Jeremy Salt: Se ataque que matou 2 funcionários da embaixada de Israel nos EUA foi terrorismo, o que dizer de 60 mil mortos em Gaza?

Ataque à embaixada de “israel” nos EUA: se aquilo foi terrorismo, o que dizer de 60.000 mortos em Gaza?

O genocídio teria sido interrompido, e o sinal de que a ‘ordem internacional baseada em regras’ estava de fato funcionando teria evitado o ataque em Washington

Por Jeremy Salt*, site da FEPAL

O assassinato de dois funcionários da embaixada israelense em Washington foi claramente um ato de represália, não de antissemitismo.

Elias Rodriguez puxou o gatilho, mas foi o regime genocida de Tel Aviv que engatilhou a arma.

As atrocidades que cometeu com o apoio ativo do governo dos EUA acabaram levando um jovem sem antecedentes criminais conhecidos a cometer esse único ato violento contra dois jovens no auge da vida — exatamente como os milhares de jovens que Israel matou em Gaza.

Se Netanyahu e sua gangue fascista tivessem sido detidos há muito tempo, isso jamais teria ocorrido. E por que não foram detidos?

Porque os governos que poderiam tê-los parado são totalmente cúmplices de seus crimes.

Sob a direção de seus políticos e comandantes militares, soldados israelenses, pilotos e operadores de drones assassinaram quase 60.000 civis.

Realizaram centenas de ataques a centros de saúde, destruindo hospitais ou colocando-os fora de serviço. Mataram ou feriram milhares de profissionais da saúde e trabalhadores humanitários.

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O número real de mortes é, sem dúvida, muito maior devido aos corpos que não podem ser recuperados sob toneladas de escombros.

Desde o início de março deste ano, quando Israel bloqueou toda a ajuda humanitária a Gaza, entre 50 a 100 ou mais palestinos têm sido assassinados diariamente por suas forças militares.

O Ministério da Saúde de Gaza acaba de divulgar dados sobre as 16.503 crianças conhecidas que foram mortas desde outubro de 2023: 916 com menos de um ano de idade, 4.365 entre um e cinco anos; 6.101 entre 6 e 12; e 5.124 entre 13 e 17 anos. Novamente, o número real será maior por causa dos corpos ainda soterrados sob os escombros.

A Dra. Ala al Naja’a, pediatra que trabalha no departamento de emergência do hospital Al Tahrir em Khan Yunis, acabou de vivenciar a horrível experiência de receber, envoltos em mortalhas, os restos carbonizados de nove de seus dez filhos, todos com menos de 12 anos, mortos em um ataque com mísseis israelenses à sua casa. O décimo filho sobreviveu, mas está ferido. Seu marido está hospitalizado, gravemente ferido. Um médico voluntário britânico no hospital disse que os corpos das crianças estavam “carbonizados até parecerem carvão”.

Famílias inteiras foram exterminadas em ataques com mísseis contra civis. Milhares de crianças não apenas foram órfãs porque seus pais foram mortos, mas ficaram sem qualquer familiar próximo ou distante para cuidar delas, porque todos foram mortos.

A ONU Mulheres estima que 28.000 mulheres e meninas foram mortas em Gaza desde outubro de 2023.

Mulheres desnutridas são incapazes de amamentar seus filhos. Abortos espontâneos aumentaram 300%, incluindo abortos diretamente causados por ataques aéreos israelenses.

Após a destruição dos hospitais por Israel, o atendimento obstétrico está disponível apenas em sete dos 18 hospitais parcialmente operacionais, quatro dos 11 hospitais de campanha e um centro de saúde.

Mulheres estão sendo forçadas a dar à luz em tendas sem qualquer apoio médico. Crianças correm risco de vida desde o nascimento, por ataques de mísseis ou pela falta de medicamentos e equipamentos para os cuidados necessários.

Um médico em Rafah relatou que cinco bebês estavam dividindo uma única incubadora.

A fome em massa é iminente, mas centenas de civis de Gaza – incluindo crianças – já morreram de fome.

Isso não é “dano colateral” da guerra, mas resultado de uma decisão deliberada do regime bárbaro de Tel Aviv.

O Secretário-Geral da ONU, António Guterres, afirmou que toda a população de Gaza enfrenta a fome. Em sua tentativa de expulsar a ONU da Palestina, Israel contratou empresas dos EUA para fornecer ajuda alimentar — mas apenas no sul.

Os palestinos serão expulsos do norte se quiserem comer e não poderão retornar. Trata-se do uso da comida como arma de guerra, uma grave violação do direito internacional.

Pouco antes de os dois funcionários da embaixada israelense serem mortos, o coordenador humanitário-chefe da ONU afirmou que 14.000 bebês corriam risco iminente de morte caso alimentos não fossem autorizados a entrar em Gaza.

Talvez isso tenha sido o que finalmente levou Elias Rodriguez a decidir sair às ruas e atirar nos dois funcionários da embaixada que participavam de uma conferência de “jovens diplomatas”.

A Bíblia diz: “Não matarás.” A Bíblia está certa, mas quando é usada para justificar assassinatos em massa, estamos vivendo num pântano moral.

As regras e os exemplos morais aplicam-se apenas aos fracos, não aos fortes. Dos oito bilhões de pessoas no planeta, era inevitável que alguém revidasse em nome dos fracos.

Como parte do genocídio, Israel – e Trump – continuam planejando a expulsão em massa de palestinos para países empobrecidos. Eles têm o apoio do público israelense.

Uma pesquisa da Universidade Estadual da Pensilvânia realizada em março deste ano, noticiada no Haaretz e no Palestine Chronicle, mostrou que 82% dos israelenses entrevistados apoiam a expulsão dos palestinos de Gaza e 56% a expulsão dos palestinos que ainda vivem em terras ocupadas antes de 1967.

Noventa e três por cento acreditam que o mandamento bíblico de “apagar Amaleque” ainda se aplica, e 47% acham que todos os palestinos nas cidades ocupadas de Gaza devem ser mortos, seguindo o exemplo bíblico da destruição de Jericó por Josué e o massacre de seu povo.

Esses desejos de extermínio também se aplicam naturalmente à Cisjordânia, onde a vida dos palestinos equivale a um pogrom contínuo há 58 anos — em comparação com os pogroms realizados há mais de um século por cossacos no Império Russo, que duravam alguns dias.

Enquanto os olhos estão voltados para Gaza, Israel está promovendo um genocídio de segunda escala na Cisjordânia. Vândalos, marginais e assassinos fardados, autorizados pelo coletivo criminoso em Tel Aviv, fazem o que querem na região.

Os 25.000 moradores do campo de refugiados de Jenin foram etnicamente limpos, edifícios foram destruídos, e o campo transformado em uma base militar. Escavadeiras D-9 destroem as ruas da cidade e arrancam cabos elétricos e demais utilidades.

O público global está horrorizado com a barbárie que testemunha tanto em Gaza quanto na Cisjordânia, mas o regime israelense reage com fúria quando apenas dois de seus funcionários da embaixada são mortos — dois, em comparação com quase 60.000 palestinos massacrados em Gaza — como se não houvesse qualquer motivo plausível para alguém fazer isso. Isso é certamente um sinal de quão insanos eles estão.

“Ódio e radicalismo não têm lugar nos EUA,” escreveu Donald Trump. A mensagem precisa ser direcionada a Israel, além da própria cumplicidade de Trump no genocídio.

Se houvesse uma verdadeira “ordem internacional baseada em regras”, Netanyahu, Saar, Smotrich, Ben Gvir — toda essa quadrilha podre que compõe o “governo” de Israel — já estariam há muito tempo na prisão.

O genocídio teria sido interrompido, e o sinal de que a ‘ordem internacional baseada em regras’ funcionava teria evitado o ataque em Washington. Infelizmente, o parceiro de Israel no crime, o governo dos EUA, tem o poder de garantir que essa ordem não funcione.

O manifesto publicado online por Elias Rodriguez deixa claro que as atrocidades de Israel foram a razão do ataque em Washington. “As atrocidades cometidas por Israel desafiam qualquer descrição ou quantificação,” escreveu ele.

“Não tenho dificuldade em acreditar nas estimativas que apontam para 100.000 mortos ou mais. O que mais pode se dizer neste ponto sobre uma população de seres humanos queimados, mutilados e explodidos que eram crianças?” Ele mencionou como os próprios israelenses “se vangloriam de seu próprio choque com a liberdade que os americanos lhes deram para exterminar os palestinos.”

Em Paris, em 1927, Sholem Schwarzbard assassinou o fascista ucraniano Symon Petliura em retaliação ao massacre de sua família nos pogroms de 1919. No julgamento, foi absolvido porque se compreendeu o motivo da vingança.

Novamente em Paris, em 1938, o adolescente judeu polonês-alemão Herschel Grynszpan assassinou o diplomata alemão Ernst Eduard vom Rath em retaliação pela deportação de sua família da Alemanha para a Polônia.

Ninguém, exceto os nazistas, o chamou de terrorista.

A influente jornalista americana Dorothy Thompson escreveu que esse “garoto” em breve seria julgado, mas “quem está em julgamento neste caso? Eu diria que todos nós estamos em julgamento. Digo que os homens de Munique estão em julgamento, que assinaram um pacto sem uma única palavra de proteção para as minorias indefesas… se Herschel Grynszpan viver ou não, não fará muita diferença para Herschel. Ele estava preparado para morrer quando disparou. Sua vida já estava arruinada.”

Grynszpan disse: “Ser judeu não é crime. Eu não sou um cão. Tenho direito de viver e o povo judeu tem direito de viver e existir nesta terra. Onde quer que eu tenha estado, fui caçado como um animal.”

Os palestinos têm os mesmos direitos e também têm sido “caçados como animais” — ou “animais humanos”, como os chamou Yoav Gallant.

Os nazistas chamavam suas vítimas judias de ratos; fanáticos sionistas chamam suas vítimas de baratas e cobras. Os nazistas queriam destruir os judeus; os sionistas querem destruir os palestinos.

Somando-se aos apelos públicos por extermínio, o vice-presidente do Knesset, Nissim Vaturi, recentemente defendeu que homens e mulheres palestinos sejam separados para que os homens possam ser ‘executados’ em massa.

Lançar uma bomba nuclear sobre eles é outra “solução” sugerida há dois anos por Amichai Eliyahu, colega partidário igualmente assassino de Itamar Ben-Gvir.

A ideia foi retomada pelo senador americano Lindsey Graham, que traçou um paralelo com o que os EUA “tiveram que fazer” ao lançar bombas sobre Hiroshima e Nagasaki. A proposta foi repetida agora pelo senador da Flórida, Randy Fine, que afirmou que os EUA bombardearam o Japão duas vezes para obter rendição incondicional “e isso precisa acontecer aqui também.”

Os nazistas chamaram o assassinato de von Rath de ataque ao povo alemão, e não o que foi de fato: um ataque a um alto representante de um Estado genocida. O governo de Israel e seus lobistas em todo o mundo estão respondendo ao ataque em Washington da mesma forma, descrevendo-o como um ataque ‘antissemita’ ao povo judeu, e não o que foi: um golpe contra um Estado que comete genocídio.

Políticos ‘ocidentais’ e suas mídias são cúmplices do genocídio. Ao longo de quase oito décadas, continuaram financiando e armando Israel, apesar dos crimes que cometia sistematicamente.

Suas agências de inteligência ajudaram Israel a assassinar palestinos ao redor do mundo. Permitiram que Israel agisse livremente por quase 80 anos, e só agora, após mais de 18 meses de selvageria contínua, parecem começar a perceber o que fizeram. Finalmente, começam a sentir a pressão.

“Israel não é o Messias, mas o Golem”, escreveu Roberta Strauss Feuerlicht há muito tempo (1983) em O Destino dos Judeus.

No folclore judaico, o golem é um espírito animado criado de material inanimado, geralmente barro, obediente, mas também capaz de causar destruição. “Criado para salvar os judeus, virou-se contra seus criadores, corrompendo-os e destruindo-os justamente por seu sucesso em torná-los uma nação como todas as outras… Os israelenses estão sobrevivendo, mas não como judeus.” De fato, o judaísmo dominante no mundo sempre considerou o sionismo uma corrupção do judaísmo.

Por fim, resta essa declaração do arquiteto sionista do assassinato e do massacre em massa, Benyamin Netanyahu, após a decisão de três governos de suspender relações comerciais com Israel:

“Digo ao presidente Macron, ao primeiro-ministro Carney e ao primeiro-ministro Starmer: quando assassinos em massa, estupradores, assassinos de bebês e sequestradores os agradecem, vocês estão do lado errado da justiça.”

Assassinato em massa, estupro, assassinato de bebês e sequestro — é exatamente isso que Netanyahu orquestrou. Ele é um grande criminoso de guerra, e a punição pelas atrocidades que ele e todo o seu gabinete de criminosos de guerra cometeram na Palestina ocupada não pode vir cedo o suficiente.

* Jeremy Salt lecionou na Universidade de Melbourne, na Universidade do Bósforo em Istambul e na Universidade Bilkent em Ancara por muitos anos, especializando-se em história moderna do Oriente Médio. Entre suas publicações recentes estão seus livros de 2008, “The Unmaking of the Middle East. A History of Western Disorder in Arab Lands” (University of California Press) e “The Last Ottoman Wars. The Human Cost 1877-1923” (University of Utah Press, 2019). Ele contribuiu com este artigo para o The Palestine Chronicle. Artigo publicado em 25/05/2025 no portal The Palestine Chronicle sob o título original “The Washington Attack: Israeli ‘Defense Forces’ Kill 60,000, a ‘Terrorist’ Kills Two”.

*Este artigo não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Publicação de: Viomundo

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