Lelê Teles: Tenho saudades dos redemoinhos e de suas diabruras empoeiradas

Por Lelê Teles

uma das imagens mais vivas que trago da minha infância, no gama, é a de um redemoinho.

lembro-me sempre daquela espiral de poeira e vento que varria as ruas sujas da minha amada periferia.

quem tinha pipa no céu tratava logo de trazê-la de volta à terra, as mulheres seguravam saias e vestidos, homens agarravam os chapéus, frutos caíam maduros das árvores e tudo virava um rebuliço só.

menino muito magro tinha que se agarrar num poste para não ser arrastado para dentro do furacão.

os redemoinhos tinham uma força incrível, chegavam mesmo a destelhar alguns barracos, arrancando zincos e amiantos.

faminto e devorador, arrastava casinhas de cachorro, engolia livros, sacos de pães, jornais e toda sorte de inutilidades.

quando um redemoinho passava pelo campinho, a molecada parava de jogar golzinho para reverenciar aquela divindade de pó e vento.

e ele, altivo e endiabrado, passava por nós assoviando, tragando tudo pelo caminho.

lembro-me que minha mãe costumava estender as roupas no varal e, mesmo, na cerca de casa.

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as fraldas, alvejadas pelo esfregar minucioso de uma mãe cuidadosa, dançavam sua brancura no balouçar do vento morno.

a jovem mãe, descansava à sombra de uma mangueira, comendo o fruto e descansando.

de repente, um demônio soprava a terra vermelha e um pequeno furacão corria doido pelas ruas.

para nós, infantes peraltas, aquilo era motivo de algazarra e alegria.

enquanto as mães, coitadas, se descabelavam numa doida correria pelo quintal.

uma gritaria desvairada se formava na vizinhança.

os bobes caindo da cabeça, os lenços esvoaçando, as mulheres tudo assanhadas tirando pregadores e tentando salvar as roupas recém lavadas.

era uma correria inútil.

tudo virava uma lama só.

os mais velhos proibiam as crianças de entrarem dentro do tufão de poeira, diziam que lá dentro habitava o capeta e que o tinhoso levaria para os quintos dos infernos quem se aventurasse a entrar na ventarola.

ninguém tinha coragem, nem o mais valentão peitava o desafio.

eram tempos de muitos terrenos baldios, muito espaço aberto e nesses vãos e desvão é que satanás vazia suas satanagens.

tenho saudades daquele diabo e de suas diabruras empoeiradas.

arrependo-me de não ter entrado dentro de um redemoinho desses e encontrado o capiroto lá dentro, quem sabe não dançaríamos juntos, gargalhando da galhofa das crianças lá fora.

saudades de voltar da escola e ser surpreendido no caminho, correr atrás de redemoinho e chegar em casa todo assanhado.

tenho dentro de mim um redemoinho sempre vivo e ele me sacode toda vez que preciso dele.

é essa divindade espiralar que invoco toda vez que preciso levantar a poeira e dar a volta por cima.

tem funcionado sempre, sempre funcionará.

palavra da salvação.

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POEIRA BOBA

Abaixo, o poeta e professor Sids Oliveira lê o seu poema Poeira Boba.

Atualmente, mora em Brasília, mas é cria do Gama, no DF, assim como Lelê Teles.

São amigos de infância.

E o poema, claro, é sobre a poeira do Gama.

Faz parte do livro ”Um Dedo de Prosa, Uma Mão de Poesia” (FAC-2005).

Ouça.

Publicação de: Viomundo

Lunes Senes

Colaborador Convidado

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