Conselho aprova resolução sobre aborto legal para crianças e adolescentes, e caso gera divergências com governo

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) aprovou, na segunda (23), por 15 votos a 13, uma resolução que fixa diretrizes para o atendimento de crianças e adolescentes em casos de aborto legal. A decisão colocou em lados opostos os representantes da sociedade civil, favoráveis às orientações, e os 13 representantes do governo federal no órgão, que se posicionaram de forma contrária na votação. A divergência gerou repercussões entre especialistas. Ex-presidente do Conanda e ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o advogado Ariel de Castro Alves disse que a posição assumida pela gestão Lula é “surpreendente e inusitada”.

“O Conanda tem legitimidade para debater e aprovar resoluções sobre os direitos e sobre a promoção, a defesa e a proteção de crianças e adolescentes, inclusive de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Sabemos que o Conanda deve respeitar os limites legais e constitucionais com relação à temática do aborto – que são os casos de risco à vida das gestantes, gravidez decorrente de estupro e fetos com anencefalia, conforme previsão também do Supremo Tribunal Federal para a realização do chamado aborto legal –, mas a resolução que foi aprovada respeitou todas essas regras legais e as previsões constitucionais e do próprio STF”, argumenta Alves.

A resolução aprovada traz, ao longo de 22 páginas, definições gerais relacionadas ao tema; diretrizes sobre a prevenção da violência sexual e da gestação na infância, com a indicação dos deveres que cabe às instâncias do Estado diante de casos do tipo, entre outras coisas. O documento menciona, por exemplo, “que toda criança e adolescente tem direito a ter acesso a informações sobre seu próprio corpo que permitam a identificação e a denúncia de situações de violência sexual”. A resolução enumera ainda uma série de orientações sobre como deve se dar o atendimento de casos de violência no âmbito do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA), os direitos do público-alvo, entre outros pontos.

Governo

Em nota oficial divulgada à imprensa na segunda (23), o governo federal alegou que teria havido problemas no ritual da sessão do Conanda em que foi votada a resolução. No texto, a gestão não fez menções relacionadas a eventuais divergências ideológicas ou de conteúdo.

“Durante a discussão da proposta, o governo questionou insistentemente os termos da resolução e o MDHC [Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania] fez um pedido de vistas, conforme previsto pelo regimento interno do colegiado. Em seguida, solicitou parecer da consultoria jurídica do ministério. O parecer indicou, entre outros aspectos, que a minuta de resolução apresentava definições que só poderiam ser dispostas em leis – a serem aprovadas pelo Congresso Nacional –, indicando a necessidade de aperfeiçoamento e revisão de texto, garantindo maior alinhamento ao arcabouço legal brasileiro”, argumenta a gestão.

“Nesse sentido e fundamentado no parecer jurídico, na reunião extraordinária ocorrida na segunda (23), foi feito novo pedido de vistas por representante do governo. Embora o pedido de vistas seja direito de qualquer conselheiro previsto regimentalmente, o pedido foi colocado em votação e negado pelo pleno do Conanda, e a resolução foi posta em votação e aprovada, apesar dos votos contrários de todos os representantes do governo. Ao considerar as políticas públicas destinadas à atenção integral à criança e ao adolescente vítima de violência, o governo federal segue em consonância com a legislação que resguarda a prioridade absoluta de crianças e adolescentes, reafirmando estar aberto ao amplo debate com a sociedade e todos os poderes”, continua a nota.

Faíscas

Ariel de Castro Alves afirma que esse tipo de divergência entre governo e sociedade civil para a aprovação de resoluções seria inédito no histórico do Conanda. “Geralmente, a aprovação das resoluções acaba sendo consensual. Essa falta de sintonia pode acabar enfraquecendo a normativa que foi aprovada, já que ela vem sendo contestada por setores conservadores e pelas bancadas religiosas do Congresso. Ou seja, o governo federal, contrariando as suas próprias diretrizes do Ministério da Saúde, do Ministério dos Direitos Humanos (MDHC) em vários documentos anteriores, se soma aos setores conservadores e às bancadas religiosas no Congresso”, lamenta o ex-presidente do órgão.

Alguns atores políticos comentaram a aprovação da norma por parte do Conanda. É o caso da deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP), que, em manifestação feita pelo “X” (ex-Twitter), disse que a decisão seria um “passo importante para proteger crianças e adolescentes, assegurando seus direitos”. 

Na via oposta, bolsonaristas repercutiram o assunto com críticas ao Conanda. O segmento é crítico ao aborto legal e patrocina, no âmbito do Congresso Nacional, um conjunto de propostas reacionárias que tentam reverter a autorização legal já concedida no país para os casos de gravidez após estupro, risco de vida à gestante e fetos anencéfalos. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), por exemplo, decidiu questionar a resolução no Poder Judiciário. Alegando “atropelo regimental” por parte do colegiado e divergências com o conteúdo do documento aprovado, a parlamentar ingressou com uma ação na Justiça Federal de Brasília (DF) para pedir a derrubada da norma. O caso está a cargo da 20ª Vara Federa Cível. 

Conanda

O Brasil de Fato tentou ouvir a presidência do Conanda para tratar das críticas feitas pelo governo federal e pela senadora Damares Alves, mas não conseguiu contato com o órgão nesta terça-feira (24) até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto, caso o conselho queira se manifestar.

 

Publicação de: Brasil de Fato – Blog

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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