Gezilda Lima: Meu caro Presidente Lula, um esclarecimento sobre Rússia e Ucrânia

Meu caro Presidente Lula,
Um ponto sobre Rússia e Ucrânia
Por Gezilda Lima*
Eu gostaria muito que chegasse aos ouvidos do meu companheiro Presidente Lula o meu olhar sobre o que a mídia brasileira não fala sobre o conflito Rússia e Ucrânia e, infelizmente, ele também vem ignorando.
Tenho total concordância com a iniciativa dele de buscar saídas para solucionar o conflito.
Só me atrevo a entrar nesse campo por ter vivido os últimos 23 anos em Moscou.
Ter morado ali me possibilitou estabelecer contatos relevantes na Ucrânia, conhecer de perto ambas as realidades, estudar a história dos dois países e acompanhar todo o desencadeamento do conflito.
Por isso, ferem os meus ouvidos quando o nosso presidente cita como negativo o fato da Rússia ter invadido a Ucrânia.
E é neste ponto que quero me deter porque grande parte da esquerda tem passado displicentemente por cima disso, até reproduzindo a falácia da grande mídia ocidental.
Veja.
1. A Ucrânia era uma das repúblicas da União Soviética, também conhecida como União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A URSS, é a sua sigla, foi criada em 1922 e dissolvida em 1991.
2. A região da Crimeia, por sua vez, ficava em território russo, pertencendo assim à República Socialista Soviética da Federação Russa.
3. Em 19 de fevereiro de 1954, Nikita Khrushchov, então primeiro-ministro da URSS, assinou um decreto transferindo a região da Crimeia para a República Socialista Soviética da Ucrânia.
4. Com a dissolução das repúblicas soviéticas em 1991, o óbvio seria que essa região da Crimeia retornasse ao seu status anterior, por tratar-se, originalmente, de um território russo, e assim fosse reincorporada à Rússia após a queda da União Soviética.
5. Mas não foi o que aconteceu após a queda da União Soviética. A Crimeia continuou fazendo parte da Ucrânia indevidamente.
Por isso, desde a queda da União Soviética o descontentamento fervia na Crimeia. São povos originalmente russos que aí residem. E que, por sua origens, mantêm costumes e a língua russa.
6. Em 2014, a chamada revolução laranja resulta em um violento golpe de estado que derruba o presidente da Ucrânia e uma nova ordem é implantada lá. Essa revolução se materializa na matança deliberada de ucranianos de origem russa.
7. Desde então a Ucrânia está em guerra civil.
8. Por discordar da nova ordem implantada na Ucrânia, a região da Crimeia democraticamente fez um plebiscito que decidiu pela reincorporação daquele território à Rússia.
9. Assim que a Rússia assumiu a determinação do plebiscito na Crimeia, outras duas regiões decidiram seguir o mesmo caminho: Donetsk e Lugansk; juntas formam o complexo de Donbáss.
Após realizarem seus plebiscitos, e aqui estou falando dos primeiros plebiscitos realizados em 2014, onde se autodenominavam Repúblicas Independentes de Donetsk e de Lugansk, elas se dirigiram ao governo russo reivindicando também sua incorporação.
10. Porém, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, até mesmo para evitar um conflito direto com o governo ucraniano, não acatou o pedido de Donbáss.
Na tentativa de solucionar esse conflito interno na Ucrânia, foram firmados os acordos de Minsk I e II, que contaram inclusive com a participação de países europeus.
11. Porém, os dois acordos não foram cumpridos pelos sucessivos governos ucranianos.
12. É importante destacar que a campanha eleitoral do atual presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, teve como principal bandeira acatar as determinações dos Acordos de Minsk e, principalmente, colocar fim à guerra civil em curso no país, que já contava com muitas mortes. Em 2021 já se contabilizavam mais de 14 mil mortos.
13. Justamente devido a esse desejo dos ucranianos Zelensky teve ampla votação.
14. Porém, a falta de compromisso com as bandeiras de campanha e a ambição de tornar a Ucrânia país membro da União Europeia agudizaram ainda mais as relações entre Ucrânia e Rússia.
O pomo da discórdia era principalmente a exigência da Ucrânia em querer que o governo russo mantivesse todas as enormes benesses que a Ucrânia tinha, particularmente nas relações comerciais com a Rússia, como decorrência de acordos assumidos quando da dissolução da União Soviética.
15. Putin não concordou por uma razão muito óbvia. Em a Ucrânia se tornando membro da União Europeia, seria impossível para a Rússia, criar tratamentos diferenciados nas relações com diferentes países da União Europeia.
Um tratamento vantajoso para a Ucrânia então imporia distensões nas relações da Rússia com os demais países europeus.
Na tentativa de buscar fortalecimento das posições ucranianas, Zelensky apontou então para o desejo de se filiar à OTAN, como forma de forçar a Rússia a ceder.
Deu-se o contrário, à medida que o governo russo começou a identificar o deslocamento de reforço militar da OTAN para suas fronteiras com a Ucrânia.
Em fevereiro de 2022, diante do verdadeiro genocídio ucraniano durante 8 anos sangrentos, as Repúblicas de Donetsk e Lugansk pediram ajuda direta às Forças Armadas da Rússia.
Valendo-se de lei internacional com jurisdição na ONU, a Rússia reconheceu então a legalidade de Donetsk e Lugansk, o que lhe permitiu levar suas tropas para essas duas Repúblicas.
O que clara, legal e oficialmente, consubstancia o direito da Rússia de permanecer nessas duas repúblicas por pedido expresso das autoridades daquelas regiões.
Todo o resto já é de conhecimento nosso e do presidente Lula.
Termino aqui as minhas reflexões, já que o meu objetivo era apenas apresentar razões para o presidente Lula evitar difundir que a Rússia TERIA INVADIDO TERRITÓRIO UCRANIANO.
Obviamente, não me furtarei a ampliar este debate, se necessário.
Um grande abraço e forte desejo em contribuir para o fortalecimento e desenvolvimento soberano de nosso país e de nosso governo democrático.
Estamos juntos!
Gezilda Lima é jornalista, economista e produtora/diretora de cinema. Morou em Moscou de abril de 2000 a novembro de 2022.
Publicação de: Viomundo