Carlos Cleto: ‘A foto do soldado tremulando a bandeira da URSS só pode ser feita porque o Exército Vermelho conquistou o Reichstag’

Por Conceição Lemes

O fotógrafo Evgeny Khaldey, da agência Tass, é o autor da imagem do soldado fazendo tremular a bandeira da União Soviética (URSS) em cima das ruínas do parlamento alemão, o Reichstag, em Berlim.

É o final da Batalha de Berlim, uma das mais sangrentas da Segunda Guerra Mundial.

Simboliza a vitória contra o horror nazista.

A foto original é em branco e preto.

Khaldey, com papelão e as lentes dos óculos da avó, fabricou a sua primeira câmera.

Em 1941, contratado pela agência de notícias soviética Tass, ele cobriu a Segunda Guerra desde a abertura da frente russa.

Acompanhou o avanço do Exército Vermelho pelas regiões da Crimeia, dos Balcãs, da Hungria e da Romênia até chegar a Berlim, onde registrou o momento em que um soldado içava a bandeira vermelha sobre as ruínas do Reichstag.

A cena, porém, não foi espontânea.

Khaldey convenceu dois soldados (os sargentos Mikhail Yegorov e Meliton Kantaria) a hastearem uma bandeira feita por seu tio com uma toalha de mesa.

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Sua intenção era apenas homenagear as tropas soviéticas.

A foto foi tirada em 2 de maio de 1945 e reproduz cena de dois dias antes, quando as tropas russas e polonesas tomaram o parlamento alemão.

Na ocasião, uma bandeira da URSS foi içada no topo do Reichstag. Porém, um atirador alemão derrubou-a.

Em 2 de maio, Khaldey reproduziu o momento e registrou. Hitler já estava morto há dois dias.

A agência Tass divulgou a foto como se tivesse sido feita em 30 de abril, ainda durante os combates.

Mesmo retocada para eliminar alguns detalhes (relógios que denunciavam as pilhagens de corpos em Berlim) e incluir fumaça no horizonte para criar um efeito de batalha, a imagem segue rodando o mundo até hoje.

— Ah, mas a cena foi montada para a foto… — talvez alguém a questione. 

O historiador e advogado Carlos Cleto responde no texto abaixo.

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‘DRUMMOND VIVEU PARA VER O EXÉRCITO VERMELHO ENTRAR E TRIUNFAR EM BERLIM’

Por Carlos Cleto*

Aqueles foram anos de terror. Anos de horror e miséria, em que o medo da tirania nazista oprimia o planeta.

As botas do horror nazista pisotearam toda a Europa: Praga, Varsóvia, Copenhague, Oslo, Amsterdam, Bruxelas, Paris, Belgrado, Atenas, que foram entregues à sanha da Gestapo e da SS.

Milhões de pessoas foram fria e sistematicamente exterminadas. Nos países conquistados, a população foi submetida à repressão política cruel e selvagem. Milhões de trabalhadores foram utilizadas como escravos nas fábricas alemãs, em condições sub-humanas.

Cidades inteiras foram chacinadas em represália a atos de resistência, como Oradour sur Glane (França), Lídice (Checoslováquia) e Kalavryta (Grécia).

Em toda a Europa ocupada, a Alemanha implantou um sistema de super-exploração econômica, saqueando todos os recursos dos países ocupados, reduzindo os meios alimentares a níveis de subsistência.

Na Noruega, Iugoslávia e Grécia, onde a resistência à ocupação foi mais ativa, as represálias nazistas eram terríveis, incluindo a tomada de reféns e a chacina de inocentes, na base de dez pessoas para cada alemão morto.

Em 1941 Hitler lançou Barbarossa, a Invasão da Rússia. As divisões panzer nazistas devastaram as defesas da União Soviética, fizeram mais de um milhão de prisioneiros, destruíram milhares de vilas e cidades e chegaram às portas de Moscou.

No Brasil, Stefan Zweig, desesperado com os avanços do Eixo, suicidou-se em Petrópolis, em 1942, junto com sua esposa Lotte.

O poeta Carlos Drummond de Andrade escrevia palavras sombrias: “A noite anoiteceu tudoO mundo não tem remédioOs suicidas tinham razão”.

Mas a maré da guerra virou: Barbarossa foi derrotada às portas de Moscou.

Privado da possibilidade de uma vitória total, Hitler lançou a Operação Azul, para conquistar o petróleo da região do Cáucaso e tentar vencer a União Soviética privando-a do combustível indispensável ao funcionamento da máquina de guerra. Novamente as divisões nazistas pareceram invencíveis e acumularam vitória atrás de vitória na região sul da União Soviética.

O precioso petróleo do Cáucaso parecia estar ao alcance das mãos de Hitler. Mas as tropas alemãs estavam muito dispersas, espalhadas por uma imensa extensão de território.

Hitler mordera mais do que podia engolir… O Stavka, alto comando soviético, lançou a Operação Urano, e cercou meio milhão de soldados do eixo em Stalingrado.

Em fevereiro de 1943, o Marechal Paulus se rendeu em Stalingrado. Uma derrota decisiva para Hitler. Naquele mesmo ano, em Kursk, as divisões blindadas de Hitler foram destroçadas pelo Exército Vermelho.

No ano seguinte, em 1944, a União Soviética lançou a Operação Bagration, destruindo o Grupo de Exércitos Centro e rompendo definitivamente a frente oriental.

A partir daí, foi o dilúvio: os exércitos soviéticos atravessaram a Polônia, e invadiram a Alemanha.

A última linha de defesa, no largo Rio Óder, foi rompida em março de 1945, quando o Exército Vermelho conseguiu cruzar o rio em Küstrin, deixando as tropas soviéticas a apenas 50 km de Berlim. Hitler agora comandava tropas fantasmas, que só existiam em sua imaginação.

Em abril de 1945, o Exército Vermelho entrou em Berlim. Quando as tropas soviéticas estavam a 500 metros do bunker subterrâneo onde o ditador se escondia, Hitler cometeu suicídio.

Era o fim do horror. A bandeira vermelha da União Soviética tremulou sobre a capital nazista enfim derrotada.

A bandeira vermelha como símbolo da vitória final sobre o terror nazista. A bandeira vermelha em memória dos vinte milhões de mortos com que a União Soviética pagou sua vitória.

No Brasil, Drummond, aquele mesmo que cultivara a Esperança de “Aurora, (…) O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos (…) Havemos de amanhecer.”, e depois duvidara dessa Esperança, viveu para ver o Exército Vermelho entrar e triunfar em Berlim:
Olha a esperança à frente dos exércitos,
olha a certeza. Nunca assim tão forte.
Nós que tanto esperamos, nós a temos
com o russo em Berlim.
(“Com o Russo em Berlim”, em “Rosa do Povo”)

E não importa que a cena foi montada para a foto.

Isso também aconteceu com a foto vencedora do Prêmio Pulitzer, “Raising the Flag on Iwo Jima“, de Joe Rosenthal, que disse: “Se nós pudemos encenar o levantamento da bandeira no alto do Suribachi, é porque nossas tropas conquistaram o Suribachi”.

O mesmo pode ser dito sobre a foto de Khaldey. Se a foto pôde ser feita, é porque o Exército Vermelho conquistou o Reichstag.

*Carlos Cleto é historiador e advogado.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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