Ângela Carrato: A primeira semana de Lula, uma lição de democracia
A primeira semana de Lula
Por Ângela Carrato*
Há seis anos o Brasil não via um presidente trabalhar tanto quanto Luiz Inácio Lula da Silva na primeira semana de seu terceiro mandato.
Minutos depois de empossado, ele já assinava 11 medidas, a maioria delas revogando atos de Bolsonaro.
O revogaço continuou ao longo da semana com a exoneração de mais de oito mil ocupantes de cargos comissionados – entre civis e militares – em ministérios e demais setores da administração direta.
Ao mesmo tempo, a maioria dos novos ministros tomou posse em cerimônias super concorridas.
A recordista de público foi Marina Silva, que assumiu a pasta do Meio Ambiente, mas os novos titulares dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, da Cultura, Margareth Menezes, do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, igualmente entusiasmaram os presentes com suas falas.
Brasília voltou a respirar esperança, mesmo que as condições para o início do novo governo tenham sido das piores.
Os acampamentos golpistas em frente aos quartéis em diversas cidades brasileiras continuam lá. O acampamento em frente ao “Forte Apache”, na capital federal, é o maior e o mais truculento deles.
Na véspera da posse, o número de seus integrantes chegou a aumentar. Na sexta-feira, a Asa Norte, única região de Brasília onde Lula venceu as eleições, foi palco de uma motociata, para indignação dos moradores locais.
Os bolsonaristas deram um aviso de que não se sentem derrotados e que permanecem defendendo a intervenção militar, outro nome para ditadura.
Na realidade paralela em que vivem, Lula não tomou posse e quem está governando o Brasil é o general Heleno, com Bolsonaro devendo voltar em breve.
Loucura à parte, essas pessoas usam como elementos para justificar tal visão, Bolsonaro não ter passado a faixa presidencial para Lula e Lula não ter despachado do Palácio do Planalto nesses primeiros dias.
Como se sabe, Bolsonaro deixou o país dois dias antes da posse de Lula. Sua ida para os Estados Unidos, ao que tudo indica, teve como motivo o medo de ser preso preventivamente tão logo deixasse o cargo.
Ele está em Miami, na casa de um ex-lutador de MMA e não há prazo para sua volta, se é que retornará ao Brasil.
Não faltam rumores de que esta casa também pertence a Bolsonaro, com o ex-lutador sendo apenas um laranja. Seus planos no momento se direcionam mais para a Itália, onde gostaria de fixar residência.
A não transmissão da faixa por Bolsonaro foi considerada excelente pela equipe de Lula. Sua presença na cerimônia sem dúvida tiraria o brilho e a beleza que alcançou.
A entrega da faixa presidencial a Lula por uma mulher negra e catadora de materiais recicláveis foi um dos pontos altos da cerimônia.
O outro foi a subida da rampa, com Lula sendo acompanhado por representantes do povo brasileiro e também pela cachorrinha Resistência, mascote na vigília de 580 dias, quando o então ex-presidente esteve preso em Curitiba.
Como todo ser minúsculo, Bolsonaro procurou criar tumulto até o último momento no poder. Tanto que deixou os palácios do Planalto e da Alvorada, respectivamente, locais de trabalho e residência do presidente da República, detonados.
Além de todas as portas trancadas e sem as chaves, goteiras tomaram conta de muitos destes espaços, o mesmo podendo ser dito da má conservação e sujeira de móveis, paredes e pisos.
Até obras de arte, como a famosa pintura dos Orixás, de Djanira, foram encontrados com furos e jogados no porão.
Não cuidar da conservação de bens tombados e públicos é mais um crime pelo qual o pior presidente da história do Brasil terá também que responder.
Por isso, só na quinta-feira Lula pode começar a despachar do Palácio do Planalto. Já sua mudança e a de Janja para o Alvorada ainda não tem data definida.
Esta é também a razão pela qual a primeira reunião com todo o ministério acabou acontecendo só na sexta-feira.
Se não bastassem os bolsonaristas armando confusão neste início de governo, o tal do “mercado” e a mídia corporativa também deram sua parcela para tumultuarem a vida do novo governo.
O tal do “mercado” – leia-se os super ricos – apavorou diante da determinação do novo governo em estabelecer um preço brasileiro para os combustíveis, acabando com a submissão imposta pelos golpistas à Petrobras.
O mercado reagiu mal a este anúncio, da mesma forma que reage mal a tudo que signifique melhoria para o povo brasileiro.
A midia corporativa, controlada que é por tais interesses, ecoou esse tipo de crítica, a ponto de poder ser dito que menos de 48 horas após a posse, Lula já enfrentava uma nova guerra da mídia contra ele.
Alguns podem dizer que não é bem assim, que o Grupo Globo anda até simpático ao novo governo. Record, SBT e Band, idem.
Gato escaldado que é, Lula sabe como estas simpatias são volúveis. Mais ainda: elas podem esconder apenas um álibi do tipo “apoiamos o que é bom e criticamos o ruim”.
Exatamente por isso, Lula tem tentado cortar o mal pela raiz.
Foi o que fez na primeira reunião ministerial, ao deixar claro o que espera dos seus auxiliares diretos, do apoio que dará a cada um, mas também como agirá no caso de erros e ações inadequadas. Detalhe: a mídia já começava a explorar contradições nos discursos de posse de alguns ministros.
Esses primeiros ataques da mídia e do “mercado” devem ter servido para que Lula tivesse mais clareza ainda sobre o papel e a importância da comunicação neste terceiro governo.
Cuidadoso como sempre, ele está tomando as primeiras medidas como alguém que manobra um transatlântico encalhado. Primeiro é preciso colocá-lo em movimento e depois alterar o rumo com suavidade até que volte ao curso normal.
Tanto que vai aguardar 28 de janeiro para realizar a primeira reunião com todos os governadores. Até lá, os ministros terão tempo suficiente para estabelecerem prioridades de suas pastas e poderem conversar com os governadores sobre as prioridades de cada estado.
Nos quatro anos em que esteve na presidência, Bolsonaro nunca fez nada semelhante. Ao contrário. Sempre tratou governadores e prefeitos da pior forma possível.
O mesmo pode ser dito em relação ao Congresso Nacional, onde substituiu o diálogo e a articulação política pela compra de votos via Orçamento Secreto.
Certamente por isso, Lula, no discurso que fez na abertura da primeira reunião ministerial, foi enfático ao frisar o caráter político do seu ministério, ao mesmo tempo em que colocou como uma espécie de determinação para todos os seus integrantes, o diálogo com a Câmara dos Deputados e o Senado.
Se em termos de política interna, Lula já mudou o rumo das coisas, suas determinações em termos de política externa também se fazem sentir.
O Brasil voltou a ter importância no mundo.
No dia da posse, ao lado da bandeira nacional, em frente ao Palácio do Planalto, também tremulava a bandeira do Mercosur (assim mesmo, escrito em espanhol).
O Mercosul é um tratado fundamental para o Brasil e foi o primeiro a ser hostilizado por Bolsonaro.
O Itamaraty já deu início aos trabalhos de reabertura de representações diplomáticas do Brasil na África e retomou relações plenas com a Venezuela, outra briga estúpida comprada por Bolsonaro.
Em 24 de janeiro, Lula participará de reunião da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), em Buenos Aires. Será a primeira viagem internacional dele.
Na sequência, nos próximos meses, deverá ir aos Estados Unidos e à China, deixando claro que está de volta a política externa ativa e soberana.
A propósito, na quinta-feira, o ex-chanceler Celso Amorim foi nomeado chefe da assessoria especial do presidente, com gabinete no Palácio do Planalto.
Outra pessoa que terá gabinete no Planalto é a primeira-dama, Janja, que, para desespero dos machistas, golpistas e fofoqueiros de plantão, promete ter um importante papel ao lado de Lula.
Assim, este terceiro governo começa bem. O que não significa que a herança maldita dos golpistas esteja superada.
Daí ser fundamental para a governabilidade, que os setores progressistas continuem mobilizados.
Foi graças a esta mobilização que o golpe foi derrotado, Lula venceu as eleições, tomou posse e está governando.
Essa é a lição maior destes seis anos de lutas da população brasileira em defesa da democracia.
Uma lição que jamais poderá ser esquecida.
P. S. Quem sabe dizer o nome de três dos novos secretários de Zema? Ao contrário da posse de Lula, a dos novos governadores parece nem ter acontecido.
Zema, que dá início a um novo mandato à frente do governo de Minas, deve estar com as barbas de molho. Seu desafeto, Alexandre da Silveira, é o único ministro de Minas Gerais no primeiro escalão de Lula.
Silveira ocupa uma pasta fundamental, a de Minas e Energia. Para um Zema que pretendia privatizar tudo – Cemig, Copasa, Codemig – o vento mudou totalmente de direção.
*Ângela Carrato é jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG.
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Publicação de: Viomundo