Faculdade de Direito da UnB decide pela obrigatoriedade da disciplina Direito e Relações Raciais

O coletivo Ocupação Negra, formado por estudantes negras e negros da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), comemorou vitória sobre a votação da obrigatoriedade da disciplina “Direito e Relações Raciais” no novo Projeto Pedagógico da Faculdade de Direito. A plenária, que abriu espaço para os estudantes junto à coordenação, foi colocada em pauta na manhã da última sexta-feira (25).

A medida representa mais um avanço do movimento negro no espaço da UnB desde a implantação das cotas raciais. Segundo o manifesto lançado pelo grupo, a implementação da disciplina como obrigatória no novo Projeto Político-Pedagógico da Faculdade, “é um passo fundamental e necessário para que a Faculdade continue aprofundando seu processo de mudança”.

Segundo o diretor da Faculdade de Direito, Alexandre Bernardino, a crítica jurídica às relações raciais e à questão de gênero já fazem parte do currículo. “Temos muitos pesquisadores e pesquisadoras que trabalham essas temáticas e as trazem para a sala de aula”. Ele acrescenta que a novidade dessa disciplina é que agora “ela será obrigatória em extensão, pois haverá uma mudança curricular em todos os cursos da Universidade de Brasília, que precisarão ter 10% de extensão universitária em seus currículos, e essa disciplina será uma das obrigatórias nessa modalidade”.

De acordo com Juliana Araújo Lopes, uma das coordenadoras do coletivo Ocupação Negra, a iniciativa foi concebida para garantir que questões raciais sejam discutidas de forma estruturada dentro do currículo da faculdade. “A disciplina de Direitos e Relações Raciais foi ministrada pela primeira vez aqui na Faculdade de Direito da UnB no primeiro semestre de 2017. Desde então, ela vem contribuindo para o combate ao racismo e para a promoção da equidade no ensino”, afirmou.

Além da UnB, outras instituições brasileiras já tornaram a disciplina de Direitos e Relações Sociais obrigatória em sua grade regular. Nos últimos dois anos, houve a curricularização como obrigatória da disciplina em instituições de ensino superior, a exemplo da Universidade Estadual de Feira de Santana, da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Estadual da Bahia.

Manifesto

O manifesto do coletivo aponta que trata-se, portanto, de um movimento progressivo, que deve ser verificado sucessivamente em outras universidades pelo Brasil.

“A obrigatoriedade se torna indispensável para que o debate sobre relações raciais não seja algo periférico e destinado apenas aos predispostos e interessados, passando a ser entendido, desde o começo do curso, como parte inerente da formação humanista que se espera de um bacharel em direito”, destaca a carta da Ocupação Negra da Faculdade de Direito da UnB.

Lopes ressalta que a importância dessa implementação é fundamental para a compreensão da realidade social brasileira e para o trabalho de garantia de direitos e justiça. Ela considera que a “Constituição Cidadã”, na prática, foi insuficiente para resolver a estrutura de opressão e exploração de pessoas negras no Brasil e suas consequências. “A Ordem Constitucional Brasileira atual tem previsão de instrumentos para combate ao racismo, que não têm sido respeitados nos mais de 30 anos da Constituição Federal”, afirma.

O manifesto também considera que diante das estatísticas que apontam como a população negra “aquela que apresenta os maiores déficits na concretização de seus direitos, bem como é a principal vítima da violência do Estado”.

O professor Bernardino considera que a necessidade de debate sobre racismo, a violência contra as mulheres e a população LGBTQIA+, assim como a sociabilidade que promove a exclusão de grupos oprimidos e minoritários da representatividade política, deve ser incluída no estudo acadêmico do Direito e no acesso à justiça.

“Toda essa dinâmica deve ser incorporada na análise dos cursos de Direito, pois não adianta termos uma normativa que proteja esses setores da sociedade, enquanto na realidade enfrentamos processos contínuos de violação de direitos e violência contra essa população”, afirma.

Para o coletivo Ocupação Negra o bacharel em Direito que não seja versado no debate sobre relações raciais “é um jurista não plenamente formado para lidar com dilemas estruturais da sociedade brasileira. Essa ausência de letramento racial não só rebaixa suas capacidades de apresentar soluções cidadãs a problemas jurídicos, como potencialmente o torna um agente perpetrador da exclusão racial vigente no país”.

Questões de gênero

Além de abordar questões raciais, a nova disciplina também incorpora temáticas de gênero. Juliana enfatizou que “a disciplina sempre teve um perfil interseccional”, afirmando que as duas temáticas são indissociáveis. “Acredito que podemos trazer a associação de gênero nesse curso com muita naturalidade. É outro foco que sempre esteve imbricado com a questão racial, especialmente pelo protagonismo de mulheres negras na luta contra o racismo no Brasil”, ressalta.

A inclusão dessa pauta na disciplina representa um passo significativo para reconhecer as intersecções entre racismo e sexismo. Juliana destaca que “as experiências das mulheres negras são marcadas tanto pela discriminação racial quanto pela opressão de gênero e isso deve ser refletido nas discussões acadêmicas”. Ela acrescenta que “a nova abordagem permitirá que os estudantes compreendam como as desigualdades de gênero e raça se entrelaçam, resultando em formas únicas de opressão e resistência”.

Próximos passos

A bibliografia da disciplina “Direito e Relações Raciais” foi cuidadosamente elaborada para refletir a diversidade e a complexidade das questões raciais e de gênero no contexto jurídico brasileiro. Juliana Araújo Lopes destacou que “não existe uma bibliografia fixa, mas sempre há variações a cada semestre”, garantindo que o conteúdo permaneça atualizado e relevante para os estudantes.

Quanto aos próximos passos, Bernardino informou que o projeto pedagógico está sendo enviado para a administração superior da universidade e que “a aprovação desse projeto político-pedagógico deve ocorrer em aproximadamente um ano”, após o qual a disciplina será implementada de forma imediata. Ele finalizou ressaltando que, “embora já tenhamos disciplinas optativas e de conteúdo variável que abordem essas temáticas, a implementação da disciplina como obrigatória é um passo fundamental para a formação dos estudantes”.

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Publicação de: Brasil de Fato – Blog

Lunes Senes

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