Ângela Carrato: Zema põe à venda todas as estatais mineiras, como se fossem eletrodomésticos das lojas de sua família

Vende-se tudo. Tratar com Zema

Por Ângela Carrato*, no Novojornal  

Minas Gerais é hoje periferia do Brasil sob o ponto de vista do desenvolvimento econômico.

Além de ter histórico de industrialização tardia, vem perdendo espaço e representatividade ao longo das últimas décadas. E nesse segundo governo Zema, pode chegar ao fundo do poço.

Mas houve tempo em que os ocupantes do Palácio da Liberdade tinham como prioridade o desenvolvimento.

Os casos mais notáveis são os de Juscelino Kubitscheck, Israel Pinheiro, Rondon Pacheco, Aurélio Chaves e Francelino Pereira.

Nos anos 1950, JK percebeu que sem energia e sem estradas não era possível falar em desenvolvimento.

Em Belo Horizonte, por exemplo, a energia elétrica estava a cargo da Companhia Força e Luz, empresa de capital inglês e canadense, que não investia em expansão.

Não havia energia suficiente para Belo Horizonte crescer e nem para a industrialização do estado.

Foi por isso que Juscelino lançou-se num arrojado projeto que desembocou na criação da Cemig.

Foi para integrar as várias regiões de Minas que ele também deu início a um ambicioso programa de construção de rodovias.

Acredite se quiser caro leitor/a, mas houve tempo em que as estradas de rodagem em Minas eram excelentes e causavam inveja a cariocas e paulistas.

Israel Pinheiro foi o governador que preparou a mudança voltada para a diversificação.

Já Rondon Pacheco deu início à implantação da indústria de bens de capital, com várias iniciativas sendo tomadas, como a criação da Usiminas Metal mecânica, Acesita, Belgo Bekaert e Kroup.

Foi no governo de Rondon Pacheco que a italiana Fiat automóveis iniciou a instalação de sua montadora em Betim.

Era a primeira montadora a se instalar fora do ABC paulista.

Israel sucedeu ao banqueiro Magalhães Pinto, aquele que sonhou em ser o “líder civil” da “Revolução de 1964” e acabou no lixo da história.

Preterido pelos militares golpistas que ajudou a colocar no poder, Magalhães virou exemplo do que um político não deve fazer, ao jogar o Brasil numa ditadura que durou 21 anos.

Israel Pinheiro foi eleito num gesto de rebeldia dos mineiros contra o ditador de plantão. Ele, que pertencia ao Partido Social Democrata (PSD), nunca se deu bem com o golpismo personificado na União Democrática Nacional (UDN), de Magalhães Pinto.

A UDN era uma espécie de PSDB da época. Talvez por isso, o desenvolvimentista Israel Pinheiro, amigo e colaborador de JK, seja até hoje tão mal falado.

Mesmo tendo conseguido manter o ritmo de crescimento, entrou para a história como o responsável pelo Pavilhão da Gameleira ter desabado, o maior desastre acontecido em Minas até então, deixando 69 mortos e 50 feridos.

Não se imaginava que, décadas depois, aquele desabamento, que chocou tanta gente, iria dar lugar a algo muito mais grave: os crimes humanos e ambientais cometidos pela mineradora Vale após privatizada, a preço de banana, pelo presidente tucano Fernando Henrique Cardoso.

Os crimes da Vale não chocam mais ninguém. Tanto que o governador Zema negociou com a empresa transformar indenização aos atingidos em construção do Rodoanel, uma obra que ninguém quer, mas que está sendo feita porque interessa à Vale e ao governador.

Um escárnio com os atingidos!

Aureliano estava certo ao defender e implantar a Açominas. Mas errou ao decidir pela construção da Ferrovia do Aço, uma obra cara, desnecessária e que interessava apenas às mineradoras.

Algo semelhante ao que acontece agora com o Rodoanel.

Francelino Pereira deixou marcas importantes em Minas Gerais. Ao dar sequência à expansão da Açominas, respondia a uma pergunta então insistentemente formulada por Osório da Rocha Diniz, um dos fundadores da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG: “por que exportar minério bruto se é possível agregar-lhe valor aqui mesmo?”

Na gestão de Francelino Pereira foi construído o aeroporto internacional de Confins e mais de 1.000 escolas públicas. O programa de cidades-dique e de estradas vicinais, coordenado pelo seu secretário de Planejamento, Paulo Haddad, mudou para melhor parte significativa do interior do Estado.

Até então, vinha sendo implantado um projeto de desenvolvimento que acabou abandonado no meio do caminho.

O que foi feito do Projeto Jaíba? E do polo industrial de Montes Claros?

Tancredo Neves, que ocupou o Palácio da Liberdade por apenas dois anos, não se dedicou a tais assuntos. Mas, justiça seja feita, desempenhou importante papel no retorno do país à democracia.

Por razões diferentes, governadores como Hélio Garcia, Newton Cardoso, Eduardo Azeredo, Itamar Franco, Aécio Neves, Antônio Anastasia e Fernando Pimentel não conseguiram realizar o que o Estado mais precisava, que era e continua sendo diversificar a economia e superar a dependência histórica da mineração.

A favor de Itamar Franco é preciso que se diga que ele barrou a fúria privativista dos tucanos Eduardo Azeredo e Fernando Henrique Cardoso.

Aécio, através de jogadas de marketing, chegou a anunciar déficit zero nas finanças estaduais e a inaugurar a tão cara quanto desnecessária, Cidade Administrativa.

O déficit zero comprovou-se uma balela e a Cidade Administrativa tornou-se um elefante branco, que passou anos luz de aproximá-lo da imagem de JK.

Mas é Romeu Zema, de todos os governadores de Minas, o que mais distante pode ser colocado em relação a JK.

Ele é o próprio anti-JK. O que um construiu, o outro insiste em destruir.

Depois de um primeiro mandato conquistado de carona com Bolsonaro, Zema sonha agora ocupar o vazio político deixado na extrema-direita pela inelegibilidade praticamente certa do ex-capitão.

Poucas vezes, no entanto, se viu uma cena tão vergonhosa quanto a dele, na última semana em Nova York, botando todas as estatais mineiras à venda.

Em sentido contrário ao de uma política de proteção à indústria como a que o presidente Lula está fazendo, será impossível para Zema recuperar o atraso de Minas Gerais.

Sem programa de governo que mereça esse nome, o seu projeto passa a ser liquidar tudo: Cemig, Copasa, Gasmig, Codemig, além de conceder a Rodoviária de Belo Horizonte e estradas para a iniciativa privada.

É importante destacar que seu posicionamento está na contramão do mundo desenvolvido. Na Europa, Paris, Berlim e outras 265 cidades que privatizaram água e saneamento estão voltando atrás.

Já nos Estados Unidos, referência quando se fala em privatização, 67 serviços foram reestatizados nos últimos anos. Motivo: além de piorarem, ficaram muito mais caros.

Some-se a isso que privatizar a Codemig parece maior contrassenso ainda quando o próprio Zema anuncia a criação do Vale do Lítio, no Jequitinhonha. Não seria melhor uma parceria entre o Estado e a iniciativa privada?

Será que Zema não foi informado que o governo do Chile acaba de criar uma empresa estatal para cuidar da exploração do lítio?

Será que ele não sabe que a Bolívia já fez o mesmo para evitar ação predatória dos Elon Musks da vida?

Ou será que Zema fez esse anúncio para ficar bem com os interesses predatórios internacionais?

Neste quadro, não deixa de ser lamentável ver que ele, em seu périplo por Nova York, convidado não por autoridades locais, mas pela Lide, empresa de eventos do paulista João Dória, estava acompanhado pelo próprio presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).

Foi-se o tempo em que a Fiemg tinha a indústria como pauta e o desenvolvimento como meta.

Foi-se o tempo em que governadores pensavam no interesse público e em políticas de estado.

Zema, pelo visto, quer apenas crescer na vida pública, logo ele que, como Bolsonaro, sempre desdenhou da política.

O que Zema apresenta não passa de marketing no estilo Aécio Neves. Sua proposta pode ser resumida a vende-se tudo, barato e o mais rápido possível.

O problema é que Zema não está vendendo fogões, geladeiras ou máquinas de lavar nas lojas de eletrodomésticos de sua família. O que ele está colocando à venda, a preço de banana, é o nosso futuro e o das próximas gerações.

Possivelmente Zema acredite que acenando para os interesses estrangeiros possa agradar à turma da Faria Lima e ter chances como candidato em 2026.

Que se danem os professores, os funcionários públicos e a maioria da população que votou nele.

É triste constatar, mas se esse projeto prevalecer, a história pode dar razão ao poeta Carlos Drummond de Andrade.

Minas Gerais não haverá mais.

*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.

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Publicação de: Viomundo

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