Saúde em Debate, em editorial, alerta sobre o Agora tem Especialistas: Solução imediata ou risco estrutural para o SUS?
Programa Mais Especialistas: solução imediata ou risco estrutural para o SUS?
Editorial alerta para avanços pontuais e lacunas profundas na atenção especializada
Revista Saúde em Debate, Cebes
O novo editorial da revista Saúde em Debate (v.49, n.146), escrito por Alcides Silva de Miranda, Ana Maria Costa, Maria Lucia Frizon Rizzotto e Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato, analisa de forma detalhada o programa governamental Mais Especialistas (ou “Mais Acesso a Especialistas”).
O texto reconhece que a iniciativa responde a uma urgência real do Sistema Único de Saúde (SUS): a redução das filas e das desigualdades no acesso a consultas, exames e procedimentos especializados.
Ao mesmo tempo, adverte que o programa, isoladamente, funciona como um “curativo de curto prazo” que não enfrenta as doenças crônicas que atravessam a atenção especializada no Brasil. A revista é uma publicação científica do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes).
O paradoxo do curto prazo: alívio imediato, riscos de longo prazo
Segundo o editorial, o Mais Especialistas articula medidas que podem gerar melhora concreta e rápida na assistência especializada, como:
• credenciamento de clínicas e hospitais privados ao SUS;
• ampliação de serviços públicos existentes;
• telessaúde;
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• mutirões e dispositivos móveis;
• melhoria de protocolos assistenciais;
• formação de especialistas;
• intercâmbio de dívidas do setor privado por atendimentos ambulatoriais.
Com adesão de todos os estados e 99,2% dos municípios, o programa pode reorganizar fluxos, reduzir filas e reestabelecer linhas de cuidado prioritárias em um país que ainda lida com as sequelas da pandemia.
Apesar disso, o editorial alerta que a iniciativa reforça a histórica dependência do SUS em relação ao setor privado, que concentra a maior parte dos equipamentos, tecnologias e serviços especializados.
Em muitos territórios, essa relação deixa de ser complementar (como previsto constitucionalmente) e torna-se substitutiva, deslocando recursos públicos e ampliando desigualdades regionais.
“É imprescindível alertar, entretanto, que, em médio e longo prazo, a estratégia programática não vem acompanhada de intervenções imprescindíveis para garantir mudanças e sustentação das propostas.”
As lacunas estruturais ignoradas pelo programa
A análise identifica três falhas estratégicas que impedem o Mais Especialistas de produzir mudanças duradouras no sistema: a regionalização paralisada e concentração de recursos, a força de trabalho insuficiente e formação controlada pelo mercado e o subfinanciamento e financeirização do orçamento público.
O texto contextualiza o problema no conjunto de políticas fiscais que, nas últimas décadas, comprimiram investimentos sociais — DRU, Teto de Gastos, Arcabouço Fiscal —, caracterizadas como “tendências genoestruturais” que impedem reformas estruturantes e reforçam a dependência do SUS em relação ao setor privado.
• Essa restrição orçamentária limita:
• expansão da rede pública;
• autonomia tecnológica;
• contratação de equipes;
• reorganização das Regiões de Saúde;
• fortalecimento da Atenção Básica/APS como ordenadora do cuidado.
O editorial conclui que o Mais Especialistas é necessário, mas insuficiente. Para que produza efeitos permanentes e alinhados ao projeto constitucional do SUS, precisa ser articulado a medidas estruturantes, tais como:
• expansão do setor público e desconcentração de serviços especializados;
• fortalecimento da APS como coordenadora do cuidado;
• redução progressiva da dependência privada;
• investimentos regionais planejados e redistributivos;
• reforço da regulação pública;
• reorganização da formação e das carreiras no SUS.
Os autores ainda afirmam que apenas a combinação entre respostas imediatas e transformações estruturais permitirá superar o vazio assistencial e garantir atenção especializada universal, integral e equânime.
Abaixo, a íntegra do editorial de Saúde em Debate
Programa Mais Especialistas: contextos e expectativas
Alcides Silva de Miranda, Ana Maria Costa, Maria Lucia Frizon Rizzotto e Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato
O MARCO LEGAL DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS) estabelece a proeminência e a interdependência entre valores ético-sociais articulados a diretrizes estratégicas que visam garantir o acesso universal à saúde como um direito social.
Ao longo de sua implementação, o SUS acumulou normativas que buscam não somente a realização de procedimentos tecnoassistenciais, a prestação e o consumo de serviços biomédicos, mas, sobretudo, a atenção integral com promoção, proteção e recuperação (assistência, reabilitação, reintegração) da saúde, com universalidade e equidade.
Igualmente, o SUS dispõe de normativas para efetivar a diretriz da participação social e comunitária que vem se consolidando no controle social e na defesa da saúde enquanto direito constitucional.
Quaisquer iniciativas de políticas governamentais que estabeleçam conquistas de direitos sociais com equidade redistributiva de recursos e acesso universal aos bens e serviços de saúde com integralidade requerem estratégias institucionais inovadoras, conjunturalmente viáveis e progressivamente sustentáveis.
Além disso, tais inovações institucionais também exigem estratégias sociais correlatas, almejando seu reconhecimento e legitimação perante a população, tanto por sua utilidade e eficácia como pelos valores ético-sociais agregados.
Decerto, existe um conjunto de estratégias institucionais imprescindíveis para a viabilidade e a consistência do SUS em termos essenciais e em perspectiva de permanência histórica, como o financiamento, o trabalho profissional, a atenção integral, a organização regional, a suficiência e a apropriação tecnológica e o controle social, entre outras.
Na mesma perspectiva, foram criadas estratégias programáticas específicas e incrementais, que visam à integração e operacionalização do conjunto das estratégias institucionais ancoradas nas prioridades determinadas.
Para potencializar sinergias estratégicas proativas, as inovações programáticas específicas devem guardar coerência com os princípios e as diretrizes do SUS e precisam estar concatenadas entre si, constituindo arquitetura coesa e apta ao crescimento e à consolidação em termos de utilidade social.
Do contrário, inovações programáticas destituídas do sentido constitucional e desarticuladas entre si podem configurar arranjos disformes e fragmentados, muitas vezes, até contraproducentes ao escopo original da política pública.
Por esse motivo, sempre que implantadas inovações estratégicas específicas, notadamente aquelas de natureza programática e caráter incremental, convém analisar, para além dos propósitos anunciados e das respectivas medidas normativas, sua coerência e potencialidade sinérgica e proativa no sentido da arquitetura e diretrizes constitucionais do SUS.
Evidentemente, também, importa analisar o contexto político mais abrangente ao entorno setorial do qual emergem as inovações programáticas em questão, assim como os intercursos conjunturais e suas prospecções, pelo menos de curto e médio prazo. Isso porque, obviamente, existem cenários multideterminados de natureza políticas, dialéticas e tão complexas que interpõem dificuldades, mas, também, oportunidades estratégicas.
Em se tratando particularmente de inovações programáticas para garantir a atenção integral à saúde, como a assistência especializada, tal crivo de análise torna-se ainda mais substancial porque persiste dívida histórica de iniquidades e desassistências.
Além do mais, trata-se de arena na qual a omissão do setor público permitiu que o setor privado se instalasse de forma preponderante, exigindo interdependência entre os setores público e privado.
O desenho estratégico para prover atenção integral com oferta de especialidades, em curto prazo, necessariamente deve ser a partir de relações que podem ser cooperativas e complementares ou concorrenciais, mas, tendencialmente substitutivas do setor privado.
Desde o período prévio ao SUS, na vigência do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), significativos segmentos do setor privado, com e sem fins lucrativos, foram cevados com subsídios, subvenções e mantidos com recursos públicos, estabelecendo relações de dependência financeira e contrapartida tecnoassistencial que perduram até hoje1.
Houve inequívoco adensamento e concentração da atuação desses segmentos privados, complementares ao SUS, em determinados tipos de procedimentos tecnoassistenciais especializados, constituindo nichos e dinâmicas de quase-mercado, com mecanismos próprios de acesso, regulação e até mesmo de financiamento.
Ademais, tendo em vista o texto constitucional, em seus arts. 197 e 1992, o marco regulatório para a relação público-privado no campo da saúde tem sido frágil e insuficiente, tanto para estabelecer o sentido apropriado de complementaridade nos termos do interesse público como para coibir vieses e iniquidades de acesso e utilização dos serviços especializados.
Embora haja legislação que regulamente os requisitos normativos para a conformação, organização e funcionamento de Regiões de Saúde definidas pelo Decreto nº 7.508/20113, persistem notórias insuficiências organizativas e logísticas para incrementar e conferir efetividade a esse arranjo regional.
Existem atualmente 439 Regiões de Saúde no País, entretanto, em sua grande parte, não atendem aos requisitos legais estabelecidos e, por isso, não formalizaram os respectivos Contratos Organizativos de Ações Públicas da Saúde (Coaps), ferramenta imprescindível para a organização dos protocolos e fluxos de demandas para a Atenção Especializada, assim como para oferta das linhas de cuidado a serem operadas em redes, ou seja, articuladas e integradas por equipes e serviços de Atenção Básica e Especializada.
Sem investimentos públicos estrategicamente direcionados para prover, de forma redistributiva, o trabalho profissional, as tecnologias apropriadas e os serviços integrais em Regiões de Saúde com insuficiências notórias, persiste a concentração de recursos, os adensamentos tecnoassistenciais e os serviços especializados nas regiões metropolitanas, principalmente nas capitais, o que tem provocado sobrecargas de demandas, longas filas de espera e iniquidades de acesso.
Além disso, como grande parte dos serviços especializados privados, complementares ao SUS, estão localizados nas regiões Sudeste e Sul e em regiões metropolitanas, estratégias governamentais para a redistribuição regional de investimentos e custeios públicos em Atenção Especializada implicariam graduais deslocamentos de recursos, desconfigurando oligopólios tecnoassistenciais estabelecidos desde a década de 19704.
Outro aspecto a ser agregado ao quadro é a dificuldade do SUS para efetivamente ordenar a formação e a distribuição da força de trabalho profissional conforme estabelecido no art. 200 da Constituição Federal de 19882, a partir das necessidades sociais e epidemiológicas identificadas e demandas prioritárias selecionadas. Em se tratando da assistência especializada, a distribuição de profissionais de saúde implica ofertas regionais compatíveis com as referidas necessidades e demandas, assim como estratégias institucionais para vinculação e permanência de trabalhadores nessas regiões.
As estratégias institucionais e as logísticas estabelecidas para a regulação da assistência especializada, bem como os complexos dispositivos regulatórios já implantados têm sido insuficientes para gerir e suplantar as inúmeras insuficiências e dificuldades.
Em suma, constata-se, pois, no âmbito do SUS, a perpetuação de gargalos e iniquidades para a garantia do acesso, da assistência e da reabilitação na Atenção Especializada, seja para a assistência ambulatorial e hospitalar na Média e Alta Complexidade (MAC), seja para os Serviços de Apoio Diagnóstico e Terapêutico (SADT).
Pode-se afirmar que as iniquidades persistem de longa data, enquanto situação crônica com períodos de agudização, como observado no pós-pandemia da covid-19, causando enorme sofrimento na população, devidamente divulgados pelas mídias como ‘crises’, que se repetem.
Importa ainda contextualizar a problemática da Atenção Especializada no âmbito do financiamento público, da reorganização sistêmica e da efetividade social da Atenção Especializada, considerando os vieses, os percalços e as contingências impostas no decorrer do processo de implantação do SUS, pela constância de políticas governamentais sob preponderância da orientação neoliberal.
São tendências genoestruturais, como a ‘financeirização’ dos orçamentos públicos, gerando contingenciamentos de gastos sociais; a migração de institucionalidades estatais da égide do Direito Público para o Direito Privado, com introjeção de racionalidade restrita aos termos de custo-efetividade empresarial; o agenciamento para terceiros, de prerrogativas governamentais regulatórias, de autoridade sanitária e de gestão pública; a presença colateral de regimes precários para a exploração do serviço público; entre outras situações que barram e limitam a plenitude e a consolidação do SUS constitucional.
Ao longo das últimas décadas, houve sucessão de iniciativas e medidas governamentais visando aos chamados ajustes fiscais, citando aqui o Fundo de Estabilização Fiscal, a Desvinculação de Receitas da União, o Teto de Gastos e, mais recentemente, o Regime de Arcabouço Fiscal.
Todos esses ajustes não somente provocaram a interdição de investimentos progressivos e de reformas estruturantes imprescindíveis para a consolidação do SUS – financiamento, regimes e processos de trabalho público, modelagem de atenção integral, regionalização, autossuficiência tecnológica etc. – como também reforçaram a sua dependência perante o setor privado de serviços especializados, que deveriam, pela Constituição, ter o papel de complementariedade.
Sumarizados alguns aspectos contextuais acerca da problemática enfatizada, convém reiterar que, embora inovações institucionais e programáticas possam incluir serviços, incrementar o acesso atenuando iniquidades e desassistências, aprimorar processos e funcionalidades e agregar valores de utilidade para bens e serviços públicos de saúde, as estratégias governamentais e sociais destinadas para subverter e suplantar as tendências degradantes destacadas nesta análise não podem estar restritas aos escopos setoriais e programáticos das políticas de saúde.
A viabilização e a consolidação de políticas públicas universais, equânimes, integrais e participativas, tal como preconiza a Constituição Federal2, requerem novas disposições e compromissos para as políticas econômicas e sociais de interesse público5.
A recente iniciativa governamental para a implantação da estratégia programática intitulada genericamente como Mais Especialistas (com derivações como ‘Agora tem Especialistas’, ‘Mais Acesso a Especialistas’ etc.) interpõe um conjunto articulado de intervenções para mitigar e equacionar a problemática da assistência especializada. Os propósitos anunciados visam garantir acesso a consultas, exames e procedimentos especializados o mais rápido possível e com menos burocracia, para mais de 160 milhões de pessoas potencialmente beneficiadas6.
As estratégias institucionais concatenadas no programa ‘Mais Acesso a Especialistas’ se iniciaram na gestão da Ministra Nísia Trindade, finalizadas e apresentadas na atual gestão ministerial de Alexandre Padilha. Segundo informe do próprio Ministério da Saúde (MS), em meados de julho de 2025, todos os estados e 99,2% dos municípios brasileiros tinham aderido à proposta7.
Trata-se de um conjunto articulado de proposições genéricas e específicas que prevê: credenciamento ao SUS de clínicas e hospitais privados; ampliação de estabelecimentos, recursos logísticos e serviços da rede pública; intercâmbio de dívidas do setor privado complementar ao SUS e suplementar (pendências de ressarcimentos ao SUS) por atendimentos especializados demandados pelo projeto; ampliação de serviços do telessaúde; formação de médicos especialistas; incremento de atendimentos em dispositivos móveis (carretas etc.) e mutirões para procedimentos especializados; aprimoramento de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; entre outros. Para a implementação inicial das referidas medidas, o MS estabeleceu seis especialidades prioritárias: oncologia, ginecologia, cardiologia, ortopedia, oftalmologia e otorrinolaringologia6.
Observa-se que, em se tratando de uma estratégia programática incremental de âmbito setorial, de perspectiva de curto prazo, buscou-se articular iniciativas interdependentes e sinérgicas, como a de fomentar e incrementar a participação sistêmica do setor privado, provedor e detentor do maior volume de estabelecimentos, equipamentos e serviços especializados que serão usados para referenciar pacientes do SUS.
Em curto e em médio prazo, é possível que a referida estratégia programática, com suas derivações e medidas concatenadas, possa efetivamente incidir sobre o gargalo, incrementar o acesso, reestabelecer fluxos para referenciamentos, ordenar linhas de cuidado prioritárias e aprimorar os critérios e termos de regulação para a assistência especializada.
Decerto, caso haja tal incremento e aprimoramento, a tendência seria de atenuação das insuficiências de recursos e até mesmo das mazelas de natureza sistêmicas preexistentes, produzindo a ampliação de serviços e impactos positivos para as demandas de saúde de indivíduos e populações, o que justifica tal iniciativa e o novo arranjo incremental.
É imprescindível alertar, entretanto, que, em médio e longo prazo, assim como em perspectiva ampliada para o escopo e escala do setor público de saúde, a referida estratégia programática não vem acompanhada de intervenções, mesmo que incrementais, que seriam imprescindíveis para garantir mudanças e sustentação das propostas relacionadas, tais como: redistribuição de recursos e desconcentração dos serviços públicos visando à viabilização e à consolidação da arquitetura das redes e processo de regionalização ou Regiões de Saúde; reorganização dos regimes e processos de trabalho para as equipes de saúde no SUS; diminuição gradual e sustentável da dependência tecnoassistencial em relação ao setor privado; reforço de capacidade regulatória, da parte do setor público em relação ao setor privado; reforço do atributo de coordenação do cuidado integral a partir do fortalecimento das atribuições da Atenção Básica à Saúde/ Atenção Primária à Saúde (ABS/APS) e qualificação e fortalecimento da ABS para o exercício do ordenamento da rede de atenção integral baseado nas necessidades e nas demandas da população.
Ademais, a viabilização e a consolidação das Regiões de Saúde são imprescindíveis para reestabelecer fluxos e garantir acesso para a Atenção Especializada em itinerários de proximidade, em termos de escala recursiva e escopo mais equânime e de atenção integral.
Na mesma direção, as Regiões de Saúde são básicas para garantir o apoio à rede de ABS/APS, Vigilância em Saúde e demais mudanças no modelo de atenção e de cuidado. Entretanto, depende da redistribuição de recursos públicos para investimentos e custeios, ora concentrados em poucas regiões (em sua maioria, metropolitanas) onde predomina a rede privada.
Também há concentração de ocupações profissionais especializadas em poucas regiões do País. Em grande parte, trata-se de força de trabalho agenciada para terceiros, operadas de forma precarizada, particularmente em se tratando de determinadas ocupações profissionais.
A formação de especialistas persiste sob controle corporativo, e sua distribuição e fixação estão subordinadas à lógica de mercado. Modificar tal situação exige a implementação de um regime de trabalho e carreiras compatíveis ao SUS, ordenados a partir das necessidades sociais e prioridades de saúde.
Nesse contexto, como o setor público dispõe da menor proporção de estabelecimentos, tecnologias e serviços especializados, não controla minimamente a formação, a distribuição e a fixação de especialistas e sua capacidade regulatória fica comprometida.
Corporações de segmentos especializados disputam recursos públicos, notadamente, valores procedimentais da Tabela SUS, enquanto estabelecem interveniências mercantis traduzidas, por exemplo, nas ‘duplas, triplas portas’ que discriminam pacientes do SUS. Além disso, a logística adotada para a regulação do acesso aos serviços especializados não tem priorizado as análises situacionais e o georreferenciamento para fluxos de demandas e itinerários de cuidados, mantendo a rigidez das programações assistenciais herdadas do antigo Inamps.
Urge a redefinição de estratégias e iniciativas institucionais que possibilitem estabelecer critérios, logísticas e termos de regulação pública, a partir de necessidades sociais e prioridades assistenciais, visando à atenção integral à saúde, e não somente ao consumo de procedimentos biomédicos regulados pelas corporações de mercado.
Outrossim, não basta aprimorar os registros, os meios e os termos de referenciamentos da rede de ABS/APS para a assistência especializada.
A ABS/APS deve ser dotada de capacitação que amplie seus recursos, assim como de prerrogativas logísticas para a efetiva coordenação do cuidado das pessoas, famílias e comunidades.
Também é imprescindível a redefinição de estratégias institucionais que reforcem o contrarreferenciamento da assistência especializada para ABS/APS, retornando os egressos dessa atenção para o monitoramento pela ABS.
Conforme exposto, o referido programa apresenta alternativas estratégicas incrementais para equacionar os problemas do vazio assistencial, iniquidades e desassistência especializada. Entretanto, seus objetivos devem mirar o curto, o médio e o longo prazo, o que requer definir estratégias estruturantes de ampliação do setor público e desmame progressivo da dependência do setor privado, reduzindo sua dimensão em relação ao setor público. Dada a oportunidade conjuntural, torna-se importante aliar-se às iniciativas mais específicas e de curto prazo contidas no Mais Especialistas, outras medidas estruturantes sinérgicas e alinhadas ao projeto constitucional do SUS.
Referências
1 Mendes EV. As políticas de Saúde no Brasil nos anos 80: A conformação da Reforma Sanitária e a construção da hegemonia do projeto neoliberal. In: Mendes EV. Distrito sanitário: o processo social de mudança das práticas sanitárias do Sistema Único de Saúde. São Paulo: Hucitec; 1993. p. 19-85.
2 Presidência da República (BR). [Constituição 1988]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF. 1988 out 5; Seção 1:1.
3 Presidência da República (BR). Decreto nº 7. 508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde – SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília, DF. 2011 jun 29 [acesso em 2025 ago 16]; Edição 123; Seção I:1- Disponível aqui.
4 Costa AM, Noronha JC, Noronha GS Barreiras ao universalismo do sistema de saúde brasileiro. In Por el derecho universal a la salud: una agenda latinoamericana de análisis y lucha. In: Henrion CT, Laurell AC, organizadoras. Por el derecho universal a la salud: una agenda latinoamericana de análisis y lucha [Internet]. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Clacso; 2015 [acesso em 2025 ago 16]. Disponível aqui
5 Costa AM, Chioro A, Laguardia J, et al. Ainda tem pandemia, mas há esperança. Saúde debate. 2022;46(esp1):5-14. DOI
6Ministério da Saúde (BR). Estados e municípios já podem aderir ao Mais Médicos Especialistas. Ministério da Saúde [Internet]. 2025 jun 13 [atualizado em 2025 ago 7; acesso em 2025 ago 16]; Notícias. Disponível aqui
7Brasil. Ministério da Saúde (BR). Mais Acesso a Especialistas tem quase 100% de adesão dos municípios brasileiros. Ministério da Saúde [Internet]. 2024 dez 23 [acesso em 2025 ago 16]; Notícias. Disponível aqui
Publicação de: Viomundo
