Jovita Rosa: Criado em 1993, o Sistema Nacional de Auditoria do SUS até hoje não saiu do papel
A Estruturação do Sistema Nacional de Auditoria do SUS – SNA: Esperas e Desafios
Por Jovita José Rosa*
O Sistema Único de Saúde (SUS) é um dos maiores sistemas públicos do mundo. Com “status” constitucional, garante acesso universal, integral, igualitário e gratuito para toda a população brasileira.
Ao consolidar-se na Constituição Federal, transformou-se em um direito fundamental constitucional (negritos ao longo deste artigo são da autora), garantido pelo Estado ao alcance de todos os cidadãos brasileiros.
Na condição de direito fundamental, é um dever do Estado em benefício de todos, indiscriminadamente.
Em razão deste “status” essencial, exige-se dos poderes públicos, em exercício, promover, em primeiro lugar, gestão do sistema com transparência, integridade moral e eficiência; em segundo, o controle e a fiscalização da implantação e do funcionamento do sistema, em consonância com as prescrições constitucionais do art. 37, bem como do artigo 197, que estabelece:
“São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle…”
Em sintonia com os mandados constitucionais, a Lei nº 8.080/1990, que veio para organizar e regulamentar o Sistema Único de Saúde, consolidou as diretrizes anteriores e especificou as responsabilidades e competências de gestão e fiscalização pertinentes.
No seu artigo 16, inciso XIX, por exemplo, outorgou as devidas competências, verbis:
“Art. 16. À direção nacional do SUS compete:
….
XIX – estabelecer o Sistema Nacional de Auditoria e coordenar a avaliação técnica e financeira do SUS em todo o Território Nacional em cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal.”
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No capítulo sobre a gestão financeira do sistema de saúde, art. 33, § 4º, a lei define que:
“o Ministério da Saúde deve acompanhar, através do seu sistema de auditoria, a conformidade, a programação aprovada da aplicação dos recursos repassados aos Estados e Municípios, e aplicar as medidas previstas em caso de irregularidade”.
Assim, verifica-se que o comando da lei, em relação ao controle do Sistema Único de Saúde (SUS), vai além das exigências ordinárias de controle e fiscalização contábil, financeiro e orçamentário previstas no artigo 70 da Constituição Federal.
Face à complexidade e magnitude do sistema, entendeu-se necessário conceber, especificamente para o SUS, um novo modelo de gestão para avaliar, controlar e auditar as ações e os serviços de saúde prestados à população, cujo objetivo principal foi fornecer informações gerenciais para ajustes e melhorias das políticas de saúde, assim como para garantir a readequação de processos e investimentos necessários à prestação devida.
Daí, concebeu-se, portanto, uma ferramenta estratégica para a gestão da saúde.
Por meio da Lei 8.689/93, foi criado o Sistema Nacional de Auditoria do SUS – SNA, nos seguintes termos:
“Art. 6º Fica instituído no âmbito do Ministério da Saúde o Sistema Nacional de Auditoria, conforme disposto no inciso XIX do art. 16 e no § 4º do art. 33 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.”
§ 1º Ao Sistema Nacional de Auditoria compete a avaliação técnico-científica, contábil, financeira e patrimonial do Sistema Único de Saúde, que será realizada de forma descentralizada”.
Na mesma trilha, no art. 13 da “Lei 8.689/93”, foi determinado um prazo para o Ministério da Saúde estruturar o SNA.
Art. 13. O Poder Executivo, no prazo máximo de noventa dias, procederá à reestruturação global do Ministério da Saúde e de seus órgãos e entidades, com vistas à adequação de suas atividades ao disposto na Constituição Federal e nas Leis nºs 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.142, de 28 de dezembro de 1990, encaminhando ao Congresso Nacional projeto de lei correspondente a eventuais mudanças na sua estrutura básica e propostas de extinção ou criação de órgãos e entidades.
Parágrafo único. A reestruturação a que se refere este artigo contemplará a estruturação do Sistema Nacional de Auditoria, ora instituído, assim como suas correspondentes projeções nas Unidades da Federação, que funcionará nos termos do inciso XIX do art. 16 e do § 4º do art. 33 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e do inciso IV do art. 4º da Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990.
Por oportuno, destaca-se que a “lógica tripartite” do SUS, que se efetiva nas esferas federal, estadual e municipal, foi replicada na concepção do SNA, que, de igual modo, compartilha a missão de proteger e zelar pela saúde da população brasileira.
No Tribunal de Contas da União, é reconhecida a importância do Sistema Nacional de Auditoria do SUS, tal como na decisão “TCU nº 576/1993-Plenário”, na qual afirmou-se:
“mesmo que o sistema de auditoria custasse o dobro do que custa o Tribunal de Contas da União (TCU), com todas as suas Secretarias Regionais e de 2 mil servidores, o controle exercido pela Auditoria ainda geraria uma economia superior ao seu custo de operação” – Decisão TCU nº 576/1993-Plenário Conclusão e projeto de parecer prévio sobre as contas do Governo da República, em 16-06-1994.
Recordando que, ao Ministério da Saúde compete a política nacional de saúde bem como a coordenação e a fiscalização do Sistema Único de Saúde – SUS.
Contudo, concebido há mais de 31 anos, o SNA do SUS ainda não se concretizou, porquanto, supõe-se, sua existência fecharia as portas da corrupção aos sucessivos governos, de diferentes matizes, refratários aos interesses das bases e submissos aos interesses das cúpulas da pirâmide social.
O fato é que nenhum governo tomou a sério as recomendações legais, reafirmadas pelo TCU, para tornar realidade o SNA do SUS.
Com tais medidas, se evitaria o grande câncer que acomete na saúde pública brasileira, por meio dos grandes rombos que, como metástases, corrói os parcos recursos destinados à saúde e ceifa vidas, especialmente dos mais necessitados.
Levada ao “PDT – Partido Democrático Trabalhista”, na 6ª edição de seu Congresso Nacional, a proposta de regulamentação do SNA recebeu acolhida no grupo de trabalho “GT4 – Saúde, Previdência e Assistência Social”, e foi aprovada em plenário, em dois matizes de vital importância para a saúde, dentre outras:
1.“Fortalecer o SUS” como política pública de Estado, com financiamento adequado, com um percentual determinado e obrigatório de recursos aplicados pelo governo federal, dando maior ênfase à atenção primária e criando carreiras de Estado para os profissionais de saúde; e
2.“Estruturar o Sistema Nacional de Auditoria do SUS” em todas as esferas estatais de gestão, e se posicionar contra a privatização e terceirização do SUS”.
Brasília-DF, novembro de 2024
*Jovita José Rosa é Bacharel em Ciências Contábeis. Pós-graduada em Política e Estratégia, em Gestão para Resultados em Saúde com Enfoque em Direito Sanitário, Vice Coordenadora Nacional do Núcleo de Base da saúde do PDT, Presidente do IFC – Instituto de Fiscalização e Controle; Usuária do SUS.
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