Bolsonaristas tentam apagar golpismo nas redes
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Na tentativa de driblar retaliações da justiça e das plataformas, apoiadores dos atos golpistas do dia 8 de janeiro adotam uma postura de mutação periódica de seus perfis nas redes e exclusão em série de postagens que demonstrem qualquer apoio à causa.
A Lupa acompanhou oito perfis, de diferentes regiões do país, que aderiram a essa estratégia após a repercussão dos ataques em Brasília — todos denunciados à base de dados colaborativa Lupa nos Golpistas, fruto do formulário lançado no dia 8 de janeiro para receber denúncias de publicações antidemocráticas.
Um desses casos é do piauiense André Rodrigue Nogueira, que atualmente reside no Ceará. Com 91,7 mil seguidores no Instagram, ele apagou todas as postagens de apoio aos ataques golpistas e, embora mantenha-se fiel ao bolsonarismo, deletou, inclusive, fotos ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – na ocasião de uma visita a Brasília.
Nogueira foi marcado na página ‘Nação Conservadora Oficial’, mas também excluiu essa marcação de sua grade no Instagram
Uma postagem de 10 de janeiro recebida pela Lupa, em que indicava aos seguidores de seu perfil que passassem a seguir a página “Lula vai cair”, não está mais disponível. Além do hiato na cronologia das postagens do feed, que demonstra a exclusão dos conteúdos, Nogueira agora concentra-se em postagens nos stories do Instagram, que são acessíveis pelo período de 24 horas.
Com discursos que atacam os projetos do atual governo, umas das principais pautas do bolsonarista piauiense é descredenciar programas de transferência de renda como Bolsa Família, Auxílio Emergencial, entre outros. Entretanto, ele próprio foi beneficiário do Auxílio Emergencial durante 14 meses, entre os anos de 2020 e 2021, quando recebeu um valor total de R$ 4.650,00, aponta um levantamento feito por Lupa com base nos dados do Portal da Transparência do Governo Federal.
O modo de operação é similar ao que ocorreu quando grupos bolsonaristas no Telegram passaram a ser bloqueados e, após a reativação das contas no aplicativo, adotaram o recurso de exclusão automática das mensagens após um dia como forma de apagar rastros e dificultar a ação de autoridades.
Rogério Santo da Silva, que administra o perfil no Instagram “Outro Lado de Dourados” também mudou a forma de apresentar narrativas de cunho golpista nas redes sociais. O músico costumava publicar vídeos de manifestações antidemocráticas em Dourados (MS) e Brasília, além de fazer lives diárias em que afirmava estar atualizando as pessoas sobre a “real situação do Brasil”.
“Cada dia que passa, a gente descobre mais irregularidades de como foi conduzido esse processo eleitoral […]. Foi jogo comprado”, afirmou Silva em live realizada no dia 28 de novembro.
Embora as publicações ainda estejam disponíveis no perfil de Silva, desde o dia 13 de janeiro suas transmissões passaram a ter um viés religioso. Legendadas como “Oração”, as transmissões até contam com a presença de pastores — um deles também denunciado ao banco de dados Lupa dos Golpistas —, mas mostram uma tentativa de camuflar o discurso político vinculado a elas.
“É tempo de caverna, de prisões, perseguições, é tempo de muita coisa, mas, principalmente, de não desistir. Se você chegou nessa live falando que não acredita que dá certo, então cai fora, isso aqui não é para você. Deixa o comunismo entrar na sua casa, deixa o governo corrupto do jeito que está”, disse o pastor Thiago Bezerra, um dos convidados, durante uma live no dia 15 de janeiro. Após a Lupa entrar em contato com Rogério, nove postagens foram apagadas, todas elas de transmissões ao vivo que reuniam pastores para “orações”.
Silva estava em Brasília no dia 8 de janeiro e publicou um vídeo dos atos em seu perfil no Instagram. Na gravação, que ainda está disponível na rede social, ele pedia, como era comum em suas publicações, doações via Pix em apoio ao seu trabalho. A página continua pedindo contribuições, mas, agora, para um projeto social chamado “Sonho de Criança”, voltado a crianças carentes em Dourados.
Outro perfil acompanhado pela Lupa é o da empresária Sulani da Luz Antunes Santos. Ela foi responsável por organizar uma caravana para os atos de 8 de janeiro, em Brasília, mas apagou o conteúdo que mostrava seu envolvimento.
Na publicação deletada, a empresária anunciava vagas para uma excursão saindo de Jundiaí (SP) e disponibilizava seu número Pix para contribuição de um “valor simbólico”.
Sulani é apontada pela Advocacia Geral da União (AGU) como uma das financiadoras de transportes que levaram grupos para participar dos atos golpistas na capital federal. Ela patrocinou um ônibus com 34 pessoas, de acordo com o processo. O veículo foi apreendido em Brasília e a empresária teve os bens bloqueados por decisão da justiça.
Assim como Sulani, o corretor de imóveis Adriano Ribeiro, de Matinhos (PR), participou dos atos em Brasília, mas excluiu a única postagem que comprovava que ele esteve lá.
“Estamos aqui hoje em Brasília, em frente ao quartel do Exército”, diz Adriano em um vídeo publicado no dia 8 de janeiro no qual aparece com mais outras duas pessoas segurando uma bandeira do Brasil.
Na postagem, que foi deletada, o corretor ainda convoca os moradores de Matinhos, que não puderam ir até a capital federal, para “pegar sua bandeira” em defesa do Brasil.
Em todos os perfis analisados nesta reportagem, as publicações que antes ignoravam o resultado das urnas e alimentavam atos golpistas para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deram lugar a críticas ao atual governo — o que, indiretamente, sinaliza um reconhecimento à vitória do petista sobre Bolsonaro nas eleições de 2022.
A Lupa entrou em contato com as pessoas citadas. Até a publicação desta reportagem, apenas Rogério Santo da Silva e André Rodrigue Nogueira haviam se manifestado. Por meio de mensagem de voz, Silva afirmou que a página “Outro Lado de Dourados” desempenha um trabalho jornalístico, trazendo informação e não desinformação. “Somos uma página de política. Nós cobrimos todos os atos, desde a pandemia, para mostrar o que são as manifestações”, destacou.
Ele também afirmou que o cunho religioso das publicações reflete quem ele é, e negou ter participado dos atos do dia 8 de janeiro, apesar de ter viajado para a capital federal.
“Eu e minha esposa, nós viajamos, sim, para fazer esse trabalho jornalístico, mas nós não ficamos acampados no QG em Brasília. Nós fomos mostrar o dia a dia das pessoas. Acreditávamos que seria um acampamento de forma ordeira e pacífica. Na hora que as pessoas começaram a chegar já de máscara, a gente assustou e tentou convencer as pessoas de não ir para lá porque o clima estava ficando hostil e não fomos”, disse.
Já Nogueira informou que não apoiou e nem incentivou pessoas a irem a Brasília para destruir o patrimônio público.
“Quando eu apoiei a manifestação, é porque eu pensei que seria uma manifestação pacífica e democrática e que não teria vandalismo por parte de infiltrados, que é isso que eu acredito”, disse.
Sobre o Auxílio Emergencial, Nogueira confirmou que recebeu o benefício, mas porque estava impossibilitado de trabalhar por causa da pandemia. Ele afirmou que quando diz que é contra o assistencialismo, ele se refere a “assistencializar pessoas que trabalham, têm boa qualidade de vida e mesmo assim recebem benefícios sociais”.
Ele ainda acrescentou, via mensagem de texto, que diante de uma eleição polarizada, “falamos coisas sem pensar e muitas vezes só enxergamos após uma análise individual. Uma reflexão. Não sou contra o STF e acredito que no momento o que devemos fazer é defender o equilíbrio entre os poderes”, finalizou.
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