Câmara aprova PL que retoma lógica dos manicômios: ”Retrocesso”, afirma o Cebes

Câmara aprova PL que retoma lógica manicomial

Pessoas com transtorno mental ou deficiência que cometam crimes poderão ter penalidade superior aos criminosos com plena compreensão de seus atos

Por Clara Fagundes, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes

A Câmara dos Deputados aprovou ontem, 12/12, o Projeto de Lei 1637/19, que aumenta o tempo de mínimo de internação compulsória de pessoas que, em razão de transtorno mental ou deficiência, são inimputável ao cometer um crime. O PL também aumenta de 1 para 3 anos o intervalo das avaliações do internado.

“A identificação dos deputados que elaboraram e aprovaram o projeto revela o que há de mais reacionário na sociedade brasileira. São setores ligados à militância conservadora, que lucram com os retrocessos, do sentido econômico ao político-cultural. É prenúncio do que está por vir, um ataque contra Reforma Psiquiátrica, contra outras leis que garantam direitos a populações em vulnerabilidade”, avalia o psiquiatra Paulo Amarante, pesquisador da Fiocruz e ex-presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Cebes (Cebes)

Para o psiquiatra, doutor em Saúde Pública e um das principais lideranças da Reforma Sanitária, o PL “não tem qualquer fundamento”.

“O que se defende atualmente na psiquiatria é a revogação dessas ideias sobre a loucura, sobre as pessoas em sofrimento psiquico. A ideia de periculosidade visa dar fim a uma população para qual o Estado não tem política pública de cuidado e proteção “, afirma Amarante.

“É um retrocesso na luta pela Reforma Psiquiátrica, uma retomada da lógica manicomial. A doença e o sofrimento psíquico são socialmente determinados, são produzidos e organizados política e economicamente. O encarceramento por tempo indeterminado não cura, agrava o problema”, afirma o professor Itamar Lages, mestre em Saúde Mental e diretor-executivo do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde Cebes (Cebes).

O PL pode levar a penalidade superior à prevista para o próprio ato criminal. Foram apensados projetos de similar teor, incluindo o PL 551/2024 .

“Criar uma legislação que discrimina pessoas segundo um critério mítico e objetivamente inverificável de “periculosidade”, obrigando sua internação em serviços de saúde de características carcerárias e excludentes, é, por conseguinte, inconstitucional”, afirma Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial (Renila), em carta aberta subscrita pelo Cebes e mais de 500 entidades e coletivos.

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A Associação Brasileira de Saúde Mental publicou nota técnica contra o PL 551, apensado ao projeto.

“Estamos discutindo mudança no Código Penal de pessoas que não têm discernimento do ato que cometeram. E aqui se está estabelecendo praticamente uma prisão perpétua, porque aqui se está estabelecendo que essas pessoas têm que ficar, no mínimo, de 3 a 20 anos, e apenas de 3 em 3 anos elas terão avaliação multidisciplinar para ver a cessação ou não da periculosidade”, afirmou, na Câmara a deputada Érika Kolkay (PT-DF).

Reforma Psiquiátrica

A reforma psiquiátrica remonta às ideias do italiano Franco Basaglia, que revolucionou, a partir da década de 1960, as abordagens e terapias no tratamento de pessoas com transtornos mentais.

Em 1978, denúncias de profissionais da Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam/MS) sobre graves violações humanitárias em instituições psiquiátricas levou à demissão da maioria dos denunciantes.

Em 1987, foi fundado o movimento antimanicomial, trazendo o protagonismo dos usuários à luta pela Reforma Psiquiátrica, então encampada por profissionais da Saúde.

A intensão pressão social levou à aprovação, em 2001, da Lei da Reforma Psiquiatra, que organiza a assistência em Saúde Mental no Brasil.

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Publicação de: Viomundo

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