Bolsonaro tenta reescrever história em entrevista ao UOL

A entrevista de Jair Bolsonaro ao UOL, nesta terça-feira (14), marca o retorno calculado do ex-presidente ao centro do noticiário político. Em quase duas horas de conversa, transmitida ao vivo, ele não apenas tentou limpar sua biografia — hoje manchada por denúncias de golpe de Estado, escândalos no INSS e ataques ao Supremo — como também ensaiou um novo roteiro para as eleições de 2026.

Bolsonaro falou como quem tenta manter relevância num tabuleiro que começa a se reorganizar sem ele. Alternando tom de mártir com doses de provocação, o ex-presidente se apresentou como vítima de uma perseguição política, voltou a culpar a esquerda pelos ataques de 8 de janeiro, cobrou lealdade de governadores aliados e sugeriu que Michelle Bolsonaro pode ser o nome da vez no campo conservador.

A fala, porém, revela mais do que uma estratégia de sobrevivência. Expõe o desespero de um político acuado pela Justiça e pressionado por sua própria base, que já começa a flertar com alternativas ao bolsonarismo puro. E, ao mesmo tempo, escancara o risco da naturalização de discursos autoritários travestidos de “liberdade de expressão”.

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“Golpe da Disney”: negacionismo e vitimismo em cadeia nacional

Ao ser confrontado sobre a tentativa de golpe e os atos de 8 de janeiro de 2023, Bolsonaro adotou a tática do negacionismo — ao mesmo tempo em que admitiu ter discutido medidas de exceção com os comandantes militares. Disse que os acampamentos bolsonaristas chegaram ao local “já depredado” e que tudo teria sido uma “inspiração da esquerda no Capitólio”.

A contradição é evidente: o mesmo Bolsonaro que admite articulações nos bastidores tenta se eximir do resultado prático da conspiração. O ex-presidente chamou a ação penal no STF de “perseguição política”, e afirmou que sua defesa não teve acesso total às provas. Reclamou ainda de uma suposta “falta de isenção” do ministro Alexandre de Moraes.

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Mauro Cid, delação e “pau de arara do século 21”

Num dos trechos mais graves da entrevista, Bolsonaro acusou Moraes de “torturar” Mauro Cid — seu ex-ajudante de ordens — para forçar uma delação. Usou o termo “pau de arara do século 21”, comparando as pressões psicológicas a métodos de tortura física.

Sem provas, o ex-presidente disse que o depoimento de Cid foi obtido sob coação e sugeriu que a menção à filha e à esposa do tenente-coronel foi usada como chantagem emocional. A fala tenta esvaziar o conteúdo da delação, que já compromete Bolsonaro em diversas frentes — da falsificação do cartão de vacina ao planejamento do golpe.

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INSS: escândalo usado como escudo

Bolsonaro surpreendeu ao admitir que “é possível” que fraudes no INSS tenham começado em seu governo. Mas, rapidamente, transferiu a responsabilidade para Lula. Destacou que partidos de esquerda não assinaram o pedido de CPMI e tentou posar como defensor da apuração.

A tática é conhecida: utilizar um escândalo que fere o governo atual para desviar o foco das próprias omissões. Ao mesmo tempo, busca sinalizar para aposentados e pensionistas — uma base eleitoral que sempre lhe foi fiel.

Michelle, Tarcísio e a sombra de 2026

Questionado sobre seus sucessores, Bolsonaro elogiou Michelle Bolsonaro e Tarcísio de Freitas, mas evitou firmar compromisso. Disse que Michelle “tem carisma, fala bem, é evangélica e está empatada com Lula nas pesquisas”. Sobre Tarcísio, alegou ter “dívida de gratidão”, mas sugeriu que falta experiência.

O gesto é claro: manter-se como o fiador da direita, mesmo inelegível. A mensagem enviada à base é de que ele continua no comando — e só ele decide quem carrega a bandeira do bolsonarismo em 2026.

Estado de sítio e militares: o roteiro do golpe

Talvez o trecho mais inquietante da entrevista tenha sido a naturalidade com que Bolsonaro descreveu conversas com os chefes militares sobre a decretação de estado de sítio. Alegou que discutia apenas “hipóteses constitucionais” diante da recusa do TSE em acolher recursos do PL.

Bolsonaro tenta normalizar um cenário golpista como se fosse um debate técnico. A própria Lei sancionada por ele em 2021 tipifica como crime a tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito com uso de violência ou grave ameaça. Mas, na versão do ex-presidente, tudo não passou de um bate-papo informal “entre amigos”.

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Críticas ao STF e culto ao milagre

Bolsonaro voltou a atacar Alexandre de Moraes, acusando-o de “comer etapas” no processo que o tornou réu. Disse que sua inelegibilidade seria resultado de “jogar papel no chão” e classificou o julgamento como “político”.

Aos 70 anos, afirmou que uma condenação longa “seria sua morte” e que “ainda acredita em milagres” para voltar ao jogo. Disse que Valdemar Costa Neto, presidente do PL, o considera o candidato até os 48 minutos do segundo tempo.

Uma entrevista entre o teatro e a confissão

A entrevista de Bolsonaro ao UOL teve o tom de quem sabe que está no centro de uma encruzilhada. Tentou parecer combativo, mas por vezes soou derrotado. Ensaiou bravatas, mas deixou escapar o cansaço. Alternou negacionismo com confissões parciais, ataques com pedidos de salvação.

Bolsonaro sabe que perdeu o controle dos fatos — mas ainda tenta controlar a narrativa. A entrevista deixa claro que ele não se retirou da política. Apenas mudou de palco. E tenta transformar a Justiça que o persegue em trampolim eleitoral para 2026.

Publicação de: Blog do Esmael

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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