Evangélicos progressistas reagem ao massacre da Penha e do Alemão
Manifesto Global da Teologia Negra, lançado na terça-feira (4/11), denuncia estruturas coloniais e racistas e reafirma compromisso da fé com direitos humanos
Por Clara Fagundes, no site do Cebes
O massacre da Penha e do Alemão, durante a operação policial de 28 de outubro no Rio de Janeiro, provocou reação de lideranças evangélicas negras e progressistas.
O lançamento do Manifesto Global da Teologia Negra, na terça feira, 4/11, reafirmou a fé comprometida com direitos humanos e a dignidade dos povos, em um contraponto à violência.
Lançamento do Manifesto Global de Teologia Negra, em São Paulo
“Diante do avanço de movimentos de extrema direita com agenda que ameaçam povos africanos e afrodescendentes, o campo negro protestante brasileiro cumpre um papel central no debate global entre igreja evangélica e uma vasta tradição de luta pela liberdade negra”, afirmou Jackson Augusto, coordenador do Movimento Negro Evangélico.
O massacre do Rio de Janeiro foi um evento político, observam analistas e militantes. Planejada e amplamente divulgada, a ação de Cláudio Castro representou uma tentativa de reorganizar as relações de poder nas favelas, alimentando o discurso do “narcoterrorismo” para legitimar a ascensão dos operadores da violência.
Bolsonaro liderou a votação entre entre evangélicos, mas o culto à violência é ecumênico.
O governador Claudio Castro foi aplaudido de pé ao chegar à missa do Dia de Finados, na Barra da Tijuca, após o massacre. Na homília, condolências aos quatro policiais mortos e silêncio sobre os corpos amontoados na Praça São Lucas.
Espiritualidade capturada pela violência
“Claudio Castro é um cantor católico, ligado ao grupo Canção Nova, e se move num ambiente que reproduz suas visões de mundo. Ver ele sendo aplaudido numa missa após o massacre é o retrato de uma espiritualidade capturada pela guerra”, avalia a coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, Valéria Zacarias.
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“Não temos pena de morte no Brasil. Não podemos aceitar operações que matam 121 pessoas como se fosse limpeza social”, reforça.
“A instrumentalização da religião transforma espaços de devoção em palcos de polarização, onde a defesa da vida passa a ser vista como ato de oposição”, pondera.
“Nós, da Frente de Evangélicos pelo Estado do Direito, fizemos uma revista de estudos de escola bíblica dominical, mapeando textos bíblicos onde era possível fazer uma relação com a situação de violência que o país já vem vivendo há muitos anos, como a nossa fé lida com isso e pode ter respostas para isso. Eu diria que o principal contraponto teológico que a gente pode fazer é a leitura bíblica desarmada, uma leitura que reconheça a centralidade do Cristo, desse Cristo que morreu numa morte extremamente violenta por todos nós”, afirma.
O historiador Carlos Fidelis, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), lembra que o Brasil ainda carrega uma “ferida aberta” desde a escravidão, marcada pelo abandono da população negra após a abolição.
“Estamos falando de gente que construiu esse país e que continua sendo descartada. O que vimos no Rio foi uma demonstração de barbárie que fere a condição humana”, afirmou Fidelis.
Fidelis também alerta que o autoritarismo e o golpismo não foram derrotados e que as reações democráticas — inclusive as de inspiração religiosa — são fundamentais para conter essa escalada.
“Posições como essa são fundamentais para recuperarmos a trajetória em direção a um processo civilizatório alicerçado em uma democracia efetiva e uma cidadania de fato. Saúde é muito mais do que apenas ausência de doença. Trata-se de um empreendimento coletivo inscrito no âmbito do bem comum”, avalia.
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Publicação de: Viomundo
