Lelê Teles: A farsa acabou

Por Lelê Teles*

“vou festejar o teu sofrer, o teu penar…” na voz de alcione.

o brasil amanheceu em paz, uma paz festiva, fagueira e deliciante: clima de copa.

logo cedo, dava pra ouvir o estrondo de fogos de artifício e rolhas de champagne por toda a vizinhança.

vozes felizes cantavam sambas, frevos, carimbós e maracatus.

até os bichos pareciam comemorar: cães uivavam como lobos, pássaros passaravam, gatos zangados ronronavam poesias, papagaios xingavam indizíveis e libertadores palavrões.

“prenderam o minotauro” – metade homem, metade gado -, gritou vovó lizete, levantando da cama como um raio.

a véia abriu uma cerveja, ligou o rádio e foi escovar os dentes com malte puro.

o locutor informou que o inominável estava acordado na madruga, como um vampiro, observando um auxiliar meter o ferro quente em suas canelas, com o intuito de romper a tornozeleira eletrônica.

Apoie o VIOMUNDO

“oxen”, observou vovó, “mas isso é como se o prisioneiro tentasse cerrar as grades da cela com os próprios dentes!”.

sim, senhoras e senhores, foi uma ação patética, destrambelhada e fruto do terrível desespero.

todo covarde treme quando tem que encarar as consequências dos seus atos.

esse sujeito, que falou manso com a policial que foi periciar a bola de ferro presa a seu calcanhar, não parecia em nada com aquele valentão de pátio de escola de outrora.

quando estava no poder, o minotauro verdeamarelo vomitava ódio, preconceito de toda sorte, exaltava torturadores, zombava dos direitos humanos e escarnecia da morte de centenas de milhares de pessoas enquanto metia a mão no dinheiro público.

agora, o desgraçado soluça, chora e fala como uma criança:

“por que o senhor tentou romper a tornozeleira?”, e o pobre diabo respondeu: “curiosidade”.

o curioso é que enquanto o minotauro roía as barras de ferro, seu filho convocava uma vigília para a porta do condomínio.

uma ação orquestrada com forte indício de plano de fuga.

enquanto os zumbis mugiam, o condenado, de fio dental, peruca loira, salto alto e batom vermelho, se misturaria entre a massa e escaparia ileso.

isso só daria certo em um filme dos trapalhões, é claro.

essa trapalhada tirou o inominável do conforto de uma mansão, paga com dinheiro público, e o lançou a uma masmorra fria e solitária.

a tal vigília era tão fajuta que os vigilantes chegaram mesmo a espancar um pastor, enquanto entoavam glórias e aleluias.

acabou a farsa.

o miserável passará uma temporada na PF e logo logo estará confinado no labirinto da papuda.

alexandre de moraes agiu como um dédalo, o arquiteto de labirintos.

e o minotauro verdemarelo, prisioneiro de si mesmo, caminhou, gado que é, silenciosamente para o seu abate.

enquanto isso, as ruas explodem em festa, farra, funk e fôdasses.

mas alegria pouca é bobagem, ainda teremos muito o que comemorar, logo menos o papudim será trancafiado na papudinha.

tenho pena não.

palavra da salvação.

*Lelê Teles é jornalista, roteirista e mestre em Cinema e Narrativas Sociais pela Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *