Antonio de Azevedo: O que aconteceu em Rio Bonito do Iguaçu não foi apenas um tornado, foi um aviso

Vídeo que circula nas redes sociais dá uma ideia do tamanho do desastre. O que parecia improvável  tornou-se realidade em Rio Bonito do Iguaçu (PR)

Não foi apenas um tornado, foi um aviso

Por Antonio Sérgio Neves de Azevedo*

O tornado que arrasou Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, na tarde de 7 de novembro de 2025, não foi apenas um desastre local, foi um grito de alerta sobre a vulnerabilidade crescente das cidades brasileiras diante dos fenômenos climáticos extremos.

Segundo levantamentos preliminares, o evento deixou pelo menos seis mortos, mais de uma centena de feridos e centenas de desabrigados.

Casas foram arrancadas do chão, estruturas destruídas, árvores centenárias tombaram. Em poucos minutos, o município virou escombros. O que parecia improvável há poucos anos tornou-se realidade, tornados intensos agora fazem parte do calendário das tragédias nacionais.

O Simepar (Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná) confirmou que o fenômeno foi um tornado classificado como F3 na escala Fujita, com ventos entre 180 e 250 km/h, e há indícios de rajadas ainda mais fortes.

O evento foi provocado por uma supercélula, tempestade de grande rotação capaz de gerar granizo e ventos extremos. Trata-se de uma ocorrência meteorológica rara, mas que, segundo especialistas, tende a se tornar mais frequente e intensa em função das mudanças climáticas globais.

Esses dados técnicos ajudam a distinguir o acaso do padrão. O que se viu em Rio Bonito do Iguaçu não é um episódio isolado, mas parte de uma sequência de desastres que se repete de norte a sul do país.

Eventos recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul, a estiagem severa nos reservatórios de São Paulo, agravada pela privatização da Sabesp, e as ondas de calor recordes em várias regiões, são expressões distintas de um mesmo colapso climático. A natureza, violentada há décadas, está cobrando a fatura do desequilíbrio que o ser humano impôs ao planeta.

O Brasil, historicamente protegido de grandes desastres naturais, já não pode se dar a esse luxo.

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O aquecimento global, impulsionado pelas emissões de dióxido de carbono (CO?) e pelo desmatamento desenfreado, vem alterando padrões atmosféricos e ampliando a energia disponível nas tempestades.

A equação é conhecida: mais calor, mais evaporação, mais instabilidade, e eventos cada vez mais intensos e imprevisíveis. É a física reagindo à política ambiental infantil do Congresso Nacional e à negligência ambiental de governos, corporações e sociedades inteiras.

Mas a tragédia de Rio Bonito do Iguaçu revela também outra dimensão, a humana. O desastre escancara a desigualdade estrutural de um país em que os mais pobres vivem nas áreas de maior risco e são sempre os primeiros a perder tudo.

As casas arrancadas pelo vento não são apenas vítimas da força da natureza, mas também da ausência de planejamento urbano, da precariedade das construções e da falta de políticas preventivas eficazes. Cada morte e cada família desalojada representam o retrato de uma omissão coletiva que se repete a cada nova catástrofe.

Antonio de Azevedo: “O tornado em Rio Bonito do Iguaçu não é apenas um fenômeno natural; é também um espelho do mundo em que estamos nos transformando”

É nesse contexto que o Marco de Sendai para a Redução de Riscos de Desastres (2015–2030) se torna uma referência indispensável.

A agenda, adotada pela ONU, propõe que os países invistam em resiliência, prevenção e reconstrução sustentável, reconhecendo que os desastres não são apenas fenômenos naturais, mas consequências diretas de escolhas políticas e modelos de desenvolvimento mal planejados.

O Marco de Sendai convoca governos e sociedades a compreender o risco como parte da gestão pública e a integrar políticas de adaptação climática, proteção social e ordenamento territorial. Segui-lo não é uma opção, é uma necessidade civilizatória diante da escalada dos eventos extremos.

Da mesma forma, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente os ODS 11 (Cidades e Comunidades Sustentáveis) e 13 (Ação Contra a Mudança Global do Clima), fornecem um roteiro claro para que o mundo repense seu pacto com a natureza e com as futuras gerações.

Alcançá-los significa investir em cidades mais seguras, energia limpa, gestão sustentável da água e redução das desigualdades.

Não haverá futuro possível se os ODS continuarem tratados como metas simbólicas. Eles precisam ser incorporados à legislação, aos orçamentos públicos e à educação ambiental, tornando-se o eixo da reconstrução planetária.

É urgente reconstruir, mas reconstruir melhor. Não basta repor o que foi perdido; é preciso repensar as cidades sob a ótica da adaptação climática.

Isso significa incorporar normas de construção mais resistentes, planejar áreas seguras de evacuação, investir em sistemas de alerta precoce e integrar meteorologia, Defesa Civil e comunidades locais. Reconstruir sem aprender é condenar-se a repetir.

No plano global, a ciência já indicou o caminho, reduzir emissões de CO?, proteger florestas, promover a transição energética e garantir justiça climática.

O Brasil, dono de uma das maiores biodiversidades do planeta, tem responsabilidade dobrada: proteger seus ecossistemas e suas populações. No entanto, entre discursos e ações, o abismo ainda é grande. O país precisa sair da retórica e assumir o protagonismo climático que o mundo espera, e que a própria sobrevivência exige.

O tornado em Rio Bonito do Iguaçu não é apenas um fenômeno natural; é também um espelho do mundo em que estamos nos transformando.

Cada rajada de vento que arranca telhados e destrói lares carrega um aviso que não pode mais ser ignorado. O clima mudou, e nós precisamos mudar com ele. Enquanto isso não acontecer, de forma urgente, responsável e solidária, a próxima tragédia já estará no horizonte.

Rio Bonito do Iguaçu, no Paraná, foi abaixo e chora. E o Brasil precisa ouvir. Porque, quando o vento fala desmedido, é o planeta pedindo socorro.

*Antonio Sérgio Neves de Azevedo é engenheiro, mestre e doutorando em Direito, em Curitiba, no Paraná.

Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Publicação de: Viomundo

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