Camisa amarela da Seleção será trocada por azul ou verde

Foto: Denys Lacerda/EM/D.A Press

O clima é de Copa do Mundo ou de manifestações? O período pós-eleições e pré-Copa tem gerado uma certa confusão nas ruas diante de pessoas usando a camisa da Seleção Brasileira de futebol. O simbolismo em torno da cor verde-amarelo ganhou novos significados com a apropriação política que a corrente bolsonarista colocou na camisa canarinho. Se nas cores da bandeira brasileira o verde lembra as matas e a ampla natureza do país, enquanto o amarelo representa o ouro e outras riquezas do Brasil, no contexto atual, as duas cores remetem ao apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL).

No entanto, a esquerda brasileira iniciou um movimento, ainda tímido, para ressaltar que, além do vermelho, o verde-amarelo também é do seu espectro político. O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), afirmou, via redes sociais, que seus eleitores não devem ter “vergonha” de usar a camisa da Seleção Brasileira, pois ela não é de apenas um partido político.

“A Copa do Mundo começa daqui a pouco e a gente não tem que ter vergonha de vestir a camiseta verde-amarelo. A camiseta não é de partido político, é do povo brasileiro. Vocês vão me ver usando a camiseta amarela, só que a minha terá o número 13”, ressaltou o petista. A “vergonha” de vestir a camisa da Seleção com o tradicional verde-amarelo é uma realidade.

O Estado de Minas foi às ruas de Belo Horizonte para conversar com pessoas que estavam com a camisa da Seleção para descobrir a motivação em utilizar a vestimenta. O estudante Vinícius Sacramento vestia uma camisa preta da Seleção e contou os motivos para não usar verde-amarelo neste ano.

“Pelos dois fatos, por causa desse lado das eleições, mas também porque eu acho essa blusa [preta] bem bonita. Mas também por conta desse fato [política] sim, é um fato relevante. Você pode pensar um pouco sobre, tentar achar uma outra, mas a primeira coisa que vem à mente é, inegavelmente, esse lado político, sem dúvida”, disse.

 

“Isso é chato, bem chato mesmo. Agora está bem fresco, bem recente. Mas espero que com o tempo volte a cultura de não olhar com um lado político, mas só como alguém que está ali torcendo pelo Brasil. Espero que com o tempo, daqui a dois, três meses ou no ano que vem, já mude essa visão”, completou Vinicius.

O administrador Leonardo dos Santos, que usava uma camisa branca da Seleção Brasileira, também disse que não vai usar verde-amarelo. Ele afirmou que não concorda com a apropriação política da canarinho e que não vai usá-la nas cores tradicionais para não “compactuar”.

“Eu defendo que isso aqui não é símbolo político, isso aqui é a camisa do nosso país, da nossa Seleção. Eu uso a branca porque verde-amarelo está muito estigmatizado na sociedade por política. Então, eu prefiro a branca, tenho a azul também, mas verde-amarelo eu não sou tão fã por conta de tudo que está acontecendo. Você sai com uma camisa verde-amarelo e uma pessoa que é petista ou de outro partido vai querer briga, fazer intriga; então, prefiro não compactuar”, afirmou.

Essa gama de “envergonhados” preocupa a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que tenta, por meio da publicidade, despolitizar a camisa da Seleção. Na propaganda divulgada logo após a convocação oficial do time brasileiro que vai ao Catar neste mês, a música do cantor Lulu Santos – “Ela me faz tão bem” – foi utilizada para se referir à camisa, mostrando, que ao menos agora ela é de todos e será usada apenas para torcer pela Seleção.

Mas a declaração de voto e apoio do atacante da Seleção Neymar ao presidente Jair Bolsonaro, no segundo turno das eleições presidenciais, dificulta o processo. Principal nome da Seleção, o jogador afirmou em outubro, em live de que participou com o presidente, que irá comemorar o primeiro gol no Catar fazendo homenagem a Bolsonaro.

Na contramão, a Nike, marca que produz a camisa da Seleção, escolheu o rapper mineiro Djonga como garoto-propaganda oficial da equipe brasileira. Durante shows que realizou nestes últimos meses, o cantor criticou o governo Bolsonaro e declarou voto em Lula. No domingo em que Lula foi eleito, Djonga compartilhou em suas redes sociais a comemoração que fez com a sua família, e na foto havia pessoas com a camisa do Brasil.

Localizado próximo às manifestações bolsonaristas ao lado da sede do Exército Brasileiro em Belo Horizonte, o ambulante Rafael Junio afirmou que, pelo local em que está, as camisas da Seleção são compradas com objetivos políticos. Mas que já observa pessoas de esquerda adquirindo a vestimenta também.

“Próximo ao Exército, devido às manifestações, 90% da saída é em prol dessa manifestação, mas nem sempre, pessoas que não dão a mínima para a política levam o produto”, disse. O ambulante ainda ressaltou que está vendendo muitas camisas azuis da Seleção Brasileira.

Ele afirmou que as pessoas que não vão às manifestações compram camisas de outras cores. No entanto, Rafael ressalta que não concorda com essa divisão. “Eu acho isso fanatismo equivocado, porque é uma camisa que representa a instituição futebolística, que é a CBF, a paixão do brasileiro. Mas atribuir uma camisa da sua pátria a um lado político, acho muito errado”, pontuou.

Gerente de uma loja de materiais esportivos no Centro de Belo Horizonte, Silvia Letícia afirmou que tem perdido vendas quando as camisas azuis, brancas ou pretas da Seleção brasileira não estão no estoque. Ela ressaltou que esse comportamento de não levar as camisas verde-amarelo ocorre muito entre as mulheres.

“É associado [com política], querendo ou não, principalmente a feminina. A masculina também tem, mas a feminina tem mais, por conta desse verde-amarelo do presidente, muita gente não compra. Já tive perda de venda por causa disso”, afirmou. A gerente afirmou ainda que tem trabalhado para encher a loja com mais camisas de outras cores para não perder vendas. E que antes de Lula ganhar a eleição, as pessoas procuravam a loja por causa de política, mas que após o segundo turno, a maioria é pela Copa do Mundo.

“A azul é muito pedida, sai muito. A preta sai bastante também. A branca com gola azul costuma sair muito também, vários modelos assim costumam sair, não só a verde-amarelo, justamente por causa disso, da política”, completou.

A camisa da Seleção Brasileira já foi usada com finalidade política em outros momentos da história do Brasil. O general Emílio Garrastazu Médici assumiu a Presidência da República em 1969, durante a ditadura militar, e usou a camisa da Seleção para fazer propaganda do seu governo durante a Copa do Mundo de 1970. O historiador especialista em história contemporânea Cledison Pereira conta que Médici era apaixonado por futebol e aproveitou para interferir nas decisões relacionadas à Seleção Brasileira.

“A Copa do Mundo de 1970, que hoje é lembrada, talvez, por ter a maior Seleção de todos os tempos, tanto que foi tricampeã, foi utilizada pelo governo Médici como propaganda do seu governo. Primeiro porque Médici era grande fã de futebol, um grande fã da Seleção Brasileira, então ele não perdeu tempo em colocar o dedo militar presidencial na própria Seleção. Primeiro ele tira o [treinador] comunista João Saldanha para colocar alguém de sua confiança, que era o Mário Jorge Lobo Zagallo”, lembrou.

“A Seleção é campeã, dando um show de futebol, a camisa do Brasil passa a ser popularizada com os jogos sendo transmitidos praticamente no mundo inteiro. Isso deu ao governo Médici a chance de fazer uma propaganda positiva do próprio governo. Porque no início dos anos 70, o Brasil está vivendo o milagre econômico brasileiro. Era um Brasil que ia para a frente economicamente, segundo os teóricos daquele governo”, explicou.

“O jingle de campanha de popularização do futebol daquela Copa era: ‘90 milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração, salve a Seleção’. Isso não é só futebol. É a divulgação de uma ideologia de que o Brasil é um país que economicamente está indo para a frente e as pessoas esquecem que tem gente morrendo pela oposição ao governo militar. Então usa-se a Seleção Brasileira, a camisa da Seleção, para propagar um governo de extrema-direita, para propagar uma ditadura”, completou.

Mas o professor lembra que a camisa também foi usada por outros espectros políticos. Um dos exemplos é quando Reinaldo Lima, ex-atacante da Seleção Brasileira, que jogou a Copa do Mundo na Argentina, em 1978, comemorava os gols do Brasil com os punhos cerrados para cima, contra a ditadura militar que ainda era parte do país.

“Ao contrário, a oposição também se fez presente. Na Copa seguinte, em 1978, na Argentina, um jogador chamado Reinaldo, que era do Atlético Mineiro, e intenso oposicionista do governo, participante do movimento negro, comemorava seus gols fazendo o gesto do movimento negro, com o punho cerrado. Isso é utilizar também a camisa da Seleção Brasileira para divulgar uma ideologia política”, afirmou.

Para os tempos atuais, o professor titular de sociologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Jorge Alexandre Neves afirmou que a onda verde-amarelo exclusivamente bolsonarista vai passar.

“Houve um uso, desde 2013, que até antecede um pouco a ascensão de Bolsonaro e do bolsonarismo ao poder, muito grande dos símbolos nacionais e com ele o da camisa da Seleção Brasileira, que é um símbolo historicamente importante do Brasil pelo peso que o futebol tem no país. E a Copa do Mundo, a nossa participação, o sucesso relativo do Brasil como um dos grandes do futebol mundial. Então, há essa associação muito forte. Agora, não quer dizer que isso vá perdurar. O próprio presidente eleito, Lula, apelou para que as pessoas usem [a camisa da Seleção Brasileira], para que esses símbolos nacionais deixem de ser associados apenas a essa extrema-direita”, disse.

Correio Braziliense  

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Publicação de: Blog da Cidadania

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