Julgamento da BHP em Londres é marco na luta dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão

Nove anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), teve início na segunda-feira (21), em Londres, o julgamento da mineradora anglo-australiana BHP Billiton. Considerada  a maior ação ambiental coletiva já registrada na justiça inglesa e um dos maiores julgamentos de cunho ambiental da história, o processo deve ser finalizado em março de 2025 e definirá se a mineradora tem responsabilidade pelo crime da Samarco em 2015. 

Na data do início do julgamento, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) realizou uma manifestação em frente à Prefeitura de Governador Valadares, município da região do Vale do Rio Doce, a fim de  chamar a atenção da sociedade brasileira a respeito do processo, que é considerado um marco importante da luta dos atingidos. 

Além disso, o protesto contou com projeções em prédios de São Paulo, Belo Horizonte e Brasília, com a seguinte mensagem: “É hora de fazer justiça por Mariana. Começou o julgamento das mineradoras na Inglaterra. Reparação justa para as vítimas na Bacia do Rio Doce. Justiça pelo Brasil. Justiça por Mariana”.

O rompimento da barragem da Samarco resultou na morte de 19 pessoas, no deslocamento de ao menos 600 e na destruição dos distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo.  Além disso, a contaminação do Rio Doce pela lama tóxica se estendeu por cerca de 700km, do interior de Minas Gerais até o litoral do Espírito Santo.

O julgamento fora do Brasil se justifica pois, no momento do rompimento, estava situada em Londres, uma das duas sedes globais da BHP, localizada atualmente apenas na Austrália. A Samarco, empresa que administrava a barragem de Fundão, é uma joint-venture entre a BHP Brasil e a mineradora Vale. É o que explica o integrante da coordenação nacional do MAB, Thiago Alves. 

“A ação inglesa é movida por um escritório internacional com sede em Londres, que, embora privado, ao fazer esse movimento, permite a criação de um cenário político internacional que expõe a BHP e outras empresas. Isso gera um exemplo internacional para outras populações de que é possível pressionar grandes empresas em seus países de origem”, explica.

“Embora o MAB não participe diretamente da ação, defendemos o direito dos atingidos diante da morosidade da justiça brasileira, de buscar seus direitos em outro país. Isso é legítimo, a partir do momento em que não se consegue alcançar a reparação aqui”, continua.

Lentidão na Justiça brasileira 

O coordenador do MAB ressalta ainda que, embora o Judiciário brasileiro esteja cuidando do caso, a resposta está atrasada.

“Em geral, os juízes federais atuaram de maneira muito lenta, errática e confusa. Um exemplo é o caso do juiz Mário de Paula que, a partir de 2019, passou a priorizar os processos de indenização individual e atrasar as ações coletivas. Foi necessária uma denúncia do Ministério Público Federal e manifestações públicas dos atingidos na porta do tribunal. Desde então, nós tivemos dois juízes diferentes, que mudaram o entendimento do processo”, relembra. 

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Porém para Thiago, só essa mudança não foi suficiente para dar aos atingidos uma resposta significativa. Ele pontua também a pressão que o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) exerce no Superior Tribunal Federal (STF) ao se posicionar contrário à busca dos atingidos por reparação a partir de outro país . 

“O Ibram não está preocupado com a saúde financeira de nenhum município, não está preocupado com o direito individual e com a reparação dos danos ao Rio Doce. O instituto defende o interesse das mineradoras e é por isso que está questionando no STF essa ação na Inglaterra”, denuncia o coordenador MAB.

A maior ação ambiental da história 

Atualmente, os pedidos de indenização, movidos a partir do Tribunal de Tecnologia e Construção em Londres, somam US$46,8 bilhões e são movidos por ao menos 620 mil vítimas da tragédia ambiental em Minas Gerais. Há 46 municípios entre os requerentes da ação, além de comunidades quilombolas, instituições religiosas e o povo indigena Krenak. 

“Com o tempo, essa ação se tornou uma das maiores do mundo e é, na prática, uma grande força de denúncia e de pressão internacional no debate brasileiro da reparação, cumprindo um papel histórico. Essa pressão internacional, no contexto das mudanças climáticas e enfrentamento a grandes empresas, expõe uma grande transnacional que viola direitos em todo mundo. Isso é muito importante do ponto de vista político”, avalia Thiago.

Para ele, é possível que a ação inclusive acelere o processo de responsabilização no Judiciário brasileiro.

Caso seja considerada culpada pelo crime ambiental, a empresa enfrentará um segundo julgamento para definir o valor indenizatório que cada demandante deverá receber. Thiago Alves afirma que a expectativa do MAB é de que a empresa seja condenada e sejam encontradas formas eficientes de liquidar o eventual pagamento de indenizações aos atingidos no Brasil.

Em julho deste ano, a Vale e a BHP concordaram em dividir pela metade os custos de indenizações em uma eventual condenação, que pode acontecer nos processos movidos na justiça em quatro países: Brasil, Austrália, Países Baixos e Reino Unido. Neste ínterim, há no Brasil um processo em curso de repactuação do acordo de reparação assinado entre as empresas e o governo.

Publicação de: Brasil de Fato – Blog

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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