Jeferson Miola: Representação ao Ministério Público Militar pede que apure responsabilidades por impunidade de general Pazuello

Representação ao MP militar pede apuração de responsabilidades por impunidade do general Pazuello
Por Jeferson Miola, em seu blog
Na data de 24/3 encaminhei Representação ao MPM – Ministério Público Militar pedindo apuração de responsabilidades no âmbito do comando do Exército Brasileiro pela impunidade ilegalmente conferida ao general Eduardo Pazuello, que transgrediu o Regulamento Disciplinar do Exército e o Estatuto dos Militares.
Na Representação, é requerido que além de apurar condutas ilícitas naquele processo militar, o MPM também revise a decisão ilegal e proponha a punição do general Eduardo Pazuello pela grave transgressão cometida.
O levantamento do sigilo [24/2/2023] do procedimento instaurado pelo Exército evidencia uma série de aspectos que infringem várias normas legais.
O processo foi inteiramente e propositalmente viciado, para produzir como resultado final a impunidade do general transgressor.
E o sigilo de 100 anos depois decretado por Bolsonaro visava encobrir tais vícios e a conduta ilegal do então comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que em abriu de 2021 assumiu o comando do ministério da Defesa.
Os vícios começam já na instauração do procedimento administrativo, no Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar [FATD] assinado pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que descreve como motivo da apuração o fato do “militar da ativa [ter] participado de manifestação popular, no Aterro do Flamengo, na cidade do Rio de Janeiro-RJ, no dia 23 de maio de 2021”.
A expressão grifada – participado de manifestação popular – não é encontrável dentre as 113 transgressões definidas no Anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército [RDE, Decreto 4346/2002].
O RDE, por outro lado, relaciona como transgressão “tomar parte em qualquer manifestação coletiva […]”.
Não se trata de mera variação semântica, mas do emprego premeditado de uma expressão inexistente no RDE e que, sugestivamente, não por acaso, acabou sendo usada pelo general Eduardo Pazuello na sua defesa para descaracterizar a imputação, com o seguinte argumento:
“Assim, na minha avaliação a conduta descrita não se enquadra em nenhuma das transgressões disciplinares previstas no Anexo I do Regulamento Disciplinar do Exército, ou tampouco no Estatuto dos Militares e demais leis que nos norteiam e regulamento”.
Na decisão, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira acolheu “as justificativas/razões de defesa apresentadas pelo oficial-general arrolado, determinando o arquivamento do presente Formulário de Apuração de Transgressão Disciplinar, em virtude de a conduta atribuída ao mesmo não configurar ofensa aos preceitos hierárquicos e disciplinares”.
A decisão ilegal do general Paulo Sérgio de arquivar o processo ofende a legislação, que não deixa dúvidas sobrea obrigação de punir a transgressão do seu colega de farda:
– o artigo 42 da Lei 6880/1980 [Estatuto dos Militares] define que “a violação das obrigações ou dos deveres militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específicas”;
– o decreto 4346/2002 [RDE] define que “transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à ética, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe” [artigo 14];
– o item 103 do Anexo I do RDE caracteriza como transgressão “autorizar, promover ou tomar parte em qualquer manifestação coletiva, seja de caráter reivindicatório ou político, seja de crítica ou de apoio a ato de superior hierárquico, com exceção das demonstrações íntimas de boa e sã camaradagem e com consentimento do homenageado”;
– o item 5 do Anexo I do RDE considera transgressão o superior hierárquico [neste caso, o próprio comandante do Exército] que “deixar de punir o subordinado que cometer transgressão, salvo na ocorrência das circunstâncias de justificação previstas neste Regulamento”; e
– o artigo 322 do Código Penal Militar, Decreto-Lei 1.001/1969, caracteriza como crime de condescendência criminosa “Deixar de responsabilizar subordinado que comete infração no exercício do cargo, ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente”.
A transgressão cometida pelo general Eduardo Pazuello é tão eloquente quanto a condescendência criminosa do então comandante do Exército Brasileiro.
No editorial de 27/2/2023 pertinazmente intitulado “A anatomia de uma desfaçatez”, o jornal Estado de S. Paulo afirma que “o fim do sigilo sobre o processo militar contra o general Pazuello expõe a delinquência hermenêutica que o gestou e o quão baixo alguns militares desceram […]”.
Na visão do Estadão, “A rigor, nada havia a apurar, só a punir. As imagens do comício, com Bolsonaro e Pazuello discursando em cima de um trio elétrico, falavam por si sós. À época, Pazuello, hoje deputado federal, era oficial da ativa, e tinha encerrado sua catastrófica passagem pelo Ministério da Saúde havia dois meses”.
A publicidade da “delinquência hermenêutica” do comando Exército, somente alcançada graças ao fim do sigilo do processo, cobra das instituições civis e, também da justiça militar, a apuração e punição dos envolvidos na impunidade concedida àquele general que, como outros da mesma natureza, são nefastos para o serviço público e desonram as Forças Armadas do Brasil.
É uma exigência democrática inarredável a punição dos militares que atentaram contra a democracia e o Estado de Direito e afundaram a país no precipício e na barbárie.
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Publicação de: Viomundo