Hugo Souza: Sabe o que causa alucinações?

Sabe o que causa alucinações?

Que não se atrevam, certos portadores de CRM, de OAB e de credencial da Folha; que não venham com “vozes saindo da tornozeleira” e “alucinações causadas por pregabalina misturada com sertalina”.

Por Hugo Souza, no Come Ananás

Vestir o preso com camisa de força; obrigá-lo a permanecer durante horas algemado ou amarrado em camas ou macas; manter o preso por muitos dias com os olhos vendados ou com um capuz enfiado na cabeça; mantê-lo sem comer, sem beber e sem dormir; confinar o preso em cubículos; isolar o preso; acender fortes refletores de luz sobre ele.

Estas foram algumas das técnicas de tortura empregadas pela ditadura brasileira com efeitos diretos na esfera psíquica dos presos políticos, “tais como alucinações e confusão mental”, conforme assinalado no no relatório final da Comissão Nacional da Verdade.

Que nem a “geladeira”, descrita assim na carta de presos políticos em São Paulo à OAB:

“O preso é confinado em uma cela de aproximadamente 1,5 m × 1,5 m de altura, baixa, de forma a impedir que se fique de pé. A porta interna é de metal e as paredes são forradas com placas isolantes. Não há orifício por onde penetre luz ou som externos. Um sistema de refrigeração alterna temperaturas baixas com temperaturas altas fornecidas por um outro, de aquecimento. A cela fica totalmente escura na maior parte do tempo. No teto, acendem-se às vezes, em ritmo rápido e intermitente, pequenas luzes coloridas, ao mesmo tempo que um alto-falante instalado dentro da cela emite sons de gritos, buzinas e outros, em altíssimo volume. A vítima, despida, permanece aí por períodos que variam de horas até dias, muitas vezes sem qualquer alimentação ou água”.

Pela “geladeira” passou, por exemplo, Tito de Alencar Lima, o Frei Tito, que, “alucinado, suicidou-se num convento da França, porque, a todo o momento, ele via a figura sinistra do Fleury”, nas palavras do ex-preso político Clóves de Castro ditas em sessão da Comissão Municipal da Verdade de São Paulo.

Pelo menos 22 presos políticos foram internados pela ditadura em manicômios após serem submetidos a torturas. Um deles, o jornalista Paulo Roberto das Neves Benchimol, começou a ouvir vozes parecidas com as dos agentes que o torturam na Ilha das Flores. As vozes diziam que ele estava de volta às mãos do diabo.

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Filho de Dermi Azevedo, jornalista perseguido e preso pela ditadura, Carlos Alexandre Azevedo foi torturado pela equipe do diabo — o sinistro delegado Fleury — quando tinha apenas um ano e oito meses de idade.

Ele disse o seguinte em uma entrevista à IstoÉ em 2010: “Para mim, a ditadura não acabou. Até hoje sofro os seus efeitos. Tomo antidepressivo e antipsicótico […] Talvez, com um pouco de sorte, eu consiga recomeçar. Mesmo estando com 37 anos”.

Três anos depois, com 40 anos, Carlos Alexandre se matou com uma overdose de medicamentos.

Que não se atrevam, certos portadores de CRM, de OAB e de credencial da Folha de S.Paulo; que não venham com “certa paranoia causada por medicamentos”, “vozes saindo da tornozeleira”, “alucinações causadas por pregabalina misturada com sertalina”. Não depois da “cura por hidroxicloroquina”.

Não para encobrir patente tentativa de fuga — com maçarico, com tudo — de defensor da ditadura, fã de torturador e condenado por tentativa de golpe de Estado.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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