Jeferson Miola: Governo pode virar o jogo da carestia; para isso, precisa ousar
Governo pode virar o jogo da carestia; mas, para isso, precisa ousar
Por Jeferson Miola, em seu blog
A professora Isabella Weber, da Universidade de Massachusetts, entende que os governos do México e da Espanha venceram as eleições em 2024 porque conseguiram reverter a perda de popularidade causada pela inflação pós-pandemia e pelo aumento do custo de vida.
López Obrador e Pedro Sánchez venceram, em síntese, porque “tomaram medidas além do ajuste das taxas de juros para combater a inflação e porque comunicaram claramente ao público o que estavam fazendo para manter os preços baixos”.
“Esses [dois] casos mostram que, na luta contra a inflação, existem alternativas reais para depender apenas da política monetária. Os governos podem se manifestar e proteger os cidadãos contra choques de custos em tempos de desastres, reforçando não apenas a economia, mas também as chances do partido governante nas urnas”, afirma.
Eles “adotaram medidas ousadas, incluindo controles de preços, subsídios e cortes e aumentos de impostos. Essas ações não apenas ajudaram a conter a inflação, mas também estimularam os partidos governantes à vitória, e, no caso da Espanha, ajudaram a afastar extremistas de direita”.
Dentre as medidas de emergência para compensar a perda do poder aquisitivo, López Obrador estabeleceu um acordo com os oligopólios do setor da alimentação, altamente concentrado, pelo qual foi definido um teto para o preço da cesta básica com 24 produtos essenciais – “a maioria dos itens eram alimentos básicos, incluindo quantidades definidas de arroz, óleo vegetal, peixe enlatado, carne fresca, frutas e vegetais de acordo com os hábitos de consumo semanal de uma família mexicana média. A cesta também incluía itens essenciais de higiene, como papel higiênico e sabão”.
O presidente mexicano comunicava à população todos os dias, no seu programa matinal de entrevistas [La Mañanera], sobre as empresas que cumpriam e as que descumpriam o acordo.
Além do controle da cesta básica, a administração López Obrador adotou outras políticas, como a garantia de preço mínimo e de estímulo à produção de agricultores familiares para a formação de estoques de emergência de milho, feijão, arroz e leite.
Ficaram limitados “os preços da gasolina, do diesel e do gás liquefeito de petróleo, bem como os preços da eletricidade para as famílias, por meio de subsídios que foram pagos em parte pelas altas receitas da empresa estatal de petróleo, PEMEX, em 2022”.
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A sucessora de López Obrador, Claudia Sheinbaum, foi eleita com 60% dos votos e obteve maioria absoluta no Congresso.
A professora Isabella relata que “o custo total das políticas de inflação do México foi de 1,4% do PIB naquele ano [2023], ou cerca de US$ 20,4 bilhões, de acordo com estimativas do governo” – cifra que representa pouco mais de 10% dos quase 1 trilhão de reais desviados do Orçamento da União para pagamento dos juros exorbitantes da dívida pública brasileira.
Na Espanha, Pedro Sánchez também trilhou um caminho ousado, e na contramão da maioria dos países europeus. Para compensar a explosão do preço do gás, que multiplicou por dez devido à guerra na Ucrânia, ele fixou “um teto de preço para o gás usado na geração de energia”, e “desvinculou os preços da energia dos preços do gás”, ela descreve.
O governo espanhol “também proibiu os proprietários de aumentar os aluguéis em mais de dois por cento, reduziu drasticamente os custos de transporte público e eliminou temporariamente o imposto sobre itens alimentares essenciais”.
Sánchez ainda criou um organismo “para monitorar os lucros corporativos e introduziu impostos sobre lucros inesperados em empresas de energia e bancos”.
Com estas escolhas, a inflação caiu na Espanha e o PIB cresceu 2,7% em 2023, contra 0,4% da média de crescimento dos países da zona do Euro.
Na eleição parlamentar de 2023, o PSOE, partido de Sánchez, ganhou “um milhão de votos adicionais, enquanto o partido de extrema direita Vox perdeu 19 de suas 52 cadeiras no Congresso”, destaca Isabella.
De outra parte, o governo Biden, nos EUA, o Partido Conservador na Inglaterra e o Partido Liberal Democrata, no Japão, amargaram derrotas nas respectivas eleições presidenciais e parlamentares porque não conseguiram lidar com a inflação.
Na Índia, o partido do Povo Indiano, do primeiro-ministro Narendra Modi, perdeu a maioria absoluta no parlamento devido ao mal-estar relativo da população com a carestia econômica.
“Quando as pessoas descobrem que, sem culpa própria, os bens sem os quais não conseguem viver de repente se tornam dramaticamente mais caros, elas perdem a confiança no sistema. Donald Trump triunfou em parte porque sinalizou aos eleitores que entendia sua angústia econômica”, […], ao passo que “os democratas falharam em reconhecer a profundidade da crise e se esquivaram de adotar totalmente políticas que poderiam ter aliviado a pressão sobre os americanos comuns”, que representam a maioria da população e do eleitorado.
Lula experimenta um dos mais baixos níveis de aprovação dos seus governos. O desgaste com a carestia anda de braços com uma crise de credibilidade e confiança desatada no episódio do PIX.
A recomendação de Lula para as pessoas não comprarem alimentos caros e substituírem por outros mais baratos não foi uma resposta política adequada para a inflação de alimentos.
E, além disso, aumentou a desconfiança de que o governo não cumpre suas promessas – é inevitável, neste sentido, a lembrança da picanha prometida na campanha eleitoral.
A experiência internacional no combate à inflação pós-pandemia mostra que o governo Lula pode virar o jogo da carestia e vencer a eleição em 2026. Mas, para isso, precisa ousar com medidas efetivas – como, por exemplo, aquelas adotadas pelos governos da Espanha e, principalmente, do México, com o controle do preço da cesta básica, redução do preço da energia e política de estoques de alimentos.
As famílias que vivem com até dois salários mínimos, que representam 70% da população brasileira, comprometem quase 60% do salário mínimo com a cesta básica. O que dizer, então, da dificuldade das 20,5 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa-Família.
O rol de remédios considerados pelo governo até o momento para enfrentar o problema da carestia –juros altos, crédito consignado e passividade com o comportamento do mercado em relação ao dólar e aos efeitos da super safra– mostram-se contraprodutivos.
O mercado, a mídia hegemônica e os conglomerados econômicos pressionam o governo por mais ortodoxia e austeridade ao invés de medidas de “fora da caixa neoliberal”.
Esses setores, adeptos do capitalismo de rapinagem e engajados na candidatura presidencial do bolsonarista Tarcísio de Freitas, não têm compromisso algum com a democracia, e apostam no desgaste terminal de Lula e na derrota do governo em 2026.
*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.
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Publicação de: Viomundo