Mas, estes serão desfeitos se, nas próximas eleições, um candidato alinhado com Washington for eleito.
Ao mesmo tempo, por exemplo, um governante latino-americano médio, de linha progressista tenderá a evitar estreitar muito os laços com a China ou a Rússia enquanto a Casa Branca for ocupada por alguém progressista, pelos padrões gringos, mas se mostram mais atrevidos se a presidência estiver em mãos de alguém anti-progressista.
De modo análogo, mas inverso, vêm atuando também vários governantes latino-americanos nada afins com o progressismo, como, por exemplo, Nayib Bukele, que, com Biden no poder, dava declarações quase guevaristas sobre a ingerência estadunidense na região. E hoje, com Trump na presidência, volta a se comportar como se fosse um bot de Elon Musk.
Como a outra cara do mesmo fenômeno, hoje, o eixo latino-americano social-democrata está se aproximando mais decididamente da China agora, com Trump na presidência, que quando ali estava Joe Biden.
Essa realidade poderá ser mais ou menos entendível, pouco ou muito justificada. Mas, reflete uma política exterior regional que, salvo contadas exceções, costuma olhar para Washington, ou de frente, ou pelo rabo do olho, na hora de agir.
Assim, temos Gabriel Boric fazendo críticas ferozes contra o sistema cubano há um par de anos, e hoje aparece visitando com grande alegria um país cujo sistema de governo não se diferencia muito do de Havana.
Ou, em seu intento de apaziguar a seus odiadores, Gustavo Petro se metendo a promover uma futura reunião CELAC-Estados Unidos, que viria a ser uma OEA-2.0 de um par de dias, como se, de alguma maneira, procurasse compensar sua visita a Pequim e, assim, evitar ser tachado de títere dos chineses.
São temores e contradições regionais que não estamos levantando como crítica ou ofensa, e sim para ilustrar a complexidade das relações da América Latina como região com o resto do mundo.
Porque, insistimos, independentemente das mil e uma explicações que podem ser dadas a esses temores e contradições, quase todas totalmente justificadas pelas pressões e chantagens dos Estados Unidos contra todos seus vizinhos do sul durante séculos, essas idas e voltas geopolíticas convertem a América Latina e o Caribe como região em um sócio imprevisível para as nações emergentes da Ásia e África e uma perna instável da cadeira sobre a qual está sentado o futuro mundo multipolar.
A realidade pura não deixa de ser a pura realidade pelo fato de existir muitos obstáculos para justificá-la. Senão que deixará de sê-lo quando se consiga superar esses obstáculos.
E a pura realidade hoje é que a região nunca deixará sua histórica dependência de Washington se continuar alternando-se entre atuar submissamente um dia e como se tivesse de pedir licença para deixar de ser submissa no dia seguinte.
Ou pular de uma situação a outra a cada quatro anos, conforme quem o estado profundo coloque na Casa Branca.
A América Latina e o Caribe só alcançarão sua plena soberania e independência, integrando-se de maneira plena e natural ao eixo multipolar quando deixar de estar pendente daquilo que a Casa Branca diga ou deixe de dizer e sobre o que faça ou deixe de fazer.
Não é nada fácil, obviamente. Mas, ainda mais difícil é tentar consegui-lo sem começar a crê-lo por inteiro.
E, embora agora falte muito menos do que faltava há 25 anos, existem ainda muito menos dúvidas de que ainda há pela frente um longo e sinuoso caminho a percorrer.
Enlaces de acesso ao vídeo:
a) Odysee: odysee.com/Reflex%C3%B5es-Sobre-O-F%C3%B3rum-Celac-China-(Legendado):3
b) Dailymotion: www.dailymotion.com/video/x9jldsq
*Mirko Casale é o roteirista, apresentador e diretor do programa Ahí les va! (Aí, está!), que há cinco anos a RT transmite para países de língua espanhola.
*Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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Publicação de: Viomundo