Ângela Carrato: No banco dos réus da farsesca Lava Jato ainda falta a mídia

Por Ângela Carrato, especial para o Viomundo

 A determinação do ministro do STF, Dias Toffoli, para que agentes da Polícia Federal cumprissem mandado de busca e apreensão na 13ª Vara Federal de Curitiba, onde se originou a Operação Lava Jato, era para ter sido a principal manchete do Jornal Nacional na última quarta-feira (3) e seus desdobramentos permanecidos como tal nos dias seguintes.

A ordem de Dias Toffoli caiu como bomba sobre o senador Sérgio Moro (União-PR), o ex-procurador-federal Deltan Dallagnol e a juíza Gabriela Hardt. Ele determinou que fossem recolhidos documentos solicitados pelo STF há quase dois anos e que ainda não haviam sido encaminhados.

Inquérito sigiloso aberto no ano passado, a pedido da Procuradoria-Geral da República, após apurações da PF, apontou a necessidade de que fossem aprofundadas as investigações sobre declarações do empresário e ex-deputado estadual do Paraná, Antônio Celso Garcia, conhecido como Tony Garcia, que acusa Moro e auxiliares de terem cometido crimes gravíssimos.

Uma das principais acusações de Garcia é a de que Moro o intimidou e o obrigou a se transformar em seu agente para obter provas contra políticos e figuras proeminentes da cena empresarial e jurídica brasileira.

O resultado teria sido 400 horas de gravações ilegais com o objetivo de chantagear pessoas para que fizessem ou dissessem o que Moro, então juiz responsável pela 13ª Vara, determinasse.

O caso remonta a 2003, quase 10 anos antes do início da Operação Lava Jato, quando um acordo de colaboração premiada firmado por Garcia, após ser preso pela PF, acusado de gestão fraudenta do Consórcio Nacional Garibaldi, o obrigou a “trabalhar” para Moro.

Um dos casos citados por Garcia é o da “festa da cueca”, onde magistrados foram gravados ilegalmente em uma comemoração fechada após jogo de futebol, se divertindo com prostitutas.  

O assunto, de âmbito privado desses senhores, ganha relevância política uma vez que alguns deles teriam futuramente a atribuição de confirmarem ou não julgamentos e sentenças dadas por Moro.

Não é de agora que Garcia e outras figuras como o advogado Tacla Durán fazem pesadas acusações aos então dirigentes da Lava Jato.

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Moro sempre as desconheceu e agora, quando não há mais como se calar devido à determinação do ministro Toffoli, nega os fatos e defende que o STF não tem competência para julgar o caso.

Para Moro, os fatos investigados não possuem qualquer relação com sua atividade parlamentar ou como ministro da Justiça.

O mínimo que o Jornal Nacional e demais veículos da mídia corporativa brasileira deveriam ter feito, para poderem continuar sendo veículos de comunicação com um mínimo de credibilidade, seria noticiar tudo isso.

Até porque Garcia anunciou e agentes federais confirmaram a localização da “caixa amarela”. Caixa que Garcia afirma conter estas gravações e vídeos, inclusive o da “festa da cueca”.

A tal festa aconteceu na suíte presidencial do hotel Bourbon, no centro de Curitiba, em 2003.

Como empresário bem relacionado, Garcia teve aceso ao local e através de câmera no prendedor de gravata, gravou parte da festa. Nela estavam desembargadores do TRF-4. As conversas gravadas serviram para manter desembargadores sob o jugo de Moro.

Essas denúncias, que deveriam ter merecido destaque na mídia corporativa brasileira, foram e continuam sendo encobertas pelo manto do silêncio.

É importante lembrar que a Operação Lava Jato abalou não só o Brasil, como parte significativa da América do Sul, uma vez que lançou seus tentáculos também sobre outros países da região. 

Se aqui ela prendeu, sem provas, dezenas de empresários e tentou retirar da vida pública nomes como o do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem manteve preso por 580 dias, no Peru foi a responsável pelo suicídio do ex-presidente Alan Garcia.

O Jornal Nacional, principal responsável por alçar a Operação Lava Jato à condição de “maior ação de combate à corrupção da história do Brasil”, e por transformar Moro e Dallagnol em “heróis nacionais”, desconheceu e continua desconhecendo o assunto, mesmo depois da determinação do ministro Toffoli.

Fato semelhante se repetiu na maioria dos veículos da mídia corporativa, que se autodenomina “grande mídia”, mas que não passa de mídia dominada por uma oligarquia, cujos membros são empresários e banqueiros ligados aos interesses de Washington.

O problema é que as mentiras da Lava Jato custaram muito caro ao Brasil e ao povo brasileiro e ainda continuam fazendo estragos.

Daí a importância de se entender o significado deste silêncio ensurdecedor.

Os donos da mídia corporativa sabem que o avanço destas investigações pode atingi-los, na medida em que atuaram diretamente para o sucesso do golpe, travestido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, em 2016, para a prisão, sem crime, de  Lula, com o único objetivo de retirá-lo da disputa ao Palácio do Planalto em 2018, e para a vitória do extremista de direita Jair Bolsonaro à presidência da República, situações que têm a Lava Jato como pano de fundo.

Uma vez confirmadas tais denúncias, Moro e sua turma dificilmente escaparão de julgamento e, no caso dele, da perda do mandato. Elas poderão ser fundamentais também para que recente história do Brasil seja passada a limpo.

Não é a primeira vez que a Globo esconde de seu público a verdade dos fatos.

Ela é recordista em atuações deste tipo.

É o caso da série de reportagens investigativas publicada pelo portal The Intercept Brasil, entre 2019 e 2020, denominada  #Vaza Jato.

A partir de uma série de vazamentos do hacker Walter Delgatti, envolvendo troca de mensagens no Telegram por integrantes da Lava Jato, em especial Moro e Dellagnol, foi possível identificar situações em que o então juiz atuou de forma imparcial e política, a fim de incriminar o então ex-presidente Lula.

Entre as mensagens estavam várias trocadas entre a turma de Curitiba e integrantes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ), que equivale ao ministério da Justiça no Brasil.

Essas mensagens, sem autorização do setor competente no Brasil, deixam claro que integrantes da “República de Curitiba” agiram contra os interesses brasileiros e a serviço de setores políticos e empresariais do Tio Sam.

Acertam pesquisadores como Luís Eduardo Fernandes, quando no livro “A Internacional da Lava Jato. Imperialismo, Nova direita e o Combate à Corrupção Como Farsa” (Autonomia Lilerária, 2024), mostra que no Brasil e em vários países da América do Sul, a mídia monopolista e seus jornalistas e comentaristas (“os mervals e os sardenbergs”) atuaram para “edificar o clima conjuntural favorável ao comportamento quadrilheiro de que se valeu o ex-juiz Sérgio Moro para erguer a grande farsa que foi a Operação Lava Jato”.

Até hoje a Globo continua ignorando a #VazaJato, mesmo ela tendo sido fundamental para que fossem tornadas nulas as condenações de Lula e de vários políticos e empresários determinadas pela Lava Jato.

Como concessão pública, uma emissora de TV ou de rádio não poderia jamais tratar a realidade da forma que lhe seja mais conveniente e muito menos omitir fatos de tamanha  relevância.

A situação torna-se mais grave ainda quando se sabe que a TV aberta no Brasil, na qual o grupo Globo lidera, é a mídia mais consumida entre nós, com uma audiência de 68%, de acordo com pesquisas especializadas. Em segundo lugar aparece o Youtube, com 13%, e em terceiro, a TV paga, com 10%.

Embora as plataformas digitais tenham crescido, com suas redes sociais e aplicativos de mensagens como Whatsapp e Telegram registrando alta frequência de acesso, a TV aberta ainda é o principal meio para as pessoas se informarem. Fato que redobra a gravidade deste silêncio.

Mais do que nunca fica evidente o que estava por trás de uma das frases preferidas do empresário Roberto Marinho, fundador da TV Globo: “Tão importante quanto o que eu publico é o que deixo de publicar”.

Marinho se referia à prática recorrente de submeter os fatos à sua vontade e interesses.

O que os filhos de Roberto Marinho não publicaram sobre a Lava Jato, seguindo os ensinamentos do pai, levou a maioria da população brasileira a apoiar o golpe travestido em impeachment contra Dilma Rousseff, a atribuir corrupção ao PT, aceitar a prisão, sem provas de Lula, endeusar Moro e Dallagnol, e a eleger o extremista de direita Jair Bolsonaro para a presidência da República em 2018.

Pior ainda. Esta mesma mídia, diante da possibilidade de Lula disputar e vencer as eleições do ano que vem, está promovendo verdadeira campanha contra o governo federal, além de esconder ou minimizar todos os crimes cometidos por Bolsonaro e sua turma, mesmo tendo sido condenados e estarem começando a cumprir as devidas penas.

No mais descarado estilo golpista, esta mídia defende anistia para os que atentaram contra o estado de direito democrático e queriam com as ações terroristas em dezembro de 2022 e em 8 de janeiro de 2023, implantar uma ditadura no país.

Ao invés de noticiar a operação determinada pelo ministro Toffoli, na 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba, a mídia corporativa brasileira prefere dar destaque às queixas dos familiares de Bolsonaro em relação à cela em que se encontra.

Prefere encobrir atuações ilegais dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, por considerá-las potenciais para gerar crises para o governo Lula e, absurdo dos absurdos, dedicam manchetes e mais manchetes ao anúncio de um dos filhos de Bolsonaro, Flávio, de que será candidato à presidência da República.

Detalhe: as manchetes sobre a candidatura de Flávio não fazem qualquer referência de que foi ele quem declarou, poucas semanas atrás, fazendo coro com o irmão, Eduardo, que se encontra nos Estados Unidos trabalhando contra o Brasil, de que o presidente  Donald Trump deveria bombardear a baía da Guanabara, onde disse que “ouviu falar” que há tráfico de drogas.

Ainda hoje prevalece, entre os apoiadores de Bolsonaro e mesmo entre setores ditos progressistas quem acredite que “a Globo é de esquerda” ou que ela não tem lado partidário.

Nada mais distante da realidade.

O Grupo Globo e os demais veículos da mídia corporativa se pautam pelos interesses do Tio Sam, de olho no pré-sal e demais riquezas brasileiras, às quais se somam agora as terras raras, essenciais para a produção de aviões, artefatos bélicos e chips.

Como dizia o ex-governador Leonel Brizola “a Globo é inimiga do Brasil”. Certamente Brizola incluiria o restante desta mídia se pudesse observar o que ela tem feito nos últimos anos.

Por tudo isso, só o conhecimento de como funcionam os meios de comunicação pode fazer frente a uma mídia manipuladora e desonesta, bem como às fake news.

Dito de outra forma, não há garantia para a democracia e os processos democráticos sem uma mídia democraticamente regulada e sem consistentes e permanentes ações envolvendo educação e o letramento específico para a população.

Ações que o governo Lula lamentavelmente continua negligenciando.

Razão pela qual é preciso estar atento aos desdobramentos da operação determinada pelo ministro Toffoli na 13ª Vara Federal de Curitiba, bem como ao que divulga ou mesmo ao silêncio que a mídia corporativa faz sobre o assunto.

A democracia agradece.

Ângela Carrato é jornalista, professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Membro do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

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Publicação de: Viomundo

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