Censura a relatório da Comissão Nacional da Verdade viola direito à verdade e à memória das vítimas da ditadura militar
Censura judicial ao relatório da Comissão Nacional da Verdade é inadmissível e um atentado ao direito à verdade e à memória no Brasil.
A decisão do Juiz Hélio Silvio Ourém Campos, da 6a Vara da Justiça Federal de Pernambuco, determinando a retirada de trechos do relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) é censura inaceitável e uma violação ao direito à memória e à verdade das vítimas da ditadura, de seus familiares e de toda a sociedade brasileira.
Segundo informação pública, menções ao nome de Olinto de Sousa Ferraz, ex-coronel da Polícia Militar de Pernambuco, foram censuradas judicialmente no relatório final da CNV disponibilizado no Arquivo Nacional.
Olinto de Sousa Ferraz foi diretor da Casa de Detenção do Recife à época em que o militante Amaro Luiz de Carvalho foi morto no local.
A CNV aponta em seu relatório a sua “responsabilidade pela gestão de estruturas e condução de procedimentos destinados à prática de graves violações de direitos humanos”.
Já havíamos acompanhado um outro precedente de 2017, no qual o juiz Friedmann Anderson Wendpap, responsável pelo último despacho do caso, determinou a modificação de documentos custodiados em caráter permanente pelo Arquivo Nacional e não apenas decidiu que a instituição deveria suprimir trechos de documentos, como também impôs a inclusão de novas páginas em relatório recolhido meses antes.
O caso envolve os documentos que mencionam Ney Braga (1917–2000), militar e político paranaense que exerceu diferentes cargos durante o período da ditadura. Neste caso, a União conseguiu reverter, pelo menos, a decisão de suprimir partes do relatório. A apelação, no entanto, não foi capaz de deter a decisão pela inserção de documentos no dossiê oficial.
Este tipo de sentença judicial é ofensiva aos familiares e vítimas da ditadura, fere a Lei de Acesso à Informação (LAI) que proíbe a restrição de acesso a “informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas” e determina que “a restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não poderá ser invocada com o intuito de prejudicar processo de apuração de irregularidades em que o titular das informações estiver envolvido, bem como em ações voltadas para a recuperação de fatos históricos de maior relevância”.
As decisões judiciais ofendem também a ampla jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em matéria de memória, verdade e justiça, além das sentenças especificamente dirigidas ao Brasil (Caso Gomes Lund e Caso Vladimir Herzog) que determinou a todas as autoridades de todos os poderes do país a adotar medidas para garantir o direito à memória e à verdade.
Ademais, a ação judicial da Vara de Pernambuco foi conduzida sem a necessária intervenção do Ministério Público Federal, obrigatória em matéria de justiça de transição, especialmente quando se discute o direito à verdade e à memória.
Frente a esse novo e gravíssimo precedente, responsabilizamos o governo de Jair Bolsonaro, notório negacionista da ditadura e abjeto defensor da repressão, pela omissão da Advocacia-Geral da União em seu dever de defender o direito fundamental de acesso à informação, à memória e à verdade, ao não apresentar recurso contra a decisão e emitir parecer interno pela sua imediata execução, inclusive, determinando ao Arquivo Nacional uma execução excessiva da sentença.
As motivações formais e públicas para a não interposição de recurso devem ser transparentes e explicadas pela AGU e, se necessário, apuradas pelos órgãos de controle da Administração Pública.
Demandamos ao sistema de justiça brasileiro a anulação da sentença, e que as autoridades pertinentes proponham uma ação rescisória pois se trata de decisão atentatória às leis nacionais, que viola os compromissos internacionais do Brasil e, principalmente, viola os direitos das vítimas e dos familiares de vítimas.
Para que não se esqueça. Para nunca mais aconteça.
Assinam:
Ex-Conselheiros e ex-conselheiras da Comissão de Anistia Manoel Moraes
CASC – Comitê de Acompanhamento da Sociedade Civil (vítimas e familiares)
Entidades
ABRAPSO – Associação Brasileira de Psicologia Social.
ADNAM – Associação Democrática e Nacionalista dos Militares
Associação Cultural José Martí-RJ
Associação dos Metalúrgicos Anistiados e Anistiandos do ABC- AMA-A ABC.
ATAMIG
Casa da América Latina
Centro Cultural Manoel Lisboa de Pernambuco- CCML-PE
Centro de Estudos e Ação Social Dom Helder Camara – Cendhec
Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu
CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
Coletivo Fernando Santa Cruz
Coletivo Filhos e Netos por Memória Verdade Justiça
Coletivo RJ Memória Verdade Justiça e Reparação
Coletivo Testemunho e Ação POA/RG
Comitê Memória, Verdade e Justiça para a Democracia-PE- CMVJD-PE
CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço
ELO Ligação e Organização
Equipe Clínico Política RJ
Fórum de Reparação e Memória do RJ
Fórum Memória, Verdade, Justiça do ES.
Grupo Os Amigos de 68
Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia
Grupo Tortura Nunca Mais/ RJ- GTNM/RJ
Grupo Tortura Nunca Mais – Foz do Iguaçu
Grupo Tortura Nunca Mais/ SP
Laboratório de Psicanálise e Laço Social – UFF
Movimento de Justiça e Direitos Humanos
Núcleo de Pesquisa em Psicanálise e Política / UFF
Núcleo de Preservação da Memória Política, saúde São Paulo
Núcleo Transdisciplinar Subjetividades, Violências e Processos de Criminalização, Transcrim – UFF
Observatório de DH, Saúde e Justiça Criminal do Espírito Santo
Observatório Nacional de Saúde Mental, Justiça e Direitos Humanos da UFF
Plenária Anistia Rio
Portal Favelas
Psicanalistas Unidos pela Democracia
ABJD Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
AJD Associação Juízes para a Democracia
Comitê Memória, Verdade e Justiça do Ceará.
Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial
Instituto Augusto Boal
Instituto de Cidadania e Direitos Humanos MG
Instituto de Estudos da Religião – ISER
Justiça Global
NAPAVE- Núcleo de Atenção Psicossocial a Afetados pela Violência de Estado Apoios individuais:
Adelino Ribeiro Chaves – diretor da ASTAPE-RJ FENASPE
Aderson Bussinger – diretor do Centro de Documentação e Pesquisa OAB/RJ
Álvaro Caldas, jornalista
Aluizio Palmar
Amparo Araújo, Comissão Nacional de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Ana Maria Muller, advogada
Ana Maria Sarzedas, Professora
Anacleto Julião, antropólogo e ex-exilado político.
Ângela Arruda
Beth Formaggini – documentarista
Cecilia Boal – psicanalista e atriz
César Augusto Chaves Fernandes, jornalista
Célia Regina Pereira Lago – militante
Comandante Luiz Carlos S. Moreira, oficial cassado em 1964
Diva Soares Santana
Edival Nunes Cajá, sociólogo, ex-preso político.
Edson de Oliveira- Edinho Ferramenta- ATAMIG
Eliete Ferrer, militante da Direitos Humanos
Eliana Bellini Rolemberg, socióloga
Elysio de Oliveira Castro Filho, Músico e Artista Plástico
Jandyra Uehara Alves – secretária nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT
Eneida Canedo Guimarães dos Santos, Anistiada Política
Jandilson Soares Junior – Professor
Jane de Alencar- ColetivoRJ MVJR
Jair Krischke – MJDH
Jessie Jane Vieira – UFRJ
Jitman Vibranovski – ator de Militantes em Cena
Leta Vieira de Sousa
Lilia Gondim, economista, militante de Direitos Humanos
Liszt Vieira – advogado
Luiz Alberto Moreira da Silva, Professor de História
Manoel Severino Moraes de Almeida – presidente do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social
Marcelo Santa Cruz, advogado e ativista dos Direitos Humanos.
Maria América Diniz Reis- anistiada politica
Maria das Dores Machado – professora
Maria Elisabete Barbosa de Almeida, Comitê por Memória, Verdade e Justiça do DF
Rosa Cimiana dos Santos, anistiada e representante dos anistiandos/as
Tânia Soares Castro, Socióloga
Tamara André, sindicalista e presidente do CDHMP
Tânia Felicidade Costa Lino de Oliveira, professora
Movimento de Educação Popular em Saúde
Vera Joana Bornstein
Vera Vital Brasil, psicóloga
Publicação de: Viomundo