Dalva Garcia, sobre o Novo Ensino Médio: Nada de novo sob o sol, a não ser cansaço e falta de esperança

Nada de novo sob o sol

Por Dalva Garcia*

Tenho acompanhado com certo interesse as repercussões do desastre anunciado acerca das mudanças do novo ensino médio.

Como todos os desastres anunciados, frutos do descaso do poder público, choramos tarde demais as consequências do que se costuma designar “acidente”.

Variadas têm sido as explicações: falta de professor, falta de formação do professor para a revolução educacional, despreparo de sistemas de ensino ultrapassados, período necessário de adaptação para mudanças futuras inovadoras na área educacional…

Não iria estranhar se aparecesse um neologismo qualquer para justificar o injustificável.

O fato é que desde a década de 80 do século passado se discute as indefinições dos objetivos do Ensino Médio.

Até os anos de chumbo da ditadura essa era uma etapa do que chamamos hoje de básico, que não era nada básica. Etapa de educação a que tinha acesso a elite bem nutrida do país.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 5.692 que se fez de democrática em plena ditadura resolveu alterar isso: ensino médio técnico para filhos de trabalhadores analfabetos.

A demanda do processo de implantação de multinacionais instaladas no país exigia algo da educação.

Mesmo que a sempre constante farsa democrática. O resultado de uma educação tecnicista capenga se escancarou na década de 80.

Nem a elite tinha estofo para o curso universitário, nem o futuro trabalhador tinha preparação mínima para suas funções. Analfabetismo funcional foi o neologismo criado. Era preciso combatê- lo.

Pedagogia de projetos, construtivismo e outros ismos afloraram no discurso educacional como possíveis maneiras de remediar o estrago.

A nova LDB deu sinais obtusos só na década de 90. É também no final dos anos 90 e início do ” milenium” que o chamado terceiro setor avança suas garras sobre a educação.

Todos parecem poder fazer mágica, desde que ganhem licitações e financiamentos gordos. Cartilhas, publicações que agitam o mercado editorial, vídeos educacionais, canais de Tv, etc e tal.

Considero ainda cedo para avaliar essa parafernália…

Teve efeitos noviços e outros nem tanto. Mas é preciso reconhecer que as políticas educacionais é que mudaram um pouquinho a face do país.

Filhos de trabalhadores analfabetos em pesquisa no exterior, através do Programa Ciência sem Fronteiras, alunos de periferia frequentando as recém-criadas Universidades Federais. Alunos de ensino médio protagonizando protestos de dimensão nacional.

Era preciso estancar a sangria. Novos neologismos: as áreas do conhecimento e suas tecnologias. Educação integral, ou melhor, de período integral para evitar a rua, quiça, os possíveis protestos.

A agenda de ” projetos de vida” calcados no que se denominou ” pedagogia ativa” , pró-atividade do jovem empreendedor.

Mas nada disso foi suficiente. Era preciso uma canetada fatal: o decreto de um presidente interino. E eis o novo que parecia ser uma boa novidade.

Mas as novidades envelhecem rápido. Na maioria deste país alunos terminando o Ensino Médio percebem o engano.

Currículos de expansão de escolhas de jovens não respeitadas, cardápio de itinerários educativos que levam à subnutrição do conhecimento e a pior crise financeira, que leva ao subemprego ou desemprego.

Deixemos então de hipocrisia. É mais do que hora de se admitir o erro e revogar esse Novo Ensino Médio.

Antes que o estrago seja maior.

Antes que a novidade se desgaste no mercado educacional de discursos vazios que sequer as crianças podem acreditar.

De fato, não há nada de novo sob o sol. A não ser o cansaço e a falta de esperança.

*Dalva Garcia é professora de Filosofia na rede pública de São Paulo.

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Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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